O VERNÁCULO MALTRATADO PELO JUDICIÁRIO
Matéria assinada por Sandra Denardin, no jornal Zero Hora, exalta a iniciativa do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, editando “um guia de linguagem simples” destinado aos juízes. Segundo a jornalista, “o material, que está sendo distribuído para comarcas de todo o Estado do Rio Grande do Sul, traz uma série de orientações sobre como simplificar a linguagem utilizada tanto interna como externamente, a fim de facilitar a compreensão dos atos e das decisões e promover inclusão social, transparência e cidadania”.
Mas, além de servir como notícia, a matéria vem carregada de críticas. Para a jornalista, “o Poder Judiciário brasileiro, além de priorizar a linguagem técnica e rebuscada, mantém o uso de expressões em latim, em total dissonância com a realidade de seus jurisdicionados, os cidadãos brasileiros”. E a autora da matéria insta o Poder Judiciário a descer “do seu pedestal” e a “falar de igual para igual com o cidadão”.
Não é bem assim, porém. O que o Poder Judiciário menos usa é a linguagem técnica. Essa, a linguagem técnica é a da lei, a das expressões em termos estritamente jurídicos. A linguagem usada pelo Judiciário é o “dialeto juridiquês”, uma invencionice avessa a regras gramáticais básicas, como a sintaxe, e embebida em adjetivos e advérbios dos quais não se serve a lei, senão em casos estritamente necessários. E esse “dialeto juridiquês”, no qual se esbalda a jurisprudência, passa a léguas de distância da clareza e da concisão. Nele não há um espaço definido para o sujeito, o predicado e o complemento, que são a base da oração. Tais elementos da gramática somem no labirinto de prolixas e sonolentas lengalengas, que se instalam nos votos de desembargadores e ministros.
Para quem não domina perfeitamente o vernáculo, os termos rebuscados do “dialeto juridiquês” passam a falsa impressão de que se trata de linguagem jurídica. Mas, assim não é. Marcada pela propriedade, a linguagem do Direito não é labiríntica, tortuosa, hieroglífica.
Não deixa de ter razão a jornalista, quando critica o uso do latim. E isso, por uma razão muito simples: o emprego do latim por quem não domina o idioma de Cícero, não passa de linguajar de papagaio. É só repetição de quem ouviu aqueles sons, mas não sabe o que diz. O latim foi excluído do currículo escolar brasileiro há quase setenta anos. Juízes, desembargadores e ministros brasileiros, em sua maioria, nem era nascidos, quando a supressão do latim deu início à derrocada na arte de saber ler e escrever. Nenhum daqueles que militam na área jurídica do serviço público de hoje saberia conceituar o “ablativo absoluto”, ou apontar o sujeito, numa frase latina, identificando a declinação a que ele pertence, com o respectivo genitivo. E muito menos saberia conjugar o predicado.
Assim que, ao utilizarem o latim, os magistrados de hoje – não os de quarenta anos atrás – estão “em total dissonância” não só “com a realidade de seus jurisdicionados”, como diz a jornalista, mas também, com seu próprio saber.