terça-feira, 12 de março de 2024

 

        SEM O DEVIDO PROCESSO LEGAL

 

Consta que a operação chamada “Lava Jato” começou com a investigação de administradores de um posto de gasolina, por lavagem de dinheiro. Essa atividade criminosa emprestou nome à referida operação policial. Desse modo foi solenemente introduzido nas comunicações oficiais o analfabetismo funcional.

 

 O verbo “lavar” significa banhar alguma coisa em água ou em qualquer líquido. É, portanto, um verbo transitivo: exige objeto direto. Analisada a expressão “Lava Jato” do ponto de vista sintático, o substantivo “jato” é o objeto direto, exigido pelo verbo lavar. Acontece que, nos postos de gasolina, ou de lavagem, não se “lava jato”, mas, a jato. Essa locução adverbial de modo revela a maneira como são lavados os veículos: a jato, e não simplesmente com a água a escorrer da torneira.

 

Diz um velho ditado que “o que começa mal, bem não pode terminar”. E quem conhece o “devido processo penal” não pode fugir dessa conclusão, no que diga respeito à operação que os doutores Deltan Dallagnol e Sérgio Moro abraçaram. O processo criminal instaurado por conta dela, longe de ter a força de um jato, não passou de água escorrendo da torneira, fechada mais tarde pelo Luiz Fachin.

 

A lavagem de dinheiro num posto de gasolina levou a um doleiro, chamado Youssef. Esse, espremido sob ameaça de prisão, resolveu abrir o bico. Pesava sobre ele a responsabilidade de confessar sua participação nos delitos que implicavam lavagem de dinheiro e apontar os demais delinquentes. Em troca, ele teria direito aos benefícios da Lei 12850/2/08/2013, que criara a “delação premiada”, uma das muitas macaquices do legislador brasileiro.

 

 E o primeiro delatado foi Paulo Roberto Costa, diretor de Abastecimento da Petrobrás. Segundo Youssef, o Paulo Roberto era quem sabia como funcionava a distribuição de dinheiro desviado da Petrobrás, para beneficiar os partidos que apoiavam o governo petista.

 

Desde então, a “Lava Jato” teve em mira um objetivo: pegar o Lula. Com a pressão da “delação premiada” foram decretadas prisões preventivas “in aeternum”, até o preso abrir o bico. O “processo” era apenas aquele da “delação”, onde podem se confundir rancor e zelo, ficando em segundo plano o “devido processo legal”.

 

Poucos foram os juristas que levantaram a voz contra essa aberração. Mas, foi condenado o Lula, nesse processo, que deu meias voltas para chegar nele.

Usam-se hoje, métodos semelhantes para pegar o Jair Bolsonaro. O “devido processo legal” não passa de palavras inúteis empregadas pelo legislador constituinte. A suspeição se torna motivo para prisão preventiva. A simples presença num lugar onde supostamente tenha ocorrido delito, é suficiente para meter o sujeito na cadeia, seja por qual tempo for. Não há mais prazos para manter alguém preso. As prisões “in aeternum” continuam. E a eternidade se concretizou na morte de um “suspeito”.

 

O mau exemplo gramatical e processual deu cria. Entre a “Lava Jato” e a atual persecução penal, a diferença reside apenas nisso:  o Judiciário, para Lula, estava na primeira instância; para Bolsonaro, na última e única, sem ninguém para fechar a torneira.

 

domingo, 3 de março de 2024

 

            QUANDO O ROMPANTE É MAIOR DO QUE O HOMEM

Para chefiar o Poder Executivo de um país, em que o “poder emane do povo” e seja em nome do povo exercido, não é requisito essencial ser rico, intelectual, com cultura acima da média. Basta ter uma inteligência mínima, traduzida em bom senso, que permita à pessoa o reconhecimento de seus limites, um instrumento que lhe dê capacidade para superar os próprios defeitos.

Ao longo da história há exemplos de pessoas de origem humilde, mas dotadas de tenacidade, que lhes permitiu domar as dificuldades da pobreza e do estado social inferior.

Mas, pelo que se conhece da história, para a ascensão social dessas pessoas, com condições de liderança, a contribuição de peso veio daquele do qual emana o poder: o povo. Foram povos de cultura mediana apreciável, e num tempo em que não havia analfabetos funcionais, esse status que hoje mistifica a ignorância.

