terça-feira, 29 de agosto de 2023

 DONDE VIEMOS E PARA ONDE VAMOS?

Em magnífico artigo publicado no Estadão sob o título de “A Tirania da Mediocridade”, Rubens Barbosa critica a “mediocridade da classe política dirigente” da qual emana “despreparo, nepotismo, apadrinhamento” que, no seu dizer, constituem “formas disfarçadas de corrupção nas nomeações para o serviço público e para as filiações partidárias”. Para ele, o Brasil precisa sair em busca “de eficiência e de resultados com visão de futuro, com uma nova liderança política e uma burocracia mais competente”.

Dono de currículo invejável, o embaixador, e hoje consultor de negócios Rubens Barbosa está coberto de razão. O Brasil, longe de estar “deitado em berço esplêndido”, se comporta como um gigantesco transatlântico que navega, desde longo tempo, por mares encapelados, sem mãos de mestres no leme.

A bem da verdade: nunca, na história desse país, tivemos dirigentes que servissem de modelo como administradores da coisa pública ou distribuidores das graças alcançadas com o dinheiro dos contribuintes. Há muitos e muitos anos se houve falar de um “futuro do país”, que geração nenhuma enxergou, porque ele é sempre adiado pelos dirigentes do momento. O “despreparo”, o “nepotismo” e o “apadrinhamento”, atrelados à pura ambição pelo poder, são as linhas mestras da governança desse país. O povo não passa de importante peça decorativa, para que os poderosos encham a boca com a palavra “democracia”, com a finalidade de exaltar a política, atribuindo aos políticos o papel de salvadores da pátria. E, entra ano, sai ano, no palco da política a pantomima é a mesma: engrandecer a democracia, porque é em nome dela e por conta dela que os políticos enriquecem, num país pobre.

Nos dias atuais, mais do que nunca, a palavra “democracia” serve de senha para desmandos. Do “fundo partidário”, que outra coisa não é senão uma forma imoral, mas “legal”, de sustentar políticos no poder, às prisões desatreladas do “devido processo legal” para combater “atos antidemocráticos”, a “democracia” é enaltecida como saída única para enxergar a luz das estrelas que iluminam o caminho do bem do Brasil – como diria um poeta daqueles tempos em que foi composto o hino nacional.

Mas nós, o povo, nem sonhar podemos com a luz das estrelas. A única luz que nos sobra é a luz mortiça da mediocridade. Sim, da mediocridade, que dá luz ao “despreparo, ao nepotismo, ao apadrinhamento”, regras não previstas numa Constituição “democrática”, para colocar poderes nas mãos de pessoas que acabam se transformando em sumidades, sem qualquer esforço, inteligência ou capacidade.

Só a mediocridade ou a leviandade podem aproveitar o conceito jurídico de democracia para usar o povo como trem pagador de planos de saúde vitalícios para políticos e juízes da alta corte, como patrocinador de “verbas pessoais”, que sustentam o “despreparo” e o “apadrinhamento” em cargos de confiança de todos os Poderes, e como fonte segura, inesgotável, para pagar auxílio-creche, auxílio-transporte, auxílio-alimentação, auxílio-moradia e outros penduricalhos que privilegiam servidores públicos.

Enfim, como tudo na vida: viemos do nada e para o nada voltaremos, enquanto dependermos da mediocridade.

terça-feira, 22 de agosto de 2023

 

PESANDO MACONHA

 

A Defensoria Pública ingressou no Supremo Tribunal Federal com ação direta de inconstitucionalidade, questionando o artigo 28 da Lei nº 11.343/2006. De acordo com o referido artigo, “quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo próprio, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, será submetido às seguintes penas: I – advertência sobre os efeitos de drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

 

A tese da Defensoria Pública se sustenta na afirmação de que esse dispositivo viola a intimidade e se intromete na vida privada do consumidor da droga, cujo uso, em tal caso, não compromete a saúde pública.

 

A indigência de tais premissas causa surpresa para quem, dominando o vernáculo, tem intimidade com a hermenêutica jurídica. O núcleo do tipo penal descrito no “caput” do artigo 28 da Lei 11.343/06 não está na expressão “para uso próprio”. O conteúdo ontológico de todo e qualquer tipo penal sempre está na ação praticada, que só pode ser definida pelo verbo. No caso, os verbos que definem essa conduta penal são: adquirir, guardar, transportar e ter (em depósito ou consigo) drogas, violando normas legais.

