quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

 

A REESTRUTURAÇÃO DO RACISMO

O vocábulo “raça” provém etimologicamente de “radix, cis”, termo usado por Plínio e Cícero, no sentido de “tronco, origem, descendência, sangue”. Com a mesma significação, essa palavra se incorporou ao léxico italiano com o nome de “razza”. Mas, assim como em português, a designação de natureza étnica em latim é representada por outros vocábulos: stirps, pis; genus, eris; progenies, iei; gens, tis; semen, inis; origo, inis; suboles, is; sanguis, inis. De modo que, quem domina o latim, jamais passará atestado de ignorância, afirmando que a raça humana é uma só, que cientificamente não se pode expressar a origem étnica através do vocábulo “raça”.

Em realidade, o correto, do ponto de vista científico, é afirmar que, como animais, os homens pertencem à espécie humana. O vocábulo “espécie” tem uma conotação mais genérica do que, propriamente, “raça”. Soa mal dizer que há várias espécies humanas. Há, sim, várias raças.

Assim como têm várias raças as espécies bovina, canina, suína, etc., a humana também as tem. São as características genéticas, que lhes definem a estirpe, separando os animais em raças. E a espécie humana não escapa dessa regra.

A natureza, movida a química, evidentemente produz reações químicas. Assim como não há uma flor igual à outra, não há um homem igual ao outro. De uma roseira não floresce, naturalmente, um cravo. Um lírio não pode gerar uma rosa. Existem mutações genéticas em decorrência da evolução. E hoje também as existem, produzidas pela tecnologia. Mas a regra fundamental das leis da natureza está presa às características genéticas.

Então, existem, sim, raças humanas. Daí, o racismo, expressão criada na França (racisme). Na língua portuguesa não existia essa palavra, conforme se constata no “Novo Diccionario da Lingua Portugueza”, editado em 1836.

Na verdade, outra coisa não é o chamado “racismo”, hoje, senão puro preconceito. Mas, no início, no Brasil, não era assim. Era um racismo organizado, oficializado, entranhado nas estruturas social e estatal: racismo estruturado, e não “estrutural”, como dizem os analfabetos funcionais.

Esse racismo, mesmo depois da abolição da escravatura permaneceu, porque não era fácil arrancar, de uma hora para outra, as raízes de uma ideia fincada no âmbito nacional. Mas, paulatinamente, foi sofrendo mudanças com o surgimento das novas gerações e se transformando em preconceito, já que, teoricamente, havia esmaecido a ideia de inferioridade étnica.

Os descendentes de africanos foram se inserindo na sociedade, sem o incômodo da discriminação, impondo-se por seus próprios valores. Nunca na história do país, por exemplo, houve um branco com veneração igual à de Pelé. E a miscigenação, além de quebrar a desigualdade, contribuiu para o aperfeiçoamento étnico.

Mas o Estado resolveu interferir, montando oficialmente diferenças e reavivando as linhas divisórias de antigamente. Estabeleceu prerrogativas que não só pressupõem inferioridade étnica, como ainda atiçam a revolta dos injustiçados pelo tratamento desigual. E aos desvarios do Estado juntou-se o desespero da grande mídia em estado pré-falimentar, pois não é a normalidade, mas o conflito que vende notícia. Esse contubérnio agora tem tudo para reestruturar o racismo.

 

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

 

O ESTADO NU

Parecia um filme de farwest, transportado dos magníficos cenários de Holywood para os tempos modernos, com os cavalos substituídos por automóveis de luxo, e as carabinas, por fuzis de alta potência, metralhadoras e explosivos. Mas não faltaram, como naqueles antigos filmes de bandidos e mocinhos do oeste americano, os tiros para o alto, para mostrar valentia e impor medo, desafiando o xerife.

Então começaram as cenas de terror. Vidraças estraçalhadas, explosivos derrubando paredes, veículos pegando fogo, e um tiroteio nada festivo, perturbando sonos e insônias. Era o crime, de madrugada, na cidade de Criciúma, mostrando quem  tem mais poder.

Com seu esquema exemplarmente organizado, os assaltantes obstaram a reação da polícia, ou seja, deixaram o Estado nu, anulando a segurança da população, uma das funções em nome das quais ele assaca o contribuinte, ameaçando-o com cadeia, multa, despojamento de bens, etc.

Humildes trabalhadores que, para dar segurança à população, se entregavam à tarefa da sinalização horizontal de trânsito, foram tomados como reféns e usados como escudos. Então, com pleno domínio da situação, os bandidos saíram em comboio, festejando sua demonstração de poder, estratégia e organização, com música em tonitruantes decibéis. E, para escárnio geral, fazendo chover dinheiro pelas ruas da cidade.

