quarta-feira, 24 de abril de 2024

 

QUEM TEM MEDO DAS REDES SOCIAIS?

 

Para o senhor Luís Roberto Barroso, atual presidente do Supremo Tribunal Federal, “por trás do discurso de liberdade de expressão se difunde o ódio, o mal, a intolerância, o extremismo”.

Então, segundo o referido togado, se deve “equacionar o problema, para que a liberdade de expressão não seja destrutiva para a democracia”.

Para quem não sabe, ou não se lembra: essas palavras, ódio e mal, já andaram pela boca de Sua Excelência, esse mesmo senhor Barroso, numa sessão do STF, em que ele, não havendo digerido bem o palavrório de seu augusto colega Gilmar Mendes, sem tirar a toga, deixou de lado o que está escrito no seu papel e declamou de improviso, com voz melíflua, essa oração, desprovida de cortesia e amabilidades: “me deixa de fora desse seu mau sentimento, você é uma pessoa horrível, uma mistura do mal com o atraso, com pitadas de psicopatia; vossa excelência destila ódio o tempo inteiro, tá sempre com raiva de alguém, tá sempre com ódio de alguém”...

Não, por favor, não estranhem. O senhor Barroso pode ter esquecido preceitos não escritos de deontologia judiciária, mas fez uso de um direito que a Constituição Federal lhe assegura: o da liberdade de expressão.

Agora, diante do ativismo apostólico dele em favor da regulamentação das redes sociais, surgem perguntas. A “liberdade de expressão” que ele pretende restringir, reformular, filtrar através de novos conceitos e valores, será aquela liberdade de discursar contra quem “destila ódio o tempo inteiro, tá sempre com raiva de alguém, tá sempre com ódio de alguém”? Quer ele que se ouça impropérios em cavalheiresco silêncio, para não parecer intolerante? Ou o proibido nas redes sociais seria só permitido em público?

Certamente o ministro, na cruzada que abraça, perseguindo, com um eufemismo chamado “regulamentação”, o direito à liberdade de expressão, esquece que sua atitude, gerada pela atitude de seu colega, partiu de outro direito sagrado e consagrado na Constituição: o da intimidade. Ferido no seu íntimo, ele se sentiu no direito de revidar.

O ódio e o mal, com ou sem atraso, sim, dão cordas ao direito de expressão, quando é ferido, magoado, vilipendiado o ego, onde se aninha o direito constitucional à intimidade.

O que as redes sociais fazem, outra coisa não é, senão mostrar a realidade desse fenômeno, que é ínsito à natureza animal. A lei de Talião foi revogada nas legislações, mas não no instinto, tanto de animais irracionais, quanto nos animais humanos, nem sempre inteiramente racionais.

O ser humano não mudou. O que mudou foi a tecnologia, desnudando-o, mostrando-o verdadeiramente como ele é. Dessa amostra, dessa nudez, querem fugir alguns homens públicos, para parecerem modelos de virtude e moral, se comportando como palmatória do mundo.

A plena liberdade de expressão, que viaja entre trêfegas lengalengas, falsos arroubos de erudição e penetrantes críticas, é da essência da democracia. Ela não destrói a democracia, nem a democracia pode destruí-la. Não é o verbo que solinha a democracia, mas os abusos no exercício do Poder.

 

quinta-feira, 18 de abril de 2024

 

         A JUSTIÇA NO PELOURINHO DO ESCÁRNIO

Circula pelas redes sociais, desatando gargalhadas, uma paródia satírica sobre Alexandre de Moraes, que faz pensar: é tão árduo se livrar da multidão, como do inferno. Realmente, o verdadeiro poder de endeusar ou de infernizar alguém está na multidão, no povaréu. É o povo que cria deuses e demônios. Diz o referido texto, encharcado de sátira, que Alexandre de Moraes determinara a Elon Musk a entrega de seu passaporte, apreendera a chave da aeronave espacial do bilionário e o proibira de deixar o planeta.

Ao que se sabe, jamais, na história do Supremo Tribunal Federal, as decisões de algum ministro foram motivos de chacotas, paródias ou desdém, como estão sendo as de Alexandre de Moraes.

Aquele egrégio assento de Juízes, destinado a acomodar o traseiro de luminares excelências e eminências, começou a sofrer mudanças a partir do primeiro governo esquerdista após a Constituição de 1988. A referida Constituição nasceu com a marca de ressentimentos, mágoas e vinganças alimentadas por alguns constituintes. Evadidos do Brasil com medo do regime militar, ou deportados, mas todos anistiados, voltaram à política brasileira. E aí começou a mudança.

Quando assumiu a Presidência da República Fernando Henrique Cardoso, que havia sumido do Brasil durante o governo militar, surgiu concretamente, para os esquerdistas militantes na política, a oportunidade de assumirem o Poder. Antes, alguns deles foram colocados por Sarney em postos chaves.

