domingo, 30 de setembro de 2018


PLANETACHO

Jacaré calça o teu pé...
O córrego já não corre...
Rios estão no leito da morte...
Dourados? Nem em sonho...
Caçadores, sujeitos de porte
Do regato ficou só o re...
Os gatos se mandaram para Brasília
A mata nativa já não está mais na ativa...
A onça já não tem mais amigos...
O macaco prego entrou em parafuso...
O horto virou horta...
O mogno virou porta...
O Tietê não tem mais tietes...
O tamanduá amanheceu com a boca cheia de formiga...
Jiboias só nas janelas da cadeia...
Deu pra ti, jacarandá...
Área verde, nem pra quebrar um galho...
Ninguém quer saber do sabiá...
Bem-te-vi florestas queimadas...
Onças? Nem pintadas...



sexta-feira, 28 de setembro de 2018


A VOZ DO POVO
João Eichbaum

Umberto Ecco pisou na jaca podre, antes de morrer: chamou de idiotas os usuários das redes sociais. Triste testamento, para quem teve seu tempo de glória no olimpo literário. Sua obra “O Nome da Rosa” levou o mundo a pensar nele, como num homem sábio.

Embora não com o mesmo adjetivo, que demonstra desprezo e soberba e está mais na boca de néscios do que de sábios, a grande imprensa, de um modo geral, trata o Face Book como uma tela de ignorância, pintada com dedos sujos de maldade. Para não dizer como parede de latrina, sem papel...

Ecco, o famoso e já falecido escritor italiano, não conseguiu domar sua misantropia e revelou desconhecimento da espécie humana. Ao chamar de idiotas os usuários das redes sociais, negou seus personagens, as criaturas geradas por ele em O Nome da Rosa, enroscadas nas fraquezas do próprio ego.

A grande imprensa, como Umberto Ecco, se acha melhor do que os outros. Porque é dona de veículos de publicidade, porque tem o poder de difundir ideias e tragédias, não se dá conta de que depende de homens para se afirmar ou, menos do que isso, para existir, simplesmente.

Muitos desses homens não são quem ela faz pensar que são. No momento em que o país vive uma tensão política chamuscada por centelhas de ódio, as fraquezas se desnudam e o fanatismo nivela todo mundo por baixo. Crônicas, artigos e as mais variadas formas de comunicação, vêm encharcadas de paixões e despidas de qualidade. A beleza literária, que antigamente distinguia o jornalista, que fazia do jornalista um perito na arte de escrever, hoje é posposta pelos sentimentos, pelas tendências pessoais, pela soberba e pela indecência de textos mal construídos.

Nesse nível, o jornalismo profissional se iguala aos usuários das redes sociais. O Face Book é o jornal do povo, um veículo de comunicação com abrangência bem maior que os da grande imprensa. Os seres humanos, que dele se servem para mostrar seu chorinho de cachorro molhado, seu terror de existir, ou seu poema que faz chorar as estrelas, revelam o que são, não precisam de revisores e não têm que se dobrar à vontade dos patrões.

Do misticismo ao realismo, da execração ao fascínio, cada pessoa tem o seu universo, cada um vê a sua parte na história e a retrata dentro dos próprios limites. Assim, exerce sua liberdade de expressão, um direito que só é negado por aqueles que, desconhecendo a humanidade, não merecem ser tratados como guias e, muito menos, como sábios.