Esses, os analfabetos funcionais, sendo a maioria, podem eleger ignorantes, mas sedutores, com talento de encantadores de burro, astutos o suficiente para se adonarem do poder. E todo o ignorante, por assim sê-lo, não tem condições de reconhecer a própria ignorância. Então, se for eleito, ele se acha o melhor de todos, o mais capacitado e, com seu poder de sedução, vai arrebanhando cada vez mais ignorantes para o seu lado.

Só ignorantes? Não. Do poder de sedução desse líder se aproveitam aqueles que nunca teriam condições de liderança para assumir o poder. Eles não são ignorantes. Muitos têm curso superior, mestrado, doutorado, etc, mas são pessoas cujo comportamento desonra o cargo que ocupam. A todos, porém, o fascínio pelo poder embriaga e os faz perder a noção dos valores. Pouco lhes importa o que vai custar a realização de suas ambições.

“O povo tem o governo que merece” não é um ditado dogmático, que valha letra por letra, como se fosse uma sentença absoluta, insofismável, inapelável. Governos escolhidos por uma maioria esmagadora podem merecer o referido axioma, porque a minoria, vencida, é inexpressiva. Mas quando, em regime democrático, a diferença entre votos vencedores e vencidos é insignificante na proporção do eleitorado, não se poderá dizer que “o povo tem o governo que merece”.

No Brasil, numa eleição disputadíssima, foi eleito o sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva. Homem sem cultura, que se jacta de nunca ter lido um livro, Lula tem aquele poder de seduzir as pessoas despreparadas e as pessoas preparadas para tirar todo e qualquer proveito da política dominante. Por exemplo, quem não é socialista, socialista se torna, mas sem abdicar das benesses do capitalismo. Isso porque, socialista ou comunista, sem intimidade com os princípios rudimentares do capitalismo, Lula se diz socialista, mas vive como um rico capitalista. Assim como não permite que ele entenda o verdadeiro socialismo, sua indigência intelectual o impede de conhecer a ciência política e se comportar como estadista. Por ter arrogância maior que sua estatura intelectual, ele está marcado com o troféu humilhante de “persona non grata” em país estrangeiro.

 

 

domingo, 11 de fevereiro de 2024

 

O CONSOLO NESSE CALORÃO

 

A natureza dinâmica do universo, mercê de suas reações químicas, é que comanda a vida na terra e o comportamento de outros planetas. A terra, por exemplo, obedece ao movimento de translação, girando em torno do sol. O sol, por sua vez, cuja superfície é composta por um gás carregado de eletricidade e quente, o plasma, gira em torno de seu próprio eixo, num espaço de tempo correspondente a trinta e seis dias do calendário gregoriano. E milhares de planetas e asteroides giram em torno dele.

 

Nós, homens, como todos os outros animais, assim como o mundo vegetal, somos produtos desse dinamismo. Tudo isso trocado em miúdos significa que somos pura química. Ora, o que é dinâmico, movido a química, provoca reações naturalmente evolutivas.

 

A reação química mais exigida, por ser a mais prazerosa para o gênero animal, que é a corrida de espermatozoides em busca de óvulos, provocou essa bilionária população no planeta terra. Não será necessário dizer que, para viver mais e melhor do que os outros animais, o homem fez uso de todos os recursos que a natureza lhe proporcionava e, com isso, provocou algumas alterações químicas no planeta terrestre. Daí nasceu a conclusão de que tais alterações está atiçando o aquecimento solar.

 

A partir dessa conclusão, líderes políticos de todo mundo resolveram se reunir, de tempos em tempos, para tratar de limitações das atividades humanas supostamente nocivas, carregadas de força capaz de trazer o sol para mais perto da terra.

Tais reuniões, divulgadas como importantes acontecimentos para a sobrevivência da humanidade, como não podia deixar de ser, geraram fanatismo pelos quatro cantos desse planeta. Afinal, o que não falta entre os homens são aqueles com tendência para assimilar com facilidade qualquer lavagem cerebral.

 

Só que, nessas tais reuniões, quem se tem por autoridade são os políticos, e não pessoas altamente qualificadas, como historiadores, físicos, químicos, astrônomos, geógrafos. A mais recente delas foi patrocinada por pessoas que acumulam reinos e riquezas, levantando arranha-céus no deserto, escarafunchando terra e mar em busca do petróleo, que é utilizado nas principais atividades geradoras do anidrido carbônico. Esse, por sua vez, provoca chuva ácida, desequilibra o efeito estufa e polui e ar.

 

O Brasil, para ser bem representado nessa pantomima terrestre, esteve lá na pessoa do senhor Luiz Inácio Lula da Silva e da Marina, também da Silva. Imaginem, se cada país lá se fez representar por pessoas do nível cultural do Lula e da Marina. Sem contar a Janja.

