quarta-feira, 9 de outubro de 2024

 

O SILÊNCIO É OURO

Antigamente a gente pensava que da boca de um juiz só poderiam sair palavras sábias, torneadas pela circunspecção e pelo recato. O cargo por ele exercido impunha respeito. E o primeiro a respeitar esse cargo era ele, o juiz. O magistrado se considerava a si mesmo o melhor homem para exercer o múnus jurisdicional. Por isso tinha que zelar pela sua imagem, que era a imagem da Justiça. Quer dizer, o juiz, como todo o ser humano, era dotado de um ego que o fazia gostar de si mesmo, mas essa relação não se esgotava nele.

O silêncio sempre foi o melhor exercício para desenvolver a sabedoria. O sábio ouve, recolhe as palavras de seu interlocutor, e medita. Desse modo vai enriquecendo as premissas com as quais poderá formar juízos de valor inteligentes.

Sim, é bom lembrar que a missão precípua dos juízes é a de emitir juízos de valor que interessam à sociedade, porque outra não é a finalidade da Justiça, senão tornar harmônica a convivência social. Dessa missão os juízes tinham consciência e se haviam com a reserva e o recato necessários, para não manifestar opiniões que os pudessem comprometer, na hora de dizer o Direito. Daí nasceu aquele velho ditado: o juiz só fala nos autos.

Mas, a fila da vida anda e vai mudando o mundo. O que era ontem, hoje já não é mais. A força dos egos é o que, muitas vezes, movimenta a engrenagem social. E aí, certos valores vão se deteriorando.

Hoje, no comportamento de vários juízes, o ministério jurisdicional tem se revelado menos como missão institucional do que como estrato social distinto, com vantagens e direitos que não alcançam ao comum das pessoas. Essa condição ceva o ego de alguns togados de tal forma, que os faz se sentirem acima dos demais seres humanos.

Em entrevista ao Valor Econômico na semana passada, o senhor Luiz Roberto Barroso, atual presidente do Supremo Tribunal Federal, abriu sua boca cheia de dentes, para dizer que “ a total recivilização do país” é o legado que ele pretende deixar para o seu sucessor.

Sim, senhores, temos aí um novo Messias. O senhor Barroso quer mudar o país, ao que parece, à sua imagem e semelhança.

“Recivilização”. Procurem essa palavra no dicionário. Não a encontrarão, porque a etimologia das palavras “civilizar” e “civilização” (do latim “civilitas”) constitui o núcleo de sua morfologia. A civilização é dinâmica, levada pelas mutações sociais. Mas, jamais pode voltar à estaca zero, para se recompor de outra forma.

O senhor Barroso não tem autoridade para mudar a raiz de conceitos pétreos, como o de “civilização”. A menos que ele tenha “incorporado” o espírito do seu guru, o curandeiro João de Deus, a quem ele atribui a qualidade de “extrair das pessoas o que de melhor elas têm”.

Exatamente, por tirado de mulheres indefesas o que de melhor elas tinham, o João de Deus foi parar na cadeia. Mas, ao que tudo indica, continua inspirando o senhor Barroso.

 

 

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