terça-feira, 25 de setembro de 2018


O PAI PRESENTE
Mariléia Sell

Um pai visivelmente furioso entra na minha sala. Queria um registro que fizera há uns sete anos, oito talvez, não lembrava direito, relatando que havia ameaçado a professora do filho.
– Foi uma ameaça velada, mas para bom entendedor…
– Por que o senhor ameaçou a professora?
– Porque ela deixou o meu filho sozinho na biblioteca, de castigo, e lá tinha um esqueleto. Ele ficou com tanto medo que pegou trauma.
– E por que o senhor quer esse registro depois de tantos anos?
– Quero provar para o juiz que sou um pai presente.
– Por que o senhor precisa provar que é um pai presente?
– Porque a minha mulher diz que não sou.
– Por que ela diz isso?
– É porque ela quer o divórcio e no divórcio elas inventam um monte de coisas.
– E o senhor acha que é um pai presente?
– Claro que sou. Se não fosse, não teria corrido o risco de ser preso, ameaçando uma funcionária pública. Li num cartaz que dá cadeia.
– Hum
–  E eu educo o meu filho. Quando ele erra, desmonto ele a pau.
– O senhor é agressivo?
– Tenho potencial, mas não sou. Tenho treinamento da Polícia de Operações Especiais. Sou vigilante e sei o que fazer com uma arma. Aprendi que se é pra morrer, melhor morrer atirando. Mas não sou violento.
– Hum.
 – Sempre digo pra ele que até os 18 anos ele tem que se preocupar comigo. Depois, é com a polícia. E ele está mais do que avisado: não visito filho no xilindró.
– Mas por que o senhor acha que esse registro vai ajudá-lo com o juiz?
– Primeiro vou tentar a reconciliação porque não entendo o motivo de ela querer o divórcio.
– Hum.
– E se ela não aceitar voltar pra mim, vou tentar a guarda. Não acho justo pagar pensão.
Mariléia Sell é Professora Doutora dos Cursos de Letras e Comunicação da Unisinos


domingo, 23 de setembro de 2018


PLANETACHO

Não convidam mais o Gilmar Mendes para nenhuma solenidade. Ele acaba sempre soltando os pombos antes da revoada...

Antigamente é que era bom. Tempo em que até as pedras eram polidas.

Morreu o inventor da boneca inflável. Falta de ar...

Eleições em plena primavera embora a maioria dos candidatos não seja flor que se cheire.

Depois do álbum da Copa, o certo seria se fazer o álbum das eleições 2018... Tem cada figurinha.

Pinóquio é um homem de uma palavra só:”mentira”.

Rubinho Barrichello deve lançar seu apoio esta semana a Mário Covas

Já dizia o líder dos motoboys envolvido na Lava Jato: - Não podemos nos entregar, companheiros.

Por isso eu digo e repito: - Tem que investi em educação!

Para o candidato com menor espaço de tempo na TV resta a esperança de que prevaleça o ditado de que “para bom entendedor meia palavra bas...”

O Zagueiro gritava muito com o time, mas não jogava nada. Era um back vocal

sexta-feira, 21 de setembro de 2018


FESTA NA CORTE
João Eichbaum

No princípio foi o verbo. Mas não no discurso do Dias Toffoli, na posse como presidente do STF. Ali o verbo ficou perdido no meio de um amontoado de substantivos. Olhem só: “O fenômeno fundamental do poder não é a instrumentalização da vontade de outros, mas a formação de uma vontade comum numa comunicação direcionada para atingir um acordo”...

Mais enrolado que isso, só papel higiênico ainda não usado. Está aí o resultado da convivência do Dias Toffoli com a Dilma, quando ele era advogado do PT, na Casa Civil e na Advocacia Geral da União.

O que mais se ouviu foi a salmodia demagógica: “inclusão social” e “bem-estar”, “desenvolvimento social, cultural e econômico”, garantia “dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana”, proteção “dos vulneráveis e das minorias”. De substantivos, que ocupam o vazio cerebral dos políticos, está cheio o discurso. Mas, nele não houve lugar para o único verbo que designa a função judicial: julgar.

Depois veio a balada, movida a Renato Russo e Cazuza, com música dos anos 80, na Hípica Hall. Convidados tiveram acesso à festa, promovida pela Associação dos Magistrados Brasileiros, pagando 250 reais - merrecas, para quem ganha auxílio-moradia, à sombra dessa realidade encardida e medíocre em que está metido o país.

Bem. Na balada acontece o que Deus quiser. Depois que a língua foi anestesiada por vinho e scotch legítimos, as cordas vocais, arranhadas por incontidos perdigotos, não conseguem sair do si bemol menor, para acompanhar a música que a banda toca em ré maior.

 Dias Toffoli estabeleceu sua celebridade, de cabelo bem apurado no colorido, no meio do salão. Rodeado de mulheres figurantes, sua voz pastosa corria em busca da melodia de “Tempo Perdido”. Aquela coisa doida, que o álcool provoca, reduzindo o espetáculo da vida a um amontoado de gente pulando, gritando, gargalhando, sem bossa, sem ritmo e com esgares que lembram nossos ancestrais do tempo em que ainda tinham rabo, foi mostrada em vídeo que corre pela internet.

