quarta-feira, 20 de novembro de 2013

A ROMARIA E O EVANGELHO

João Eichbaum

Jesus Cristo não misturava política com religião. Quando lhe pediram, maliciosamente, uma opinião sobre pagamento de tributos, ele saiu pela tangente, para não se complicar com o fisco. Pediu que lhe apresentassem uma moeda.  Com a moeda na mão, mostrou a lata do César e perguntou de quem era aquela cara.

- De César - responderam-lhe.

- Então - redarguiu o Cristo - Ἀπόδοτε οὖν τὰ Καίσαρος Καίσαρι καὶ τὰ τοῦ Θεοῦ τῷ Θεῷ.

Não, calma lá, o Cristo não disse palavrão. Isso não é onomatopeia de briga de bêbado. É grego castiço, o idioma do evangelho, que significa: “dai a César o que é do César e a Deus o que é de Deus.”

Quer dizer: Jesus Cristo não se metia com políticos e, pelo jeito, andava sempre duro, sem um vintém no bolso. Se precisava de dinheiro, pescava e sacava a grana da boca do peixe.

Claro, esse truque e outros, como o de multiplicar  pães e  peixes, o de ressuscitar três dias depois de dar uma espiadinha no inferno, o de fazer vinho de água, etc, ele não ensinou pra ninguém. Nem pra a mãe. Se o soubesse, teria ela própria transformado a água no vinho aquele, que não era para fazer sagu mas para alegrar os bebuns  dum casório em Caná.

Mas, voltando ao que dizia nessas mal traçadas linhas, Jesus Cristo não ligava para dinheiro e, muito menos, para políticos. Bem ao contrário dos cristãos, que cobram o dízimo e vivem puxando o saco dos políticos, quando não se transformam nos próprios.

Outra coisa, Jesus Cristo não estava nem aí para sua segurança. Andava no meio do povo, defendia prostitutas, xingava as autoridades, chamava os fariseus de “sepulcros caiados”, mas nunca necessitou de segurança, de carro blindado, de faixa especial, e jamais deu carteiraço de “filho de Deus”.

Tal qual está fazendo o bondoso torcedor do San Lorenzo de Almagro, o Papa Francisco, que não quer saber de mordomias. Não anda com batedores, nem com guardas suíços no cangote, usa seu carro particular para visitas oficiais, como a que fez ao presidente da Itália. Só não anda montado num burrinho, como fez Jesus Cristo, porque sabe que iria atrapalhar ainda mais o sempre caótico trânsito de Roma, no qual ele não conseguiria dirigir.

Já em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, é diferente. Povo é uma coisa; autoridade, é outra. Políticos e hierarcas eclesiásticos têm que andar em faixa própria, guarnecida pela polícia militar. O povo, que vai à romaria da Medianeira para pagar promessas, anda de joelhos, de pés descalços, vestido de anjo, os olhos grudados na santinha, se vira como pode. Ele aceita tudo de Deus, da Virgem, do ex-candidato a papa, ou dos organizadores da romaria, se puder conseguir um emprego, melhorar a saúde, casar, curar o câncer ou pagar as contas no fim do mês.

Agora, vamos convir: andar em faixa própria, blindado por brigadianos, separado dos feios, sujos e malvados que se confundem com a massa informe do povão, não combina com "amar ao próximo como a si mesmo e a Deus sobre todas as coisas.” Vista a coisa por um prisma de valor, não é nada diferente dos políticos que, entre outros males, pagam mal os brigadianos, mas se servem deles para salvar a própria pele. E, assim protegidos, ainda ficam atirando beijinhos e abanos para o povo, que paga a conta, mas não tem segurança.





Nenhum comentário: