quinta-feira, 4 de abril de 2013


NEM FUTEBOL

João Eichbaum

Depois do incêndio da boate Kiss, nem futebol houve mais em Santa Maria.
Quer tenham sido devorados repentinamente pelo zelo, quer estejam estremecidos  pelo medo de responder por homicídio doloso, improbidade, homicídio culposo,  “domínio do fato” e quejandos, os bombeiros e outros funcionários começaram uma varredura sem precedentes, em qualquer ambiente que reúna público.
O “stress” da mortandade coletiva é responsável por tudo isso. E todos esquecem que a morte de uma só pessoa dói muito mais para seus próximos do que centenas de mortes para pessoas que nem sequer conhecem as vítimas.
Entendam o que quero dizer. Refiro-me à segurança em geral. Refiro-me à mortandade que segue no trânsito, nos assaltos, e nas discórdias particulares. Refiro-me à insegurança que domina os cidadãos crumpridores dos deveres fiscais, que não dispõem de qualquer proteção. Refiro-me aos assassinatos cujos autores ou não foram encontrados ou foram poupados da execração pública nos salões da UFSM.
A proteção, que o Estado agora está procurando dar, se limita às mortes e desgraças coletivas, às tragédias que causam consternação e revoltas públicas, dão votos para alguns políticos, tiram votos de outros, desmistificam quem vende a imagem de “ótimo” governante e sai pelo Rio Grande afora, dando abraços nas vítimas ou em seus familiares, tentando fazer o povo sonhar acordado.
Esse “stress” pela segurança coletiva, em detrimento da segurança individual, tirou até o futebol de Santa Maria.
Tempos houve em que a programação mais emocionante da cidade, nos domingos de tarde, era o futebol. O grande clássico Rio-Nal mexia com todos. Nem mesmo as crianças, que acabavam indo para a “matinée” do cinema Imperial, escapavam da grande emoção dominical.
E o cenário era sempre o mesmo: o velho Eucaliptos. Pequeno, mas acolhedor, o estádio do glorioso ferrinho se tornava menor ainda, com o grande número de aficcionados - como dizia A Razão naquele tempo - que lá se aglomerava, para viver as grandes emoções do espetáculo. Esse, não poucas, vezes incluía luta livre, com uma variada distribuição de pontapés e bofetadas, seguidos de muitos “deixa disso” e correrias.
Mas, valia o Rio-Nal. Era o assunto que dominava no Café Guarany, na confeitaria Segala, nos grupinhos que se formavam na primeira quadra, durante a semana.
Os tempos eram outros. Não havia boates. Não havia esses escurinhos cintilantes onde se reúnem moças à procura de namorados, ou  casais, buscando passatempo, em número muito maior do que a torcida do Riograndense.
Naquele tempo havia a “zona”, da Riachuelo para baixo, onde pontificava o Balalaika, cheio de portas e janelas,  que não precisava de “alvará”, onde se dançava bolero e onde nunca o fogo chegou.
Mas, hoje, tudo mudou. O medo dos funcionários os fez puxar as aldravas dos estádios e não permite que se possa assistir a uma partida de futebol na cidade.
Boate, então, nem pensar. Lugar de diversão para os santamarienses agora é só a cama.



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