Não havia adiposos senhores, exibindo notório saber jurídico e cabelo acaju, a pular no salão. Nem o ministro aquele, com cara de sapo atropelado. Só a patota amiga. Mas era a festa da corte brasileira, aquela que não tem cetro nem coroa, mas tem toga e pajens até para ajeitar os traseiros de suas excelências nas cadeiras. Nada disso precisa de verbo, mostrando a que vem o substantivo.



terça-feira, 18 de setembro de 2018


OS MISERÁVEIS
Mariléia Sell

O trajeto para o trabalho, uns 15 minutos de carro, fornece material empírico suficiente para um tratado sociológico dos tempos modernos. Um tratado sobre modelos políticos e econômicos. A cada sinal de trânsito, o desfile da falência social. Uma exposição ilustrada da incompetência do Estado. No caminho da ida, no mesmo sinal, todos os dias, encontro o mesmo pedinte. “Tem um troquinho, pra eu comer”? Quase sempre digo que não tenho e quase sempre ele me adverte que podia estar roubando. Quando alcanço algumas moedas, ele sorri um sorriso largo e sem dentes e me abençoa: “que Deus proteja a senhora e sua família”. Digo amém, enquanto tento me desvencilhar do moço do abacaxi, “o mais doce e barato da região”.  “Não gosto de abacaxi”, esclareço. “Leva para o marido”, insiste. “Não tenho um marido”, rebato. “Mas de bergamota a senhora gosta, né? Só cinco reais o balde”. Ou morango? “São quatro caixas à dez pila”. Pelo retrovisor, vejo o moço da rapadura e dos panos de prato avançando. Ele chega tarde no vidro do carro; o sinal abriu. Piso no acelerador e respiro aliviada.

Acelero e torço para que o próximo sinal esteja verde. Não está. É o sinal dos índios. A mãe fica com um olho no artesanato e outro nas crianças que se esgueiram entre os carros para vender filtros de sonhos.  E ainda outro olho no bebê que está amamentando. A crise também atingiu o mercado dos filtros de sonhos. A saída é pedir uma “moedinha”. No mesmo sinal, de infinitos tempos, tem também o moço com deficiência. Está lá desde que o mundo é mundo. Costuma fixar seus olhos grandes e saltados diretamente no olho dos motoristas e das motoristas. E ali fica. Até abrir o sinal. Se ao menos ele fosse embora depois de ouvir que não receberá dinheiro. Mas não. Ele fica. E fica olhando. Seus olhos atravessam o vidro do carro. Não há blindagem possível para aqueles olhos.

Prego os meus olhos nas lâmpadas do sinal, à frente, no alto. Como pode um semáforo demorar tanto a abrir, penso, com a sensação de estar ali desde a Idade Média. Enquanto espero, posta-se na frente do meu carro o moço do cartaz de papelão, com letras irregulares e mal calculadas. Daqueles cartazes em que a letra começa grande, cheia de pretensões, e, lá pelas tantas, vai diminuindo porque o escrevente percebe que não haverá espaço suficiente. Ele está juntando dinheiro para comprar um lanche. “Sou morador de rua e estou com fome. Me ajude com 10 centavos. Deus abençoe”.  O “abençoe” ficou seriamente prejudicado pelo erro de cálculo do cartaz. Ficou espremido e, na verdade, só é legível porque, pelo nosso conhecimento de mundo, acomodamos o par relacional Deus e abençoar no mesmo campo semântico.

Sigo, impávida, pelo caminho menos movimentado para o meu trabalho, pela linha do trem, o mais novo condomínio dos miseráveis. Protegidos pela estrutura colossal de cimento, erguem suas casas de papel e de lata. E improvisam quintais para os seus cavalos. Ostensivamente, estacionam as suas carroças de reciclados. Os seus arranjos interferem na paisagem urbana. Tão planejada que foi essa obra do trem, para não trazer prejuízos estéticos à cidade! São os miseráveis da era moderna, aqueles cuja existência é uma afronta à vida imperturbada em nossas bolhas.  Aqueles que, incomodamente, nos lembram no nosso fracasso enquanto humanidade.  Os indesejados.

Mariléia Sell é Professora Doutora dos Cursos de Letras e Comunicação da Unisinos



domingo, 16 de setembro de 2018


PLANETACHO

A casa do Sérgio Cabral em Mangaratiba foi arrematada em leilão por 6 milhões e quatrocentos mil reais. Três veículos blindados saíram por 485 mil. Alguém pode perguntar para que tantos veículos blindados. Cabral deveria ser partidário do ditado “vergonha é roubar e não poder carregar”.


