domingo, 9 de outubro de 2022

 O PODER DO CRIME

Alguém já disse - e com muita propriedade - que o crime não é organizado, mas o Estado é que é desorganizado. E a explicação para isso é de natureza antropológica. É o caráter da pessoa, seus dotes pessoais,  propensões e desejos que a levam a decidir sobre os rumos que tomará seu destino.

Nem todo o mundo é mentiroso. Nem todo mundo tem cara de pau, para prometer mundos e fundos, sabendo que nada pode fazer. Nem todo mundo consegue adquirir poder, através de apadrinhamento ou de cruzinhas em questionários sobre Direito. Pois o Estado é desorganizado por isso, porque na sua composição ingressa gente de todos os tipos e propensões, carregados por um ego que não abre mão dos seus desejos. Resultado: o Estado não é uma instituição abstrata, mas um ajuntamento de egos, cujas idiossincrasias repelem sua subsunção pelo cargo e pelas funções. Muitos até se julgam superiores ao cargo que ocupam.

Então, se os fatores da multiplicação são egos, o produto não pode ser senão uma desorganização chamada Estado.

O caráter e as propensões das pessoas que se tornam criminosos profissionais são os mesmos. O crime, em si, é o plasma social que os identifica. Por isso eles se tornam fortes, e muitas vezes superiores ao Estado. Esse, diluído em egos e propensões divididas, mostra suas faces contraditórias:  concede  direito de liberdade ao criminoso, negando, ao mesmo tempo,  à sua vítima, o direito à segurança.

Na semana passada foram divulgados artifícios usados pelo crime para enganar o Estado. Moradores de um condomínio em Canoas entregaram à polícia um áudio, no qual  um chefe de quadrilha, programando o afastamento de policiais militares por acusações de violência, exorta seus comparsas a se autolesionarem. Essa notícia levou a pensar que tais artifícios sejam usados na “audiência de custódia”, uma  pantomima processual criada “por recomendação” do Conselho Nacional de Justiça, mercê da qual criminosos são libertados.

Chamado a se pronunciar, o Tribunal de Justiça do RS se manifestou através do Presidente do Conselho de Comunicação. Para começar, o desembargador exaltou a “audiência de custódia” como “uma conquista da sociedade”. A seguir, confirmou, com espantosa naturalidade, o que já se esperava: nas 4. 836 audiências de custódia realizadas, foram mantidos presos 2.112, e soltos 2.724. Isso, em números estatísticos, representa maioria absoluta, demonstrando o percentual de 44% de prisões e 56% de solturas.

O desembargador não disse em nome de que sociedade ele falava. Não apresentou procuração. De boas, más e mornas sociedades, o país está cheio. Com toda certeza, não foi em nome da sociedade que banca os gordos salários, a que se atrelam penduricalhos com cifrão, para Judiciário. Essa sociedade, composta por cidadãos desarmados, quer se ver livre de criminosos, e não criminosos livres.~

Mas, enfim, num país que para contemplar políticos com subvenções bilionárias, se serve do suor, do trabalho e das privações dos pagadores de imposto, nada mais natural do que o poder do crime sobre o Estado, revelado em chocantes números.

           

terça-feira, 4 de outubro de 2022

 

BEZERROS DE OURO

Nenhuma livro desenha tão bem o povo como a bíblia. A descrição da fuga do Egito, em busca da terra prometida, onde vertia leite e mel, é perfeita. Ela mostra, numa resenha ideal, o que é o povo, principalmente quando a turba está reunida, quer físicamente, quer unida por objetivos comuns, cuja perseguição é regulamentada por limites de tempo e áreas físicas.

Na fuga para o Egito, descrita na bíblia sob o nome de Êxodo, se tratava de uma reunião física, um modelo perfeito para retratar esse animal da espécie humana. Para começar, para traçar os objetivos do movimento, claro, era necessário um líder, porque manada nenhuma sai em busca de alguma coisa sem alguém a quem deva seguir. E aí apareceu o primeiro líder de que se tem notícia na história da humanidade: Moisés.

E quem era Moisés? Segundo suas próprias palavras, para exibir sua identidade, se disse enviado por Javé, o deus judaico, que o havia encarregado dessa longa excursão da qual participaria o povo, para se livrar do regime de escravidão, a que estava submetido no Egito.

Mas, na verdade, Moisés não tinha folha corrida muito limpa. Moisés era um homicida. Homicida por legítima, ou supostamente legítima defesa de terceiro. Matara um egípcio, que estava infligindo maus tratos a um judeu. E a partir daí começou a dar sinais de liderança contra a escravidão dos judeus. Perante Javé, certamente, não passavam despercebidas essas condições indispensáveis para chefiar aquela aventura. E parece também que aquela divindade não ligava muito para esse negócio de ficha limpa.

O resto da história mostra como se comporta o povo, principalmente quando reunido em grupo. Nessas circunstâncias, as individualidades começam a despontar, mostrando as fraquezas, as exigências do ego, a voluptuosidade e, principalmente, a volubilidade, que o levou a substituir Javé por um bezerro de ouro.

Essa história serve para mostrar que, de lá para cá, o povo nunca mudou. Seu comportamento é o mesmo, suas reações são idênticas. E nessas características pontifica a volubilidade: volta e meia constrói bezerros de ouro, para os quais oferece sua submissão, sua idolatria. E quando aquele bezerro de ouro deixa de lhe cair no gosto, constrói outro, e quando esse outro não atende plenamente às exigências de sua animalidade, volta a buscar o primeiro. E assim vai levando a vida, trocando um bezerro por outro.

Essas mudanças têm causas diversas, porque os egos não são exatamente iguais. Não são medidos pelas mesmas réguas todos os desejos, todos os tipos de volúpia. Alguns são impelidos por afinidades de crenças ou de ideias, outros pela ambição, outros pelas simples necessidades animais, como as da barriga.

O retrato das eleições não produziu imagem diferente daquela que sempre mostrou o que é e como se comporta o povo: nunca se sabe o que realmente ele quer, tamanha e tão forte é sua volubilidade. É como figurante, nesse picadeiro da democracia, chamado “eleições”, que ele escolhe seus bezerros de ouro. Esses, tanto podem ser Lula, como Sérgio Moro.