segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

 

AÇÃO ENTRE AMIGOS E INIMIGOS


Alguém, alguma vez, em algum lugar desse imenso Brasil, achando que a palavra “rifa” soava mal, tinha cheiro de más intenções, de contravenção contra a ordem econômica, ou coisa parecida, resolveu inventar um eufemismo para o dito vocábulo. Desde então, apareceu a “ação entre amigos” para denominar a prática de embolsar dinheiro à custa de quem acredita na sorte.

Agora, para perplexidade de quem tem que repartir com a Fazenda Nacional o que consegue com o suor de seu rosto, apareceu a “ação entre amigos e inimigos”, sob o nome pomposo de “PEC da Transição”.

Para quem não sabe: essa tal de PEC da Transição, outra coisa não é senão uma reforma constitucional nas coxas, com a finalidade de distribuir uma grana sem tamanho para ser queimada pelo Lula e pelos parlamentares. À primeira hora, o chamado “centrão”, um grupo de parlamentares que tem peso muito grande na aprovação ou desaprovação de projetos, se apresentou como opositor ao governo Lula, proclamando, de boca cheia, que não aprovaria a tal de PEC.

Ao mesmo tempo foi despertada de longo sono uma ação promovida por opositores ao governo Bolsonaro, pedindo a decretação de nulidade do “orçamento secreto”, que servia de base para essa PEC, que acabou conhecida, após a eleição do Lula, como “PEC da transição”. Pois essa bela adormecida, despertou com um beijo, ops, com uma decisão da presidente do STF, Rosa Weber, movimentando o processo.

Muita coincidência, né? Um processo movido para barrar as intenções do Bolsonaro, de repente é despertado após a eleição do Lula...

Mas, coincidência ou não, o certo é que o Supremo Tribunal Federal botou a mão no impasse que ameaçava as promessas eleitorais do Lula, que seriam bancadas com o tal de orçamento secreto. E aí, dois votos, um de Gilmar Mendes e outro de Ricardo Lewandowsky, vieram em socorro do Lula: a verba destinada ao “bolsa-família”, que deixou de ser “bolsa-família”, para ser “auxílio-Brasil” está fora das más intenções do “orçamento secreto”. E o tal de “auxílio” também socorre a quem bota filhos no mundo, sem um pingo de responsabilidade: paga cento e cinquenta reais por cada trepada que resultar em filho.

Então, por cargas d'água muito conhecidas, o “centrão” calou a boca, já que, segundo o STF, o projeto de reforma constitucional foi considerado apenas “meio inconstitucional”, e a tal de PEC foi aprovada, com uma dinheirama um pouco mais curta, mas suficiente para agradar a amigos e inimigos.

Assim é praticada a “política” no Brasil, com “ações entre amigos e inimigos”. Para tirar dinheiro do contribuinte, qualquer coisa serve, desde que agrade aos políticos e aos beneficiados por eles, com fatias de poder. A ambição está acima de tudo. A Constituição Federal serve como sacola de mágico para prestidigitadores, que se intitulam “intérpretes”: extraem dela cobras e lagartos. Disso se aproveitam políticos, para tirar dinheiro de quem trabalha e paga imposto, em benefício de quem não trabalha, quer porque tenha muito poder, quer porque tenha muita preguiça.



sábado, 17 de dezembro de 2022

 

QATAR


Olha só, que contradição: um deserto árido e um longo litoral, com praias e dunas no Golfo Pérsico. Pois assim é o Qatar, que por muito tempo serviu como paisagem para imaginação de escritores sobre fadas e princesas de mil e uma noites.

O Qatar era um pequeno emirado, que se transformou num dos países mais ricos do mundo, quando descobriu que estava montado sobre um campo imenso de gás natural, além da fabulosa reserva de petróleo. O país não é senão propriedade da família do emir Tamim Bin Hammad Bin Khalifa Al Thani, a terceira família mais rica do mundo. Sua fortuna ronda a casa dos U$ 335 milhões. Seus investimentos se alastram mundo afora, como o arranha-céu Shard, de Londres, que é a maior edificação mundial, a gigantesca loja de departamentos Harrods, e o Empire State Building, de Nova Iorque. Diz-se também que banco inglês Barklays, a companhia aérea British Airways e a montadora Volkswagen contam com investimentos da família Al Thani.

A fortuna do monarca mais jovem do mundo, o sheik, é um patrimônio orçado em US$ 2 bilhões. Só mesmo com tamanha grana, o sujeito poderá ter, como ele, três lindíssimas esposas e um clube de futebol na França, o Paris Saint Germain. Quer dizer, o sheik sabe como e com quem é bom se divertir. E por isso resolveu incluir, entre seus divertimentos, a Copa do Mundo deste ano.