PER VERSO

Em reunião de negociata o vinho é caro mas não consta em ata.

A quantidade de venezuelanos vindo para o Brasil em meio à nossa maior crise econômica só pode ser intercâmbio

Preservar os direitos políticos é tão difícil quanto preservar os políticos direitos

Tem gente querendo mudar o rumo do Brasil, prometendo vender a bússola

Cabo eleitoral é o sujeito que só tem confiança cega em seu candidato, se ele pagar à vista

Nos amistosos da seleção brasileira ficou mais do que provado que linha de  El Salvador é mais imaginária do que a do Equador

A notícia de que os Estados Unidos pensaram em intervir na  Venezuela só pode ter vazado de uma conversa a quatro paredes...No Pentágono...

No Brasil se discute até a inclinação da torre de Pisa

O cúmulo da safadeza é ter o rabo preso por desvio de verbas para a compra de tornozeleiras.

sexta-feira, 14 de setembro de 2018


OS ADVOGADOS DE DEUS
João Eichbaum

O primeiro chute no traseiro, desde que o mundo é mundo, quem recebeu foram Adão e Eva, os robozinhos de carne criados por Deus. Depois das fofocas de comadres que, numa esplendorosa tarde no paraíso, a serpente e a Eva trocaram, imaginem o que aconteceu. Eva não só comeu uma maçã proibida por Deus, como deu pro Adão. E aí rolou o pecado original.

Foi então que Javé, o deus judaico-cristão, teve o primeiro surto de fúria no calendário da eternidade. Não quis saber de explicação. Decisivo, porque não tinha segunda instância, fuzilante, berrou: “sumam daqui, acabou o bolsa-família, chega, vão se virar, vão se fu...ops, vão se multiplicar, parindo bebês para encher o mundo”.

Foi o primeiro surto de raiva e vingança. Outros se seguiram depois: mandou um dilúvio para afogar o mundo, botou fogo com enxofre em Sodoma e Gomorra, porque a turma só pensava em transar, dividiu o mar vermelho para afogar os egípcios, deu a maior força para David matar Golias, criou as fogueiras da Inquisição, e por aí foi, matando e mandando matar.

Até que chegou a vez do Bolsonaro. Para isso ele escolheu a dedo um sujeito chamado Adélio Bispo, pobre, sem teto, sem terra, sem profissão, sem mulher, desempregado, mas com cartão de crédito internacional: “vai lá e termina com a pele desse cara”.

Mas, o Adélio não conseguiu dar conta do recado. Preso, depois de ter esfaqueado Bolsonaro, entregou o mandante: “foi Deus”. Ora, com um réu de tal porte, outra coisa não se poderia esperar. Assim que Adélio abriu o bico, surgiram quatro advogados do nada, assim como do nada surgiu o mundo criado por Javé. Senhores bem vestidos, de conversa fluente, engravatados, prestando assistência VIP ao mercenário de Deus, coisa que nem Jesus Cristo teve, para se defender perante Pilatos.

Até hoje, em toda a história judiciária do Brasil, tal não havia acontecido. Há milhares de pobres, tratados como animais irracionais nos presídios pestilentos, a quem Deus não socorre, nem com a graça de advogados de porta de cadeia.

Mas Adélio é um privilegiado. Foi escolhido porque tem recheio psicológico e é dotado de enorme senso artístico. Enroscado na ideia de que cumpre missão divina, se sente numa trincheira. Só que, pelo sim, pelo não, para lhe fechar a boca, Deus providenciou advogados de alto coturno, pagando-os com a única moeda que é reconhecida no sistema financeiro da eternidade, não entra nas contas da Receita Federal, nem deixa rastro para a polícia: o dízimo.


terça-feira, 11 de setembro de 2018


O DIABO MORA COMIGO
Mariléia Sell

Elisabete acorda sobressaltada. Não sabe das horas. Pela janela, enxerga que o dia ainda não amanheceu. “Deve ser madrugada”, pensou, desorientada, mal lembrando quem era e onde estava. Mal controlando o coração e as pernas que sacudiam em tremores. Passara outra noite correndo. Corria sempre. E não tinha paz porque precisava correr. Cansava-se porque a sua sina era correr.