 

Pelos noticiários, que só mencionam políticos e líderes de qualquer coisa, não se tem notícia de que teve preponderância a palavra de um cientista qualificado. Até porque, dificilmente se encontrará alguém cujo currículo científico compreenda todas as áreas exigidas para a análise das mudanças climáticas no planeta terra.

 

O homem não tem potencial para dominar todos os caprichos da natureza. Ela, a natureza, muda, porque segue o ciclo dinâmico do universo.

 

Então, nesse calorão, que nos console o chope, com aquela cor de loira amorenada pelo sol...

 

 

 

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

 

UM PODER ACIMA DE TUDO ?

O senhor Alberto Delgado Neto, que assumiu a Presidência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, falou e disse. Disse justamente aquilo que o povo, pagador dos altos salários do funcionalismo, não queria ouvir. Falou com má inspiração política e sem a retórica parcimoniosa que se supõe seja um apanágio da magistratura. Quase simultaneamente, a transparência internacional publicava sua avaliação de desconfiança na independência da Justiça brasileira.

Segundo Zero Hora, “o desembargador reforçou o papel do Judiciário no atual contexto político, o papel “contramajoritário” que muitas vezes é adotado pela Justiça e salientou a responsabilidade do poder de “resguardar o estado das coisas”.

Papel do Judiciário no atual contexto político? Por acaso o Judiciário é catecúmeno de algum catecismo político? Engana-se o povo, quando pensa que o papel fundamental do Judiciário é cumprir e fazer cumprir a Constituição?

Sim, o que o povo quer está na Constituição e não em papéis teatrais que servidores do Estado querem desempenhar, para impressionar, com suas performances, o público pagante. O que povo quer está na Constituição, porque essa foi escrita e promulgada por representantes legítimos do povo. Maus representantes, talvez. Talvez medíocres políticos, que vendem seus votos, quaisquer que eles sejam, trocando-os por cargos públicos ou verbas a serem torradas para satisfação de interesses pessoais. Mas, em se tratando de regime democrático, sejam eles o que forem, os políticos representam o povo, com suas múltiplas facetas e caracteres, que vão do santo ao criminoso.

 O poder emana do povo. Quem governa é o povo, através de seus representantes, pessoas que ele escolheu, levado por afinidade política ou por interesses próprios. E, se assim é, o povo não pode se tornar escabelo dos pés de quem detém o poder.

Não cabe ao Poder Judiciário “resguardar o estado das coisas”. Compete-lhe, sim, resguardar a Constituição, para que ela não seja rasgada por maus políticos ou maus juízes. Que outras “coisas” pretende o Poder Judiciário resguardar? Os privilégios? As mordomias? Os benefícios que desrespeitam o princípio da isonomia?

Choca, porque subverte conceitos axiológicos, a afirmação do desembargador, segundo o jornal, de que “a missão” do Poder Judiciário é a de “contrariar a todos, se necessário, para resguardar um direito individual, por vezes até de um cidadão”. O Poder Judiciário deveria, sim, lamentar, se alguma vez tivesse que sobrepor a vontade de um indivíduo a toda a sociedade. Não existe homem nenhum com direitos maiores do que os do seu grupo social. Na mais remota e inimaginável hipótese de haver conflito de direitos entre o indivíduo e a sociedade, compete ao Poder Judiciário a missão, essa sim, sublime missão, de harmonizar os interesses de um e de outro.

Palavras que lembrem conceitos de Justiça, Direito, Harmonia, Honra e Segurança não são mencionadas no jornal, para animar os cidadãos gaúchos com a certeza de que seus direitos fundamentais serão sempre resguardados pelo Poder Judiciário. Mas, o discurso mais parece uma peça que soaria muito bem nos ouvidos do senhor Barroso.

 

domingo, 28 de janeiro de 2024

 

A TEOLOGIA SEXUAL DO PAPA FRANCISCO

 

O tema do celibato clerical já serviu como matéria para muitas obras, grandes romances como O Seminarista, de Bernardo Guimarães, O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queirós, como sublime poesia em As Pupilas do Senhor Reitor, de Júlio Diniz, e como afronta à Inquisição em O Corcunda de Nôtre Dame, de Victor Hugo.

 

Em jornais, a matéria muito se destacou nas páginas policiais. Nessa área, há um caso real, que rendeu trabalho de conclusão em Faculdade, transformado em livro, por obra de Luiz Vescio. “O Crime do Padre Sorio” ficou nos arquivos da história do Rio Grande do Sul como uma frustrada investigação policial.

