sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

 

A COPA DO MUNDO


Por vezes o comportamento do bicho homem revela coisas que parecem fora do script daquela linha evolutiva concebida por Darwin. Por exemplo, lá pelas tantas, coisa de uns dois mil e seiscentos anos, antes que Jesus Cristo aparecesse com suas ideias impossíveis de salvar o mundo, os chineses inventaram um joguinho macabro: chutar a cabeça decepada dos inimigos. Por incrível que pareça, mais do que um simples esporte tétrico, era um ritual, obra do misticismo a que sempre se entregou a maioria dos bípedes falantes: quem chutasse aquela coisa redonda e cabeluda, encorparia a bravura e a inteligência do morto.


Na esteira desse joguinho sinistro, muitas variantes se seguiram. Ao que parece, chutar uma coisa redonda que saísse rolando, era um passatempo muito divertido. E desse passatempo se aproveitaram os ingleses, já mais civilizados e portadores da carteira de identidade de “homo sapiens”: inventaram o futebol como jogo organizado, submetido a regras.


E foi certamente por causa dessa inexplicável atração para chutar bola, que o futebol criou raízes e se espalhou pelo mundo. Claro, sempre mostrando faces do comportamento do ser humano. Uma dessas faces é a paixão pelo dinheiro, principalmente quando o meio de enriquecer se divorcia do trabalho pesado, da mão de obra bruta, e se torna fácil.


Alguém pensou: vou ganhar dinheiro com essa brincadeira de chutar bola. A ideia criou forma e se transformou em realidade. Em nome e por conta de uma entidade abstrata, chamada Fifa, que não se desgruda da origem inglesa nem na denominação, muita gente ganha dinheiro.


Acontece que o dinheiro é a mola mestra do mundo e é movido pelas grandes paixões coletivas. Religião, política e futebol não sobreviveriam sem dinheiro. Essa é a razão pela qual nenhuma dessas três beneficiárias das paixões coletivas pediu falência até hoje. O empreendedor ambicioso sabe disso e bota o talento a serviço de sua ambição.


Em tempos de Copa do Mundo, o futebol acende o sentimento patriótico de todos os povos. Cada povo padece emoções, ri, chora, esbraveja, rói as unhas, movido pelas pernas de onze marmanjos. Ah, eles são ídolos e o povo não sabe viver sem ídolos. A Fifa sabe disso e ganha dinheiro com os sentimentos infantis de quem nunca se libertou deles.


Nesses últimos dias, oriente e ocidente, unidos por tais emoções, estão lá no Qatar, onde a Fifa se instalou, para embolsar aquela grana que entra nos seus cofres de quatro em quatro anos. Mas, ao mesmo tempo em que serve de palco para o mundo, Qatar mostra uma disciplina sem igual no Ocidente.


O Qatar não se dobrou incondicionalmente às regras Fifa. Nem essa, nem a Budweiser, nem certos costumes sexuais oficializados no Ocidente, lá prevalecerão. A própria emoção do futebol é amordaçada. Na hora da prece, a torcida muçulmana e seus narradores fecham a boca: Meca exige silêncio.


Certamente o trio feminino que arbitrou Costa Rica x Alemanha só foi dispensado da burca por não representar perigo de elevação da taxa de testosterona.




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