Aprendera técnicas de respiração para acalmar-se. Inspirava e contava até três, retinha o ar e contava até três, expirava e contava até três. Respirava até escorregar para o sono novamente. O cheiro de cânfora causava-lhe um sobressalto nas tripas, um arrepio de náusea. Uma pedra bem no centro do estômago queria ser vomitada. Precisava vomitar. O expurgo do vômito também a acalmava. O cheiro da cânfora era desses cheiros que não saíam da pele: não havia água e sabão no mundo que dessem conta dessa limpeza. Aquele óleo fedorento entrara no seu sangue. Era isso. Só podia ser isso. O cheiro vinha de dentro.  Isso explicava porque era impossível de lavar. E não era por falta de esforço: Elisabete perseguia obsessivamente a limpeza. Sua pele aberta em vergões vermelhos era a prova viva do seu esforço. A purificação exigia muita penitência, ela sabia.

Era sempre à noite que os demônios a visitavam; sentavam-se confortavelmente no sofá da sala e a esperavam para dormir. Eram a sua companhia mais constante e mais fiel nesta vida. E não tinham pressa, os demônios. Demônios têm outra relação com o tempo. E não adiantava procrastinar, ela já tentara enganá-los. Mas uma hora era preciso dormir. Elisabete sentia-se observada pelas frestas da casa mal juntada por tábuas irregulares. Eram olhos que a invadiam. Olhos que penetravam o seu corpo de menina. Olhos que lhe roubavam algo. Algo de que sentiria falta para sempre. Seus banhos eram cada vez mais rápidos, já não lavava mais o cabelo; demorava demais. Um dia decidiu não tomar mais banho. Mas os olhos, aqueles olhos, a perseguiriam para sempre. Sua sina era também a vigilância. Sentada na cama, encharcada de suor, demora alguns segundos para perceber que não está na sua casa da infância. Rapidamente, percorre o quarto com os olhos para ter certeza de que não há frestas. De que não há olhos observando-a.  Inicia o seu ritual de respiração. Um. Dois. Três.

Por estar sempre em fuga e sempre vigilante, Elisabete sente não pertencer a lugar nenhum, não havia lugar seguro no mundo, nem relações seguras. Ela era uma retirante. Uma retirante em busca da terra prometida. Uma terra em que pudesse ter paz, em que pudesse descansar, em que pudesse dormir sem ter pesadelos. Essa terra seria tão longínqua que nem os demônios a encontrariam. Mas os demônios, ela sabia, e sabia com a certeza de quem é íntima deles, são muito espertos. Eles esperam, pacientemente, momentos não vigiados.

Não há fuga possível.  Mais uma vez, acorda com o seu próprio grito em horas incertas na madrugada. Estava sozinha com ele. Ele era tão grande, era o senhor da casa e de todos que ali viviam. Mandava todos os irmãos saírem. Que brincassem na rua! Era a hora da sua própria diversão, não queria interrupções. Ele a massageava com óleo de cânfora. Escutara uma conversa dela com a mãe, conversa privada de mãe e filha, em que reclamava que seus peitos doíam. Doíam porque começavam a crescer. Como feijões, começavam a saltar por debaixo das blusas. Elisabete odiava os seus peitos. Odiava o seu corpo em transformação. Odiava a si mesma. Se não tivesse um corpo, nada disso aconteceria.

Mais uma vez, respirava. Respirava e chorava. Mas, dessa vez, encontraria o seu lugar no mundo. Encontraria a paz. Quanto mais tragasse o ar, mais próxima chegava de um alívio absoluto. Dormiria para sempre, pensou, por fim, satisfeita com a solução. Não haveria mais fuga e nem vigilância. O caminho para a terra prometida abria-se, estava ao alcance das mãos. Estava dentro de uma caixa com tarja preta; bastaria um punhado de comprimidos. E então, o silêncio completo. A redenção exigia sacrifícios extremos, ela agora sabia.

Mariléia Sell é Professora Doutora dos Cursos de Letras e Comunicação da Unisinos


domingo, 9 de setembro de 2018


PLANETACHO

7 E 20
Neste sul do mundo onde tudo se grenaliza hoje é um dia especial. Hoje realmente se tem motivos para grenalizar. Afinal é um domingo de Gre-Nal com os dois clubes no alto da tabela.

Tudo isso em meio a um feriadão. Como já dizia o poeta Cazuza: exagerado. Tão exagerado que comemora em setembro a independência duas vezes. Feriado para agradar maratos e chimangos.

