DE ROUPA ÍNTIMA, PREGANDO MORAL
João Eichbaum
“Verba movent, exempla trahunt”, já se dizia na
corrupta Roma dos Césares. Aqui também não se faz diferente: as palavras
comovem, mas os exemplos arrastam. Puxado pelo exemplo do “bolsa-família”, o
Supremo Tribunal Federal criou a “bolsa-consorte”. Uma Resolução daquela Corte
mete a mão no dinheiro público para bancar os encantos das viagens que fazem
pelo mundo os togados e suas respectivas companhias. E tudo isso com uma
distinção, para poupá-los do vexame da categoria econômica: com bilhetes de
primeira classe.
Manda o artigo 37 da Constituição Federal que todos os
Poderes de Estado obedeçam aos princípios da legalidade, da impessoalidade e da
moralidade.
A única lei que elenca os direitos dos magistrados é a
Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Mas essa lei não autoriza magistrado
algum a viajar para o exterior às custas do erário. O trabalho dos juízes se
circunscreve ao território nacional. Quer dizer, o exercício das funções
jurisdicionais não passa dos limites das fronteiras do país. Fora do país, os
juízes deixam de ser juízes: não têm o que fazer lá fora.
“Resolução”, norma de caráter administrativo, não tem
força para criar direitos “erga omnes”. Só a lei tem esse poder.
Só tem direito a diárias e demais despesas pagas o
funcionário que, no exercício de suas funções, tiver que se ausentar de seu
local de trabalho. Mas, enquanto isso, sua mulher fica em casa, fazendo faxina,
cuidando das crianças, trocando fraldas, cozinhando, porque não conhece essa
vaca magnífica, de ubres fartos, que fornece leite e mel para privilegiados.
Mas, além de não obedecer ao princípio da legalidade,
a mencionada “Resolução” faz vistas grossas ao alicerce constitucional da
“impessoalidade”. O benefício do pagamento de bilhetes de primeira classe para
consortes de ministros é pessoal. É a pessoa que tira proveito disso. Ela tem a
viagem paga por que é casada ou amancebada, porque dorme com o ministro. Essa
condição individual é que lhe permite o privilégio. Ninguém se acasala com o
cargo. O conúbio se realiza entre pessoas.
Não é preciso dizer que a “Resolução” do Supremo, além
de ilegal, está encharcada de imoralidade. Primeira classe? Por que primeira classe?
Em que princípio de direito ou de moral
dos deuses e dos homens se assenta esse privilégio? O Olimpo acompanha os
ministros onde quer que eles andem?
A última
esperança dos brasileiros era a toga. Era a toga que bradava contra a
corrupção, contra a malversação do dinheiro público, contra os privilégios imorais.
Foi a toga que mandou mensaleiros para a cadeia,
porque teriam usado dinheiro público com fins políticos...
Havia um respeito ancestral pelos ministros, enquanto a
toga escondia a roupa que eles usavam, durante suas rebuscadas diatribes contra
a imoralidade.
Agora sabemos: eles usam apenas as roupas íntimas. No STF de hoje, unissex, a
força do discurso contra a imoralidade não está só nas cuecas.
Um comentário:
Parece-me correta a argumentação. Se não há lei que autoriza, e resolução (em causa própria) não é lei, a despesa não pode onerar os cofres públicos. Imagino que alguns casos poderiam nos fazer pensar um pouco mais: Se o presidente do STF for à Corte Internacional de Justiça proferir palestra representando o Tribunal brasileiro? Exemplos assim poderiam nos fazer pensar, analisar os fundamentos legais de autorização, se existem, mas restaria incólume, mesmo nesses casos, a sem-razão de os cofres públicos custearem as despesas de viagem dos familiares do ministro. Em qualquer caso, devem ser atendidos os principios constitucionais, referidos no artigo, inclusive a autorização legal. Seria assim também para representantes do Executivo e do Legislativo?
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