Claro que o povo não iria deixar todo aquele dinheiro ali, dando sopa. Aplicou logo o antigo axioma, por ele mesmo criado: “o que é achado, não é roubado”. Só que a polícia não afinou por essa jurisprudência popular. Atônita, tomada pela surpresa do inusitado, sem condições de se impor sobre a estratégia da organização criminosa, saiu prendendo as pessoas indefesas que catavam dinheiro.

Vivemos num país ocupado por um povo majoritariamente pobre, por miseráveis que catam lixo, passam fome, vivem de migalhas; por milhões de desempregados, gente de baixo nível intelectual. O que esperar desse estrato social, dessa gente que nunca tinha visto tanto dinheiro na sua frente? Exigir deles moral europeia, que não se encontra nos políticos brasileiros?

 O Estado, no Brasil, outra coisa não representa senão um ajuntamento de engravatados, que enriquecem à custa do povo espoliado, e só querem aparecer. O assalto cinematográfico aconteceu, enquanto os engravatados estavam mais preocupados com a destituição do governador. Naquela hora, a polícia representava o braço fraco do Estado.

O crime mostrou para todo o país o que é organização. Ensinou às instituições o que é a estratégia inteligente, como se assume o domínio de qualquer situação. Mas o Estado não assimilou a lição. Não aprendeu que o núcleo da estratégia está no segredo. Prendeu alguns bandidos e divulgou tudo: onde, quando e quem, para mostrar serviço.

Da organização dos assaltos em Criciúma e Cametá, ninguém ficou sabendo, mas cada passo da investigação é propalado como feito heróico. O PCC, sem agradecer, toma providências para apagar não só as provas como quem falar demais. 

E o Estado-Juiz aguarda a “audiência de custódia”, criada pelo Estado-Legislador, para dar liberdade, em nome dos “direitos humanos”, ao bandido que apresentar lesões corporais. Para tal finalidade, até unha encravada serve.

 

 

 

 

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

 

O POVO E SEUS BEZERROS

Se existe um assunto fértil, inesgotável, bom de escrever, é sobre o povo. O povo sempre foi povão, desde priscas eras, quando o macaco humano, ao invés de sair da caverna só para roubar a mulher do próximo, começou a se enturmar, jogando conversa fora, para passar o tempo.

E justamente por se juntarem em torno de conversas fúteis, por não terem nada que fazer, por não terem contas a pagar, por não precisarem pagar imposto de renda, nem dar satisfações ao fisco, os homens foram criando essa figura informe, maleável, volúvel, chamada povo, que se deslumbra com o insignificante, e cai na conversa de quem é bom de gogó ou de estampa sedutora, com a maior facilidade.

A primeira mostra do que já era o povo, nos primórdios da chamada civilização, está no Livro do Êxodo, capítulo 32, versículos 1 a 5, como abaixo vem transcrito.

“Vendo o povo que Moisés não desceu logo da montanha, foi ter com Aarão e disse-lhe: ‘Olha, faz-nos ídolos, para que tenhamos deuses que nos guiem, pois não sabemos o que foi feito desse Moisés que nos tirou do Egito’. ‘Deem-me os vossos brincos de ouro’, respondeu-lhes Aarão. Assim fizeram todos; as mulheres e os seus filhos e filhas.  Aarão fundiu o ouro e moldou-o, dando-lhe a forma de um bezerro. E o povo exclamou: ‘Ó Israel, aqui tens os teus deuses que te fizeram sair do Egito’! Quando Aarão constatou o quanto o povo tinha ficado feliz com aquilo, construiu um altar defronte do bezerro e proclamou: ‘Amanhã haverá uma celebração dedicada ao Senhor’! Assim, logo de manhã cedo, levantaram-se e começaram a oferecer holocaustos e ofertas de paz, ao bezerro, o ídolo. Por fim, o povo descansou a comer e a beber, e levantou-se para se divertir”.

Sim, o tal de Aarão era bom de gogó. É de gente assim que o povo gosta e por isso os toma como “guias”.

De lá a esta parte, o povão sempre cultuou “bezerros de ouro”. O mundo mudou, evoluiu a civilização, veio a tecnologia trazendo o conforto, mudando comportamentos. Moldou-se o povão a tudo. Mas, atrelado aos limites de sua capacidade de raciocinar, nunca abriu mão de seus “bezerros de ouro”.

Hoje o macaco humano sai de casa para se enturmar no café, no bar, jogando conversa fora, enquanto lança olhares lascivos, de esguelha ou acintosos, para o traseiro das mulheres do próximo. Dos papos sobre política e futebol, com mulher nos entrementes, nascem ídolos que se transformam em “bezerros de ouro”. Depois, é só chegar em casa e ligar a televisão para confirmar a veneração de mais uma figura mitológica.

Na semana passada, o estupor da mídia internacional e os rasgos de paixão do povo pela morte do Maradona eram como se tivesse morrido quem não devesse morrer.  Assim é. A mídia, que é o Aarão de hoje, é levada pelo povo a criar bezerros de ouro, e depois custa a acreditar que eles não eram deuses.