ILARI ILARI UÉ?
Xuxa declarou esta semana que pretende voltar a trabalhar com crianças. A notícia que a apresentadora colocou sua mansão à venda no Rio pode ser o claro sinal de que a rainha dos baixinhos anda mesmo em baixa.

FREEWAY VIROU FRIUEI
Quem utilizou a freeway no feriadão se deparou com lixo e buracos. Sem pedágio a estrada se transformou literalmente em um pedaço de mau caminho.

PRIMEIRAMENTE
Ao rebater as críticas em vídeo, Temer declara:”Eu não vou ser a Geni”. Na realidade, Michel Temer vive um final de governo tão melancólico que está mais para o homem invisível.

3 PERGUNTAS
Já na política nacional a grande surpresa é a notícia que apoiadores do Temer estão planejando lançá-lo candidato à Presidência da República. Eles teriam até o dia 17 de setembro para fazer isso. A pergunta que não quer calar é, se isso realmente acontecer, Meirelles aceitaria ir para o banco do Michel?

Depois de tanta chuva, a dúvida é: com quantos paus se faz uma canoa superfaturada?
O trecho do Hino Nacional que diz “conseguimos conquistar com braço forte” é uma premonição do retrocesso do Brasil?


sexta-feira, 7 de setembro de 2018


O LULA E A ONU
João Eichbaum
É isso que acontece, quando se reúnem, num mesmo grupo, doutores e analfabetos funcionais, cada um vergado sob o peso dos interesses próprios e dos de sua laia: uma colcha de retalhos, que recebe o apelido de Constituição.
Entre arroubos políticos e demagogia barata, essa coisa cheia de remendos, chamada Constituição, deixou o país de quatro, de calças arriadas, disponível para sucumbir aos encantos dos tratados internacionais, que desprezam idiossincrasias.
Foi aí que o Lula encontrou furo para buscar fora das fronteiras do país a candidatura dele, preso, condenado por duas instâncias e sem direitos políticos, à presidência da república.
Contratou um advogado britânico, que foi bater às portas da ONU, brandindo o argumento de que o Brasil é um “Estado-parte” daquela instituição. Através de medida liminar, dois dos dezoito burocratas do Comitê dos Direitos Humanos expediram solicitação para o pronto restabelecimento de todos os direitos políticos do Lula, “até que os pedidos de revisão de sua condenação tenham sido apreciados em um processo judicial justo e que a condenação se torne final”. Aos burocratas pouco se lhes dá se o candidato tem alguns resquícios de virtude e sabedoria, que o tornem capaz de traçar os destinos de um povo.
Relator do processo no TSE, o ministro Roberto Barroso desconheceu a “solicitação” liminar do Comitê da ONU, sob o argumento de que o procedimento deve ser chancelado por decreto do presidente da república, para ter validade jurídica no país. Com a tese de que o Estado-parte se obriga a cumprir os tratados, Edson Fachin ficou isolado: tudo consequência de uma colcha de retalhos chamada Constituição.
Ora, ora. Direito pressupõe bom senso. Imagine-se que, deferida a candidatura do Lula, vencida por ele a eleição, seja ele empossado como presidente. Ao cabo de tudo isso, em decisão final, o Supremo confirma a sentença de cassação dos direitos políticos do ex-torneiro mecânico. Ou, os demais membros do Comitê da ONU resolvem dar o dito por não dito...
Imagine-se a confusão, o custo da comédia. É nisso que dá juntar-se a coisas sem serventia como a ONU e entregar-se a tratados internacionais que tenham força de lei interna, como está previsto no § 2º do art. 5º da Constituição Federal.



terça-feira, 4 de setembro de 2018


CONTINUAM JOGANDO PEDRAS NA GENI
Mariléia Sell

Geni esteve na minha sala esta semana. Não a Geni da canção de Chico Buarque. Era outra Geni, mas era também uma Geni feita pra apanhar. Tinha uma queixa a fazer, Geni. Seu menino, o caçula, estava sofrendo bullying na escola. A turma o chamava de gordo, saco de areia e fedorento. “Gordinho ele até é, mas fedorento, não”, garantiu, com orgulho ferido de mãe. “Meu filho tem problemas na cabeça”, explicou.  “Mas ele já aprendeu a ler e a escrever e desenha muito bem. Queria que tu visse a bicicleta que ele desenha, tem até os ferrinhos da roda”, conta, satisfeitíssima, sorrindo com todos os dentes da boca.  “Eu queria que ele estudasse um pouco mais”, sonha.