 

O “uso próprio” é apenas uma circunstância pessoal, que serve para atenuar a pena. A expressão está fora do lugar, denunciando erro primário de técnica legislativa. O crime existe, independente das condições pessoais. Essas só prevalecerão, para os fins de “individualização” da pena. E se o crime existe independente das condições pessoais, só a heresia jurídica enxerga no dispositivo penal uma violação da “intimidade” e da “vida privada” do agente.

 

O STF até agora reconheceu a constitucionalidade do mencionado artigo. E devia ter ficado só nisso, para não posar na vitrine dos vexames. Mas, alguns ministros se puseram a cavar inconstitucionalidades nas circunstâncias que podem abrandar a pena, ignorando, com impávida majestade, a competência do Poder Legislativo. Um deles, sugeriu peso de 25 gramas, como padrão para definir “pequena quantidade”. Outro foi mais longe: 60 gramas. Pior foi um terceiro, que traiu o próprio desconhecimento da Lei: aventou a extensão da aplicação da lei aos usuários de outras drogas, circunstância já expressamente prevista no § 1º do art. 28.  

 

A nenhum ministro acudiu a evidência de que juízos de valor não se armam com pesos e medidas, mas com lógica. Para tanto, a Lei 11.343/06 fornece, no §2º do art. 28, os elementos constitutivos do silogismo jurídico: “natureza e quantidade da substância apreendida, condições em que se desenvolveu a ação, condições sociais e pessoais, conduta e antecedentes do agente”.

 

Aí está o que os ministros até agora não enxergaram na Lei. Ousaram sugestões de quem não a conhece. E, como se nada houvesse pior que isso, ainda usurparam a competência do Poder Legislativo: em se tratando de lei penal, qualquer acréscimo ou supressão implica modificação da tipicidade. A balança é apenas um símbolo conhecidíssimo da Justiça e não um instrumento de que deva se servir o juiz para pesar drogas.

 

 


terça-feira, 8 de agosto de 2023

 

SUPREMO NÃO É SINÔNIMO DE EXCELENTE

 

Há certos órgãos da imprensa que procuram lançar o máximo possível de luzes sobre determinados cargos e Excelências que os ocupam, como se os cargos fossem dotados de força para emprestar a melhor qualidade para quem os exerce.  Por exemplo, mereceu destaque de capa, em alguns jornais, a posse de Cristiano Zanin como ministro do chamado Supremo Tribunal Federal.

 

Esses jornais certamente partem dos sinônimos do adjetivo “supremo” e são dominados pela ideia de que se trata de um tribunal diferenciado por ser “sumo, alto, altíssimo, celeste, divino, absoluto, completo, perfeito”, mais atrelado ao sublime do que ao banal.

 

Claro, todos os tribunais compostos por juízes sóbrios, sábios, circunspectos, cientes de seus limites e de seus deveres, deveriam inspirar respeito. Nesses tribunais não deveria haver lugar para juízes que se jactam de derrotar adversários políticos, têm a personalidade maltratada pela mistura do “mal com o atraso”, banqueteiam com quem tem litígios pendentes na Justiça, confundem ciência jurídica com ideologia política, se deixam dominar por simpatias ou antipatias, ou talham a si mesmos como senhores da última palavra.

 

Para quem domina a ciência jurídica e o vernáculo, o Supremo Tribunal Federal não tem essa dominação por ser composto por “excelências”, por senhores e senhoras diante de cujo nome o restante dos mortais se deva curvar sob o peso da humildade. Nada disso. O adjetivo “supremo”, que compõe a designação da referida Corte de Justiça, significa “último”. Ou seja, o Supremo Tribunal Federal, é última instância a que se pode recorrer. Apenas isso.

 

Do ponto de vista do vernáculo, a significação desse nome de Supremo Tribunal Federal é equivocada. O adjetivo “supremo”, jungido ao substantivo “tribunal” já qualificado pelo adjetivo “federal”, restringe as atividades da dita corte à área federal. Quer dizer: da maneira como é denominado, em português correto, o STF é a última instância dos tribunais federais e não a de todos os tribunais do país. Então, ele foi mal denominado porque, na verdade, a Constituição lhe confere jurisdição sobre litígios com origem em tribunais estaduais. Rigorosamente, ele deveria se chamar Supremo Tribunal Brasileiro, da mesma forma como se denomina a The American Supreme Court.

