terça-feira, 14 de maio de 2024

 

CATÁSTROFE PEDAGÓGICA?

Em seus textos, dois colunistas da Zero Hora resolveram qualificar o comportamento do homem, passada que seja essa desgraça que assolou o Rio Grande. Não se sabe se o fizeram como profetas enviados por alguma dessas divindades inventadas pelo homem, ou se foi falta de melhor inspiração para ornar suas colunas com algum pensamento que surtisse efeito agradável.

Para um deles, “sairemos maiores”. Para o outro, “sairemos melhores”. São dois adjetivos distintos, não são sinônimos, mas foram empregados no mesmo sentido: que os homens assimilarão a massacrante lição das águas e se tornarão criaturas mais virtuosas, mais valiosas, ou menos animalescas.

No decorrer desses tempos catastróficos nos deparamos, isso sim, com o melhor e o pior das criaturas. Nenhuma lição nova sobre os homens dessas plagas gaúchas proveio da gigantesca enchente. Vimos criaturas que mostraram desprendimento, coragem, e amor ao próximo. Mas os comportamentos foram ditados por motivos distintos.  

Em muitos  a nobreza da caridade cristã triunfou sobre o ego. Mas houve também quem viu, nessa ajuda ao próximo, a ocasião de sair do anonimato, para promover sua própria realização. Ou seja, uns por autêntico amor ao próximo; outros, pelo amor natural a si mesmo, que o ego de todo mundo exige.

Objetivamente, não houve diferença na eficácia dos atos de uns e de outros, porque todos tiveram em mira, na realidade, o bem das pessoas atingidas pelo violento fenômeno das águas. E isso é o que realmente importa: que, entre as criaturas humanas, sempre haja alguém disposto a dar o melhor de si, para quem está a braços com dificuldades de monta.

Na outra ponta, houve a amostra contrária: a do criminoso, do mau elemento, do marginal, daquele que assenta seus objetivos na violência, na ameaça, e procura desse modo tirar proveito tanto do bem, quanto do mal. Não faltaram cenas de assalto e de furto, tanto contra quem ajudava as vítimas da enchente, como contra essas indefesas criaturas.

Em que base da realidade, da vida vivida, da história do mundo e do homem, poderia assentar essa afirmação de que sairemos dessa “maiores” ou “melhores”? A enchente que assolou o Rio Grande do Sul foi apenas uma das incontáveis e violentas catástrofes que já atingiram os habitantes do planeta terra: guerras, naufrágios, acidentes aéreos, pandemias, incêndios, erupções vulcânicas, e todo o tipo de perdas pessoais. E nada disso mudou o comportamento humano, por uma razão muito lógica: seus hábitos, enquanto animal humano, não sofreram modificações de monta.

O homem de hoje não é diferente do homem da mitologia bíblica, a começar por Adão e Eva. A atitude de Caim para com o próprio irmão nunca deixou de existir. Pelo contrário, se multiplicou. A expulsão do paraíso, que poderia ser a maior lição, para tornar o homem “maior” ou “melhor”, não deu em nada, nesse sentido. A imolação de Jesus Cristo, com o fim de melhorar a humanidade, nunca passou de pedagogia sangrenta e ineficaz para o fim proposto.

A enchente de 1941 produziu outro tipo de homem?

 

domingo, 5 de maio de 2024

 

PUDOR? O QUE É ISSO? 

“Está faltando pudor”. Sob esse título, o Estadão, em editorial publicado no dia 28 último, comenta, como aguda crítica, a participação de ministros do STF, STJ e TSE, assim como outros figurões da república do Lula, num tal de “1º Forum Jurídico Brasil de Ideias”.

Sucede que o tal Forum, segundo o jornal, foi realizado no Hotel Península, em Londres, com diárias que, convertidas em moeda brasileira, vão de seis a sete mil reais. A empresa que organizou tal façanha se chama, por estranha coincidência, “Voto”, uma palavra transformada em dogma de fé pela Justiça Eleitoral, que não admite contestações.

Sendo uma empresa desconhecida pelo público, é natural que, ao calcular o montão de reais despendidos para levar figurões a Londres, o leitor corra ao Google, para obter maiores informações sobre esse leviatã de eventos internacionais, o tal de “Grupo Voto”. Ali diz que esse grupo, presidido pela empresária Karim Miskulin, “trabalha na interlocução entre o setor público e o privado, através de relacionamento, comunicação e conexão de poder de construção numa nova cultura política e empresarial”.

Sim, é isso mesmo que vocês estão lendo: uma junção de palavras que não transmite uma ideia clara do que se trata. Parece até aquele “enrolês” obscuro, sinuoso, corrente em juízos e tribunais. De todo o palavrório, se extrai uma certeza: em se tratando de “conexão de poder”, a dona Karim obtém imbatível sucesso. O grupo que ela juntou para levar a Londres mostra isso: políticos e juízes que pensam da mesma forma. Entre eles estão os juízes que cassaram o Deltan Dallagnol, os que cavaram motivos para restabelecer os direitos políticos do Lula, os que estão afastaram desembargadores do TRF da 4ª Região e os que estão tratando de cassar o Moro. E com eles, no tal de Forum Brasil de Ideias, os políticos que buscam exatamente a mesma coisa.

Mas, na hora de dizer quem é que está bancando essa “conexão de poder” em Londres, a custo de libras esterlinas, a empresa da dona Karim deu de ombros, não abriu o bico. Então, a conclusão lógica, em primeiro lugar, é essa: a falta de transparência é um dos objetivos da “nova cultura empresarial” a que se propõe o “Grupo Voto”. E deve ter sido por isso que o evento por ela organizado foi realizado em Londres.

O “Grupo Voto” e o silêncio dos magistrados só não contavam com a tenacidade do jornalismo investigativo. Era bico absolutamente fechado, quando se tratava de esclarecer donde vinha o dinheiro que rolava para remunerar o “notório saber jurídico” de suas excelências. O Alexandre de Moraes chegou a dizer que “nem a pau” iria conceder entrevistas.

Mas, o curioso e refinado faro jornalístico descobriu que empresas de grande porte, encrencadas em questões a serem decididas no STF e no STJ, estão entre os patrocinadores do evento.

Moral para o “1º Forum Jurídico Brasil de Ideias”: não pode ser digno de respeito o que se esconde atrás de uma cortina de impudicícia.