O empenho de Geni era comovente. E não era sem motivos. Além do caçula, tinha mais duas filhas, todos com galactosemia, uma doença hereditária que pode provocar, entre muitas coisas, atraso neurológico severo. A filha de 30 anos fora condenada à cama e nunca pudera ir à escola. A do meio, de 19 anos, até tentou, mas não deu certo. Tudo o que aprendeu em cinco anos de bancos escolares foi rabiscar algumas letras do seu nome. “Sofria muito bullying”, lamentou Geni. “Faziam ela de cavalo e montavam nela, jogavam pedras e cuspiam nela”. Definitivamente, o mundo letrado era negado para as filhas de Geni. Bem negado. Duas vezes negado. Além de não aprenderem a decifrar as letras, agora também não as podiam enxergar mais; estavam ficando cegas.

Mas Geni não era mulher de se entregar assim, teimosamente agarrava-se na esperança de que o caçula teria algum futuro. Afinal, ele conseguira alcançar o eldorado das letras. Inflada de esperanças, Geni assumiu o dever de investir na vida escolar do filho. Tinha até outras coisas importantes para fazer naquele dia: “eu tinha que ir a Porto Alegre buscar um leite especial”. Tinha também a questão das fraldas para a filha mais velha. Um político muito bem-intencionado a procurara para dizer que podia requerer o benefício do governo. Mesmo com tantas demandas em sua agenda, priorizara a escola do filho, antes que ele resolvesse desistir. Estímulo para desistir não faltava. A filha do meio o incentivava enfaticamente a largar a escola. “Ninguém presta”, repetia, como mantra, para todos que quisessem ouvir, e também para os que não quisessem, do alto de seu conhecimento epistêmico sobre escolas. Ela, a filha do meio, estava sem tratamento psicológico há mais de ano e o seu estado de saúde piorava visivelmente: “ela passa o dia sentada num canto”.  “Foram cortes nas verbas da saúde”, explicou Geni, com olhos vazios.

Já profundamente comovida com o calvário dessa mãe, pergunto se ela tem algum tipo de apoio. Além de não ter, eu descobriria que a desgraça é caprichosa nos seus excessos. O marido estava sem andar porque sofrera um AVC. “Sou eu pra tudo”, suspirou. Quem poderia ajudá-la eram seus outros dois filhos “normais”, que até então Geni não havia mencionado na sua narrativa. Mas estavam “perdidos nas drogas”, não contavam. Viviam na rua. “Aparecem para comer de vez em quando e aí levam tudo o que podem carregar”, disse, com os olhos perturbadoramente azuis cravados em mim.

De repente, silenciamos, exaustas daquela catarse. Fixo o meu olhar em uma mancha de mofo na parede, enquanto tento achar algo razoável para dizer a Geni. Antes de conseguir juntar duas letras no meu cérebro, ela se adianta e diz, com a resignação de quem já se reconciliou com a vida, “Deus não dá uma cruz maior do que a gente possa carregar, não é, minha filha”?

Mariléia Sell é Professora Doutora dos Cursos de Letras e Comunicação da Unisinos


domingo, 2 de setembro de 2018


PLANETACHO

FALA MUITO
As entrevistas com os presidenciáveis na Globo esta semana comprovam que William Bonner calado é uma Patrícia Poeta.

DE VOLTA
Depois de se eleger com o slogan “vote em Tiririca que pior que está não fica”, o deputado palhaço volta a concorrer com uma nova frase de campanha: “Enganei você”.

CARONA
Em 2019 a Rússia vai parar de levar americanos ao espaço. Por atrito entre os países o contrato será encerrado. Alguém ligou da Nasa chamando um Uber?

NA TV
Assistindo ao horário eleitoral gratuito, só nos conforta é o Brasil não ter terremotos e nem vulcões. E precisa?

A SENHA
Esta ideia de Temer de distribuir senhas acabou gerando certas dúvidas. É para entrar ou sair do Brasil?

ENTÃO
Com Moro e Mourão já estão falando em demitir o Tite e contratar o Mourinho.

HERMANOS
O presidente da Argentina no início do mandato era Magri mas com a crise no país já está mais para magrinho.

ZZZZZZZZZZZ
A grande quantidade de candidatos em visita à Expointer é proporcional ao número de discursos para boi dormir.