terça-feira, 22 de outubro de 2024

 

A FÉ NÃO REMOVE MONTANHAS, MAS MOVE MULTIDÕES

O homem criou a Internet à sua imagem e semelhança: somos uma rede, com chips próprios, denominados neurônios. Os quase 100 bilhões de neurônios, armazenados em nosso cérebro, se comunicam através de, aproximadamente, 100 trilhões de sinapses. As sinapses, etimologicamente formadas pelo prefixo “syn” (sigma, upsilonn, ni) do grego, que indica ligação, união, exercem a função de condutores das mensagens entre os neurônios, os impulsos nervosos.  Funcionam como roteadores, seja através de reações químicas, seja por estímulos elétricos, que movimentam fluxos de íons entre as células. É essa rede de neurônios, interligados por sinapses, a responsável por nossa consciência e nossos sentimentos. E nessa dinâmica neurobiológica está embutida a religiosidade, a crença, também chamada fé, de que não abre mão a maioria absoluta da humanidade.

Segundo pesquisas publicadas na Biological Psychiatry, o circuito cerebral que proporciona a manifestação da fé está localizado numa parte bastante primitiva do nosso cérebro. Donde se pode concluir que, antes de chegar ao estado atual de “homo sapiens”, no curso de sua evolução, o animal humano já tinha propensão para acreditar em algo que não conhecia, algo materialmente impalpável, criado por suas imaginações. Ou seja, antes mesmo de surgirem as “religiões”, que são instituições organizadas com vistas à regulamentação das crenças, o homem já reunia condições para aceitar doutrinas e produzir fantasias. Que o diga a riqueza da mitologia, fonte na qual algumas religiões se abeberaram.

Favorecida por essa matéria biológica, a religiosidade foi dominando o ser humano, sem muita dificuldade. Não é por outra razão que se acumulam multidões em Meca, na praça de São Pedro, em Fátima, em Lourdes e por aí afora. Não poucas vezes, a realidade da vida, a pesada soma dos acasos ou a impensada ousadia da criatura humana levam a tragédias, para as quais contribui, contraditoriamente, a fé. Não passa ano sem que se tenha notícias de pessoas que morrem a caminho de Meca. O calor escaldante da Arábia Saudita, com temperatura que pode chegar a mais de 50º à sombra, responde pelo excessivo número de mortes. Nesse ano, segundo a agência de notícias AFP, morreram pelo menos 922 pessoas.

No Brasil, volta e meia acontecem acidentes trágicos com ônibus transportando pessoas que se dirigem a eventos religiosos. Na semana passada, a caminho da romaria da “padroeira do Brasil”, pessoas morreram atropeladas na Via Dutra. No Santuário, onde se acumulavam cerca de 35 mil pessoas, o Arcebispo de Aparecida orou, nesse vernáculo parecido com o da Dilma: “ó Mãe, Mãe das flores, tornai o mundo um grande jardim, pela graça da ecologia, que és também a Mãe da Amazônia, e aqui estão os biomas esperando a própria terra a ser cuidada e respeitada”.

Sendo a fé um dispositivo cerebral primevo, nem todo “homo sapiens”, inspirado pela razão, a usa. É inexplicável a ineficácia dela na proteção aos devotos, como inexplicável é o motivo pelo qual a Senhora Aparecida esperaria a oração do arcebispo para, só então, começar a proteger a Amazônia...

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