 

Partindo-se da competência que lhe é definida no art. 102 da Constituição Federal, o STF é o tribunal que deveria decidir, em última instância, somente as questões que envolvessem a incidência de normas constitucionais. Litígios que não impliquem violação de dispositivos constitucionais fugiriam de sua competência. Então, a lógica não lhe ditaria outro nome senão o de Tribunal Constitucional Brasileiro, a exemplo da inteligente designação alemã para sua Suprema Corte: Bundesverfassungsgericht.

 

Mas, infelizmente, o mau domínio do vernáculo, o mesmo defeito que lhe emprestou uma equivocada denominação, percorre todas as instâncias governamentais deste país por dificuldades com a hermenêutica jurídica, e acaba levando para o STF até a separação de marido e mulher, envolvendo contendas que retiram toda a sublimidade do julgamento, tipo assim: quem é que fica com o filho e quem é que fica com o cachorro...

 

 

            

 

sábado, 5 de agosto de 2023

 

O ARTIGO 37

 

Não vamos falar de automóveis que custam R$ 358.000,00, tipo Audi 4S Line, híbrido, potência de 203 cavalos, motorização mínima nominal 2.0, câmbio automático, com distância de 2.820mm, comprimento de 4.760mm, largura de 1.846mm, altura de 1.400mm, capacidade para cinco pessoas, quatro portas laterais, direção elétrica ou hidráulica. Cinco desses carrinhos, somando R$ 1.790.000,00 por conta dos contribuintes, eram objeto de desejo do Tribunal de Justiça do RS. Mas, uma ação popular, embora atrofiada pela ausência da direção do Tribunal no polo passivo, arrastou o negócio para a fila dos desejos adiados.

Vamos falar de coisas amenas, recordar o vernáculo, o significado de alguns vocábulos desconhecidos, embora tenham sido usados no artigo 37 da Constituição “cidadã” do finado Ulysses Guimarães. Quem domina o idioma português e por isso não tem dificuldades com a hermenêutica no Direito, às vezes fica pensando que os peixes engoliram também esses vocábulos. Moralidade e impessoalidade são palavras fora de uso na administração pública brasileira. Mal o doutor Ulysses morreu, essas palavras sumiram do vocabulário de muitos agentes públicos.

Em nome de uma coisa chamada “governabilidade”, os políticos preferem os versos de Francisco de Assis, “é dando que se recebe”, como se a política fosse suruba, ao invés das palavras que o finado escreveu no artigo 37 da Constituição cidadã: “a administração pública direta ou indireta de qualquer um dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...”.

Jair Bolsonaro até tentou fugir do imperativo dessa “governabilidade”, que não passa de um eufemismo para a “politicagem”. Mas não aguentou o tranco e se entregou ao velho vício. Já Lula, doutor que é  em “diálogos e acordos”, faz uso dele, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Para obter a maioria na aprovação de seus projetos, ele não mostra o mínimo acanhamento. De seu dicionário foi varrida a palavra “escrúpulo”, substituída pela expressão “toma lá e dá cá.” Então, em troca de votos, chovem verbas e cargos.

Mas, vamos aos vocábulos esquecidos, ou ignorados por aqueles que só sabem ler na superfície. A moralidade não comporta um conceito absoluto, que valha para o planeta inteiro, no tempo e no espaço. Mas, no que diz respeito à administração pública em sistema democrático, ela se desfaz dessa relatividade, por uma razão muito simples: quem lida com o dinheiro do povo têm a obrigação de fazer o melhor pelo povo.

A força da moralidade traz consigo a impessoalidade. Os servidores públicos exercem seus cargos a serviço das instituições, e não para tomar delas o que não podem dar para o povo, como, por exemplo, “segurança pessoal”. Toda a lei, decreto ou norma que beneficie a pessoa do servidor, do faxineiro ao presidente da República, é inconstitucional.

Mas, pouquíssimos são os que não se deixam deslumbrar pelo poder, pelo “status” de autoridade. Pouquíssimos são os que, atrelados ao art. 37, não posam de ricos, enquanto o tempo não chega para desfazer suas ilusões.