 

O padre Sorio, vigário de Silveira Martins, então distrito de Santa Maria, combatia acerbamente a maçonaria, que possuía um núcleo muito forte naquela localidade. Um dia ele foi encontrado deitado, gemendo sobre uma poça de sangue, à margem de uma estrada do interior daquele distrito. Tinha sido capado. O sangue escorria de seu saco escrotal destroçado. Havendo ele se negado a denunciar seus agressores, o caso deu razão a conjecturas. A primeira suspeita recaiu sobre os maçons, que a recusaram, veementemente. Então sobrou uma versão, bastante apimentada: ele teria abusado sexualmente de uma jovem, filha de agricultores, e a engravidara. Mas, o padre morreu, poucos dias depois de ferido, levando consigo, para a eternidade, o segredo.

 

Claro, o destroço das partes pudendas do padre emprestava maior subsistência à versão de abuso, sustentando a suspeita de que a vingança teria sido obra dos irmãos da moça violada, para que o sacerdote jamais tornasse a repetir o feito. Coagida perante a família, a moça teria apontado o padre como autor. Essa versão preponderou em narrativas que atravessaram gerações.

 

Passados esses acontecimentos, durante muito tempo o tema da sexualidade clerical ficou à margem dos assuntos principais. De vez em quando, trazida por diz-que-diz, corria a notícia de que esse ou aquele padre havia “apostatado”, largando a batina para pegar mulher. Até que começaram a estourar, mundo afora, casos de pedofilia atribuídos a padres. Muitos desses casos foram parar nos tribunais e a Igreja teve que abrir seus cofres para pagar indenizações às vítimas.

 

Atualmente a melhor obra nesse assunto é a do sociólogo italiano Marco Marzano. Após exaustiva pesquisa, inquirindo ex-padres, padres ainda no exercício sacerdotal e mulheres envolvidas sexualmente com padres, ele publicou “A Casta dos Castos”. Segundo Marzano, a Igreja jamais abolirá o celibato, usado para inculcar nos fiéis a ideia de que padres são “homens superiores, privilegiados por uma graça divina que lhes garante a abstinência sexual”.

 

Em recente pronunciamento disse o Papa que “o prazer sexual é uma dádiva de Deus”. Assim, excluiu os padres dessa dádiva, mas deixou sem explicação os escândalos sexuais na Igreja...

 

Ninguém escapa às exigências da natureza, salvo casos de hipotireoidismo, que inibe a produção de hormônios. Mas para atender às urgências dos padres livres desse mal, conforme dados colhidos por Marzano, o que sempre esteve mais à mão foi o autoatendimento.

segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

 

CONTRADIÇÃO OFICIAL

 O senhor Artur Lemos, secretário da Casa Civil do atual governo do Estado, diante da perspectiva de fracasso do aumento do ICMS, desabafou: “a sociedade vai pagar a conta não só se aumentar ou mexer em benefício. Vai precarizar serviços, que não será o caminho, porque afetará quem precisa do Sistema Único de Saúde, quem precisa de educação e deixará exposta à insegurança quem sai na rua”.

A falta de dinheiro vai prejudicar a educação? Prejudicar o que já está prejudicado, entregue ao descalabro que uma administração herda da outra e vai deixando como está?  Poderá a educação ficar pior do que está, com escolas precárias e insuficiência de professores? O governo atual não é de agora, não é novo no Palácio Piratini: a situação da educação não lhe é desconhecida, porque o descalabro dela já vem de longa data. O governador Eduardo Leite teve tempo de sobra para sanar todos os defeitos que afetam o setor educacional. Mas, deixou todos os problemas do Estado do Rio Grande do Sul de lado, porque o atraía uma visão nacional sobre si mesmo, buscava maior espaço para o seu ego.

A falta de dinheiro “afetará quem precisa do Sistema Único de Saúde”? Será? Por acaso esse Sistema Único de Saúde funciona às mil maravilhas? Mantém médicos disponíveis em todas as especialidades? Não necessita de longas filas de espera, para uma consulta com médicos especialistas, para a realização de cirurgias? Tem hospitais com vagas sempre disponíveis para internações?

E a segurança? Que segurança o Estado nos dá? Segurança do tipo correr montado em pangaré manco e magro atrás de bandidos? Desde quando alguém pode sair de casa, absolutamente seguro, sossegadamente, neste Estado? Com que autoridade vem agora o secretário da Casa Civil invocar o aumento do ICMS, como fator de segurança dos cidadãos?