Corre nas redes sociais um artigo assinado por Jon Kokura, onde o autor afirma que a família Al Thani comprou a sede da Copa do mundo de 2022, pagando um “milhão de dólares a certos delegados da Concaf” da América Central, e “um milhão e meio a dirigentes da Conmebol, da América do Sul”.

Não só Jon Kokura como outras empresas do ramo da comunicação informam que o Qatar importou mão de obra para armar a infraestrutura que um evento mundial desse porte exige: estádios, novos hotéis, ferrovia, rodovia, aeroportos, etc.

Até aí, nada demais. O pior foi, segundo o noticiário, o que aconteceu para com os trabalhadores importados: mais de seis mil e quinhentos morreram, em decorrência do trabalho escravo a que eram submetidos. Foi, ao que tudo indica, a repetição da história bíblica, segundo a qual os judeus eram escravizados no Egito, sendo dessa escravidão resgatados por Moisés, que até o Mar Vermelho dividiu, para dar sucesso à empreitada. Mas, no caso da preparação de Qatar, para o povo vibrar com a Copa do Mundo, deus nenhum socorreu àquela pobre gente.

Houve indignação no mundo, sim, mas por outra causa: a de que o Qatar não respeita os “direitos humanos” dos homossexuais. Lá não são permitidos os pendões com as cores do arcoíris, usados pelos bípedes falantes que preferem outro tipo de sexualidade. Isso exaltou muita gente, incluindo manifestações de jogadores participantes do evento. A seleção da Alemanha, por exemplo, fechou a boca, em sinal de protesto.

Mas, ninguém se lembrou dos pobres que morreram, para que o mundo pudesse vibrar, gritando “gooool”.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

 

A COPA DO MUNDO


Por vezes o comportamento do bicho homem revela coisas que parecem fora do script daquela linha evolutiva concebida por Darwin. Por exemplo, lá pelas tantas, coisa de uns dois mil e seiscentos anos, antes que Jesus Cristo aparecesse com suas ideias impossíveis de salvar o mundo, os chineses inventaram um joguinho macabro: chutar a cabeça decepada dos inimigos. Por incrível que pareça, mais do que um simples esporte tétrico, era um ritual, obra do misticismo a que sempre se entregou a maioria dos bípedes falantes: quem chutasse aquela coisa redonda e cabeluda, encorparia a bravura e a inteligência do morto.


Na esteira desse joguinho sinistro, muitas variantes se seguiram. Ao que parece, chutar uma coisa redonda que saísse rolando, era um passatempo muito divertido. E desse passatempo se aproveitaram os ingleses, já mais civilizados e portadores da carteira de identidade de “homo sapiens”: inventaram o futebol como jogo organizado, submetido a regras.


E foi certamente por causa dessa inexplicável atração para chutar bola, que o futebol criou raízes e se espalhou pelo mundo. Claro, sempre mostrando faces do comportamento do ser humano. Uma dessas faces é a paixão pelo dinheiro, principalmente quando o meio de enriquecer se divorcia do trabalho pesado, da mão de obra bruta, e se torna fácil.


Alguém pensou: vou ganhar dinheiro com essa brincadeira de chutar bola. A ideia criou forma e se transformou em realidade. Em nome e por conta de uma entidade abstrata, chamada Fifa, que não se desgruda da origem inglesa nem na denominação, muita gente ganha dinheiro.


Acontece que o dinheiro é a mola mestra do mundo e é movido pelas grandes paixões coletivas. Religião, política e futebol não sobreviveriam sem dinheiro. Essa é a razão pela qual nenhuma dessas três beneficiárias das paixões coletivas pediu falência até hoje. O empreendedor ambicioso sabe disso e bota o talento a serviço de sua ambição.


Em tempos de Copa do Mundo, o futebol acende o sentimento patriótico de todos os povos. Cada povo padece emoções, ri, chora, esbraveja, rói as unhas, movido pelas pernas de onze marmanjos. Ah, eles são ídolos e o povo não sabe viver sem ídolos. A Fifa sabe disso e ganha dinheiro com os sentimentos infantis de quem nunca se libertou deles.


Nesses últimos dias, oriente e ocidente, unidos por tais emoções, estão lá no Qatar, onde a Fifa se instalou, para embolsar aquela grana que entra nos seus cofres de quatro em quatro anos. Mas, ao mesmo tempo em que serve de palco para o mundo, Qatar mostra uma disciplina sem igual no Ocidente.


O Qatar não se dobrou incondicionalmente às regras Fifa. Nem essa, nem a Budweiser, nem certos costumes sexuais oficializados no Ocidente, lá prevalecerão. A própria emoção do futebol é amordaçada. Na hora da prece, a torcida muçulmana e seus narradores fecham a boca: Meca exige silêncio.


Certamente o trio feminino que arbitrou Costa Rica x Alemanha só foi dispensado da burca por não representar perigo de elevação da taxa de testosterona.