quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

 

O POVO E SEUS BEZERROS

Se existe um assunto fértil, inesgotável, bom de escrever, é sobre o povo. O povo sempre foi povão, desde priscas eras, quando o macaco humano, ao invés de sair da caverna só para roubar a mulher do próximo, começou a se enturmar, jogando conversa fora, para passar o tempo.

E justamente por se juntarem em torno de conversas fúteis, por não terem nada que fazer, por não terem contas a pagar, por não precisarem pagar imposto de renda, nem dar satisfações ao fisco, os homens foram criando essa figura informe, maleável, volúvel, chamada povo, que se deslumbra com o insignificante, e cai na conversa de quem é bom de gogó ou de estampa sedutora, com a maior facilidade.

A primeira mostra do que já era o povo, nos primórdios da chamada civilização, está no Livro do Êxodo, capítulo 32, versículos 1 a 5, como abaixo vem transcrito.

“Vendo o povo que Moisés não desceu logo da montanha, foi ter com Aarão e disse-lhe: ‘Olha, faz-nos ídolos, para que tenhamos deuses que nos guiem, pois não sabemos o que foi feito desse Moisés que nos tirou do Egito’. ‘Deem-me os vossos brincos de ouro’, respondeu-lhes Aarão. Assim fizeram todos; as mulheres e os seus filhos e filhas.  Aarão fundiu o ouro e moldou-o, dando-lhe a forma de um bezerro. E o povo exclamou: ‘Ó Israel, aqui tens os teus deuses que te fizeram sair do Egito’! Quando Aarão constatou o quanto o povo tinha ficado feliz com aquilo, construiu um altar defronte do bezerro e proclamou: ‘Amanhã haverá uma celebração dedicada ao Senhor’! Assim, logo de manhã cedo, levantaram-se e começaram a oferecer holocaustos e ofertas de paz, ao bezerro, o ídolo. Por fim, o povo descansou a comer e a beber, e levantou-se para se divertir”.

Sim, o tal de Aarão era bom de gogó. É de gente assim que o povo gosta e por isso os toma como “guias”.

De lá a esta parte, o povão sempre cultuou “bezerros de ouro”. O mundo mudou, evoluiu a civilização, veio a tecnologia trazendo o conforto, mudando comportamentos. Moldou-se o povão a tudo. Mas, atrelado aos limites de sua capacidade de raciocinar, nunca abriu mão de seus “bezerros de ouro”.

Hoje o macaco humano sai de casa para se enturmar no café, no bar, jogando conversa fora, enquanto lança olhares lascivos, de esguelha ou acintosos, para o traseiro das mulheres do próximo. Dos papos sobre política e futebol, com mulher nos entrementes, nascem ídolos que se transformam em “bezerros de ouro”. Depois, é só chegar em casa e ligar a televisão para confirmar a veneração de mais uma figura mitológica.

Na semana passada, o estupor da mídia internacional e os rasgos de paixão do povo pela morte do Maradona eram como se tivesse morrido quem não devesse morrer.  Assim é. A mídia, que é o Aarão de hoje, é levada pelo povo a criar bezerros de ouro, e depois custa a acreditar que eles não eram deuses.

 

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