Não é preciso ser doutor para saber que a administração de qualquer instituição não depende só de dinheiro; ela requer, além desse, sobretudo, capacidade do administrador.

Na realidade, independentemente de qualquer teoria, a administração da coisa pública funciona assim: uma parcela dos cidadãos trabalha, empreende, constrói, e dessa maneira fornece meios, através das obrigações fiscais, para o Estado. A essa classe de cidadãos pertencem os que investem em comércio, indústria e em várias espécies de serviços. Assim, geram empregos, que proporcionam consumo sobre o qual recai imposto. Ao Estado então só incumbe administrar a arrecadação, de tal forma que a outra parcela de cidadãos, a dos que não trabalham ou desfrutam de poucos recursos para alimentar os cofres públicos, não se sinta diminuída, não se sinta menos cidadã e tenha, à custa dos cofres públicos, saúde, segurança e educação.

Mas, o senhor Eduardo Leite, ao mesmo tempo em que suprimia benefícios fiscais para atenuar efeitos deletérios nos serviços essenciais do Estado, graças ao furado aumento do ICMS, escorregava em estupefaciente contradição, anunciando a criação da “Agência Gaúcha de Atração de Investimento e Promoção Comercial”. Nome pomposo para um cabide de empregos: a tal agência não terá servidores concursados.

 

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

 

ESPELHO, ESPELHO MEU...

O Estado é uma instituição destinada a administrar, em proveito da população, o desembolso compulsório a que essa está obrigada. Não é uma mina de fruição de prazeres para amigos e correligionários. Nem é também um espelho, como o da madrasta da Branca de Neve, que nunca lhe deu a resposta desejada.

Cobrado pela imprensa e pelo empresariado sobre o projeto de aumento do ICMS, o governador Eduardo Leite deu essa explicação: “como sou jovem, daqui a 30 ou 40 anos não quero ser lembrado como a pessoa que fez o Estado perder R$110 bilhões”...

Estará só pensando nele?  Só o maltrata uma possível má lembrança daqui a 30 ou 40 anos? Não o preocupam os trabalhadores que serão demitidos?

 A ninguém assalta a dúvida diante dessa realidade: as empresas, tendo que suportar o aumento dos impostos, evidentemente vão diminuir suas despesas, e o primeiro custo a ser cortado será o do vínculo trabalhista. Os desempregados, por sua vez, sem dinheiro, não terão como adquirir mercadorias. E sem uma grande massa de consumidores, o comércio numa ponta e a indústria na outra deixarão de recolher os impostos de que necessita o Estado para, entre outros encargos, pagar os vencimentos dos funcionários. Sem seus vencimentos pagos em dia, os funcionários se somarão aos desempregados. Essa soma implicará, contraditoriamente, na diminuição de mais uma parcela de consumidores.

Esse será o custo para o Estado hoje, cobrado pelo ego do governador, que pretende legar uma bela figura para a história. Mas, ele já está ficando na história, como governante desse solo gaúcho, trazendo à lembrança, mais do que ninguém, as palavras que atravessaram os séculos desde o dia 16 de abril de 1655, ditas por Luís XIV, rei da França: L’État c’est moi”, o Estado sou eu.

Tal é a impressão que transborda das palavras do governador Eduardo Leite: o Estado passa por ele, antes de chegar aos cidadãos. O governador é quem lhe dá brilho, lhe apara as arestas, o deixa bonitinho, bem apessoado, impecavelmente apresentado. Com essa responsabilidade, o governador não pode permitir que seja transportada para a história sua imagem deformada, de um jeito que o deixou mal no retrato.

O eleitor, porém, tem outra visão. Para ele, o exercício dos poderes de Estado não deve servir a seus eventuais ocupantes como mirante, onde eles enxerguem indícios de glória e sucesso em qualquer tempo e lugar, no curso da história. A administração pública é fácil: basta que a gastança não seja maior do que a arrecadação. Os empresários empreendedores, se não forem despojados, propiciarão empregos, que redundarão em tributos para o Estado.

Mas parece que a ideia dominante, tanto na área federal, como na estadual, ao longo de toda a história, sempre foi outra: não importa que o consumo e o emprego decresçam, fiquem menores. O que importa é que a arrecadação seja maior. Faltou dinheiro, mete-se a mão no bolso do contribuinte, que paga as viagens, os passeios e o protagonismo dos governantes pelo mundo afora.