quarta-feira, 22 de setembro de 2010

ESSE CIRCO CHAMADO JUSTIÇA

OS DEUSES DE TOGA (IV)

João Eichbaum

O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal obriga seus ministros a usarem toga, nas sessões de julgamento.
A toga é uma espécie de camisolão unissex, preto, de cetim, que vai até os pés, com uma largura suficiente para caber em cima do terno, do terninho ou do vestido.
Suas Excelências usam dois tipos de toga: a simples e a de gala. A simples é amarrada por trás, como um avental. A de gala tem que ser enfiada pela cabeça, mostra uns babados na frente, e ainda é adornada por uma faixa de seda, que vai por cima da pança dos ministros e ministras.
E vocês acham que eles vestem as togas sem auxílio de ninguém?
Nada disso, meus caros. Deuses são deuses e eles nunca dispensam os “servos”. Os deuses existem exatamente para que haja “servos” a servi-los. Senão, não tinha graça ser deus, ou Deus. Deus nenhum vive sem platéia, sem bajulação, sem capachos e sem orgasmos múltiplos (o deus judaico-cristão, por exemplo, teve seis orgasmos durante a criação, “viu que era bom” diz o Gênesis)
Pois lá no Supremo Tribunal Federal alguns “servos” têm a função específica de cuidar das togas e preparar a cerimônia de vestidura dos ministros. São os chamados “capinhas”. Eles também têm que usar uma capa preta, que lhes vai até o peito: não é comprida como a dos ministros, para evitar confusões.
Antes da sessão, os “capinhas” tiram as togas dos armários e, no salão branco, contíguo ao salão do plenário, as estendem sobre uma vistosa mesa de jacarandá. Quando chegam os ministros, os “capinhas” os vestem, dobrando-se à alegria de estarem empregados no serviço público, mesmo que sua tarefa seja abominavelmente servil, como se fossem feitos de matéria de qualidade inferior à dos ministros, como se não os igualassem as baixezas e as necessidades fisiológicas animais.
Não se sabe se é a resignação e a humildade dos “capinhas” que, não os deixando sair do rés do chão, inflam a vaidade dos ministros, ou se é a vaidade dos ministros que os mantém naquele nível situado pouco abaixo do rego apertadinho dos gauipecas. Porque já é aí, nesse cerimonial antes da sessão, que começam os orgasmos de suas excelências, os quais se multiplicam no plenário, quando lhes advém a certeza de que são deuses, graças às suas preclaras cabeças: dão a palavra final sobre o destino das criaturas.
De qualquer maneira, a subserviência é que marca o caráter dos “capinhas”: eles têm que fazer o que os ministros querem, ou seja, preservar-lhes os caprichos, servindo mais como capachos do que como “capinhas”.
O Gilmar Mendes, por exemplo, segundo noticia a revista Piauí, “não tem paciência para esperar a amarração”, por isso sai andando, e o “capinha”, como um cachorrinho fiel, vai atrás do andar arrogante de Sua Excelência, para lhe amarrar a toga.
A ministra Ellen Gracie, tida por muitos como inteligente e culta, proibiu seu “capinha” de estender a toga sobre a dita mesa de jacarandá porque, segundo sua invejável cultura jurídica, a mesa produz maus fluidos: é sobre ela que se estendem os cadáveres dos finados ministros, para serem velados, antes de serem enterrados com suas vaidades e eternamente esquecidos.
Esse é o serviço dos “capinhas”, funcionários públicos de carreira, pagos com o nosso dinheiro, até para a checagem final imposta pela vaidade das ministras Ellen Gracie e Carmen Lúcia: se a toga não está escondendo o glamouroso bico dos sapatos.
Bem, já que a crônica foi sobre a toga, vocês hão de perguntar: para que serve a toga?
Ora, ora, o camisolão aquele, que custa a bagatela de 370 reais, debitados na conta do contribuinte, serve apenas para impressionar, levando os demais primatas a pensar que os ministros do Supremo são diferentes.

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