UM CONTRASTE ABISSAL
A humanidade está dividida em dois grandes
grupos: os imprescindíveis e os dispensáveis. Naturalmente, essa divisão
comporta inumeráveis subdivisões. Entre os dispensáveis, por exemplo, há os
indesejáveis.
No Legislativo do Brasil
hoje, a maioria tem seu umbigo como o centro do mundo. Legislam em causa
própria, presenteiam-se com benefícios imoralmente legais. Pouco se lhes dá o
povo, que serve apenas para apelidar de democracia a grande mamata que só
sustenta os poderosos. O Executivo só faz discursos e esbanja dinheiro público
nas viagens internacionais de luxo do casal Lula-Janja. O Judiciário, além dos
mesmos defeitos explícitos do Legislativo, agora está tomando para si as
funções dos outros Poderes. Mas unicamente através de ordens, emitidas por
ministros postados com poses de príncipes, dispondo de pajens só para lhes
ajustar a toga ou empurrar a cadeira.
O país está há várias
semanas com as florestas em fogo, devastando a fauna, a flora, e intoxicando o
povo. Mas só agora, por uma ordem não autorizada pela Constituição, um ministro
do STF determinou a tomada das providências, até então ignoradas por Lula e
pela cambada das FG, CC e dos altos salários.
Agora, em ritmo de
eleições, ofensas e agressões substituem argumentos. A animalidade se sobrepõe à
racionalidade. São os candidatos, ajeitando seus umbigos para mamarem deitados,
nas tetas do erário.
Mas, nem tudo está
perdido, porque temos pessoas imprescindíveis. Muita sorte teve, nesse sentido,
quem leu a crônica do doutor José J. Camargo, na ZH do dia 17. Colunista em
fins de semana, ele teve espaço extraordinário, para comemorar os 25 anos do
primeiro transplante de pulmão intervivos, por ele realizado.
É uma crônica pungente,
obra de quem sabe escrever. Um menino de
treze anos, atormentado por grave deficiência respiratória, tinha no
transplante sua única chance de sobrevivência. Para isso era indispensável a
extração parcial dos pulmões de seus pais. No dia do procedimento “relutei em
sair da cama, como se fosse possível adiar o medo que me aguardava lá fora”,
escreve Camargo.
Nem os deuses
resistiriam sem lágrimas à pungência da cena, na entrada do bloco cirúrgico: “o
menino ajoelhado na maca e gritando por falta de ar, a mãe chorando porque
filho chorava, e o pai tentando, sem conseguir, acalmar os dois”. E continua o
colunista: “foi só naquele momento que tive a exata
noção do tamanho da empreitada: íamos operar três pessoas da mesma família... e
então, perdida a chance de recuar, fomos em frente... Começada a operação, o
nível de concentração sobe, e a adrenalina do medo é substituída pela endorfina
que brota espontaneamente da pretensa certeza de que, calma lá, essa cirurgia
nós sabemos fazer”.
Na
peroração, segue uma confissão que poucos ousariam fazer: “sete horas depois,
aliviado e exausto, sentei-me no chão, um jeito pessoal de tratar o cansaço.
Quando o Felicetti, parceiro de todas as horas, sentou-se ao meu lado, choramos
abraçados”.
Aí
está a grandeza duma profissão, embutida na pequenez do homem, provando que,
por sorte, há criaturas imprescindíveis para a humanidade.
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