O ARTIGO 37
Não vamos falar de automóveis que custam R$ 358.000,00, tipo Audi
4S Line, híbrido, potência de 203 cavalos, motorização mínima nominal 2.0,
câmbio automático, com distância de 2.820mm, comprimento de 4.760mm, largura de
1.846mm, altura de 1.400mm, capacidade para cinco pessoas, quatro portas
laterais, direção elétrica ou hidráulica. Cinco desses carrinhos, somando R$
1.790.000,00 por conta dos contribuintes, eram objeto de desejo do Tribunal de
Justiça do RS. Mas, uma ação popular, embora atrofiada pela ausência da direção
do Tribunal no polo passivo, arrastou o negócio para a fila dos desejos
adiados.
Vamos falar de coisas amenas, recordar o vernáculo, o significado
de alguns vocábulos desconhecidos, embora tenham sido usados no artigo 37 da Constituição
“cidadã” do finado Ulysses Guimarães. Quem domina o idioma português e por isso
não tem dificuldades com a hermenêutica no Direito, às vezes fica pensando que
os peixes engoliram também esses vocábulos. Moralidade e impessoalidade são
palavras fora de uso na administração pública brasileira. Mal o doutor Ulysses
morreu, essas palavras sumiram do vocabulário de muitos agentes públicos.
Em nome de uma
coisa chamada “governabilidade”, os políticos preferem os versos de Francisco
de Assis, “é dando que se recebe”, como se a política fosse suruba, ao invés
das palavras que o finado escreveu no artigo 37 da Constituição cidadã: “a
administração pública direta ou indireta de qualquer um dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...”.
Jair Bolsonaro até
tentou fugir do imperativo dessa “governabilidade”, que não passa de um
eufemismo para a “politicagem”. Mas não aguentou o tranco e se entregou ao
velho vício. Já Lula, doutor que é em
“diálogos e acordos”, faz uso dele, como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Para obter a maioria na aprovação de seus projetos, ele não mostra o mínimo
acanhamento. De seu dicionário foi varrida a palavra “escrúpulo”, substituída
pela expressão “toma lá e dá cá.” Então, em troca de votos, chovem verbas e
cargos.
Mas, vamos aos
vocábulos esquecidos, ou ignorados por aqueles que só sabem ler na superfície.
A moralidade não comporta um conceito absoluto, que valha para o planeta
inteiro, no tempo e no espaço. Mas, no que diz respeito à administração pública
em sistema democrático, ela se desfaz dessa relatividade, por uma razão muito
simples: quem lida com o dinheiro do povo têm a obrigação de fazer o melhor
pelo povo.
A força da
moralidade traz consigo a impessoalidade. Os servidores públicos exercem seus
cargos a serviço das instituições, e não para tomar delas o que não podem dar
para o povo, como, por exemplo, “segurança pessoal”. Toda a lei, decreto ou
norma que beneficie a pessoa do servidor, do faxineiro ao presidente da
República, é inconstitucional.
Mas, pouquíssimos
são os que não se deixam deslumbrar pelo poder, pelo “status” de autoridade.
Pouquíssimos são os que, atrelados ao art. 37, não posam de ricos, enquanto o
tempo não chega para desfazer suas ilusões.
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