O POVO E SEUS BEZERROS
Se existe um assunto fértil, inesgotável, bom de escrever, é sobre
o povo. O povo sempre foi povão, desde priscas eras, quando o macaco humano, ao
invés de sair da caverna só para roubar a mulher do próximo, começou a se
enturmar, jogando conversa fora, para passar o tempo.
E justamente por se juntarem em torno de conversas fúteis, por não
terem nada que fazer, por não terem contas a pagar, por não precisarem pagar
imposto de renda, nem dar satisfações ao fisco, os homens foram criando essa
figura informe, maleável, volúvel, chamada povo, que se deslumbra com o
insignificante, e cai na conversa de quem é bom de gogó ou de estampa sedutora,
com a maior facilidade.
A primeira mostra do que já era o povo, nos primórdios da chamada
civilização, está no Livro do Êxodo, capítulo 32, versículos 1 a 5, como abaixo
vem transcrito.
“Vendo o povo que Moisés não desceu logo
da montanha, foi ter com Aarão e disse-lhe: ‘Olha, faz-nos ídolos, para que
tenhamos deuses que nos guiem, pois não sabemos o que foi feito desse Moisés
que nos tirou do Egito’. ‘Deem-me os vossos brincos de
ouro’, respondeu-lhes Aarão. Assim fizeram todos; as mulheres e os seus
filhos e filhas. Aarão fundiu o ouro e moldou-o,
dando-lhe a forma de um bezerro. E o povo exclamou: ‘Ó Israel, aqui tens os
teus deuses que te fizeram sair do Egito’! Quando Aarão constatou o quanto o
povo tinha ficado feliz com aquilo, construiu um altar defronte do bezerro e
proclamou: ‘Amanhã haverá uma celebração dedicada ao Senhor’! Assim, logo de manhã cedo,
levantaram-se e começaram a oferecer holocaustos e ofertas de paz, ao bezerro,
o ídolo. Por fim, o povo descansou a comer e a beber, e levantou-se para se
divertir”.
Sim, o tal de Aarão era bom de gogó. É de
gente assim que o povo gosta e por isso os toma como “guias”.
De lá a esta parte, o povão sempre cultuou
“bezerros de ouro”. O mundo mudou, evoluiu a civilização, veio a tecnologia
trazendo o conforto, mudando comportamentos. Moldou-se o povão a tudo. Mas,
atrelado aos limites de sua capacidade de raciocinar, nunca abriu mão de seus
“bezerros de ouro”.
Hoje o macaco humano sai de casa para se
enturmar no café, no bar, jogando conversa fora, enquanto lança olhares
lascivos, de esguelha ou acintosos, para o traseiro das mulheres do próximo.
Dos papos sobre política e futebol, com mulher nos entrementes, nascem ídolos
que se transformam em “bezerros de ouro”. Depois, é só chegar em casa e ligar a
televisão para confirmar a veneração de mais uma figura mitológica.
Na semana passada, o estupor da mídia
internacional e os rasgos de paixão do povo pela morte do Maradona eram como se
tivesse morrido quem não devesse morrer.
Assim é. A mídia, que é o Aarão de hoje, é levada pelo povo a criar
bezerros de ouro, e depois custa a acreditar que eles não eram deuses.
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