Ao lado de tudo isso, se espalhava pelo país inteiro a ideologia da educação implantada por Darci Ribeiro e Paulo Freyre. Ela foi responsável pela atenuação do rigor do conceito de cultura. Mais ou menos assim: o cargo empresta cultura a quem não a tem.

Assim, foram desaparecendo da área jurídica grandes nomes espelhados em Rui Barbosa, Clóvis Bevilaqua, Pontes de Miranda, Nelson Hungria, homens dedicados à ciência do Direito, sem a volúpia do Poder. No lugar deles começaram a ser enaltecidos os cargos, como se esses pudessem preencher o vácuo da cultura de seus ocupantes.  Ao notório saber jurídico, sobrepuseram-se outros critérios.

Mesmo assim, partindo-se da suposição de que todos os juízes eram pessoas dotadas de equilíbrio, circunspecção e amor à Justiça, ninguém ousava criticar ministros. Mas alguém teve a infeliz ideia de criar a própria mídia da Justiça. E, para não perderem para a mídia da Justiça, outros órgãos da imprensa começaram a botar os juízes no mesmo padrão dos políticos.

Hoje sabemos, graças a tudo isso, que os juízes não são como a população pensava: pessoas reservadas, mais entregues ao pensamento do que ao linguajar de papagaios. Eles estão sujeitos, como todo mundo, a serem receptáculo de vícios e virtudes, isso sim. Da personalidade de cada um depende o crescimento de uma ou de outra dessas qualidades. E se nada há neles que os diferencie do restante dos mortais, não podem deixar de ser alvos de chacotas. Pior ainda, quando acham que o cargo, por eles ocupados, tem o dom de os livrar dos disparates, das conclusões sem lógica, das imensas dificuldades em interpretar a lei.

 

quarta-feira, 10 de abril de 2024

 O PODER É DO POVO

A Constituição de um país democrático, com ou sem a proteção de deuses, é um instrumento de garantia do povo contra os desmandos do Estado. “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Assim está escrito na Constituição Brasileira, promulgada em 5 de outubro de 1988.

O Poder, portanto, é do povo e não de quem está investido em cargos, sejam eles quais forem, quer no Legislativo, quer no Executivo, quer no Judiciário. Está muito claro na Constituição: o povo não é só a fonte do Poder, como também o titular do seu exercício. E é muito importante ressaltar que o representante não pode ter poderes maiores do que os do representado.

Mas, no Brasil, há cidadãos que, ao que parece, não entendem muito bem o que lá está escrito. A partir do momento em que assumem a função pública, acham que o Poder são eles e aí começam a botar os pés pelas mãos. Talvez eles ignorem que a Constituição é o livro das regras que estabelecem, como limites do exercício dos cargos públicos, os fundamentos consagrados no artigo 1º da referida Constituição, entre os quais estão a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político. Ou talvez eles desconheçam os variados significados da palavra “poder”.

Acontece que no artigo 2º se diz que “são Poderes da União... o Legislativo, o Executivo e Judiciário”. Aí, esses membros da seita dos incriticáveis, acham que são um Poder, desdenhando do princípio constitucional que atribui ao povo o exercício do Poder.

O conhecimento da pluralidade dos sentidos da palavra “poder” esclarece. No artigo 1º, o sentido é de “autoridade, mando”. No artigo 2º, o significado é de “alçada, função, jurisdição”. Ou seja: a criação das leis é da alçada do Legislativo, a administração do país é função do Executivo, enquanto ao Judiciário cabe a aplicação da lei, ou a faculdade de dizer o Direito aplicável. Mas, tais exercícios são outorgados pelo povo “nos termos da Constituição”. Em outras palavras: Legislativo, Executivo e Judiciária exercem funções delegadas pelo povo. Nada mais do que isso.

Nenhum artigo da Constituição assegura garantias especiais para quem exerce funções legislativas, executivas e judiciárias. Ela só as estabelece para o povo, no artigo 5º.

Nenhuma pessoa investida em cargos públicos encarna a soberania. A soberania está nas funções exercidas por delegação do povo e não na pessoa que as exerce. Ao ser alvo de ofensas ou atacado de coceira satírica pelos malfeitos no exercício no cargo, o presidente da república, o senador, o deputado, o juiz, são simplesmente pessoas e não seres superiores, imunes à crítica. Sendo pessoas, num regime em que todos são iguais perante a lei, eles não podem invocar privilégios que os distingam da plebe.

Ninguém dilui sua personalidade na Instituição onde presta serviços. Só viaja com ela nas costas quem quer mostrar ao mundo, em Roma, Lisboa, seja onde for, uma sabedoria que não possui. 


sexta-feira, 5 de abril de 2024

 

OS LÁBIOS E OS DEDOS

Dizia o saudoso e eternamente irreverente Vinicius de Morais, num de seus versos provocantes e satíricos: “enquanto eu tiver língua e dedo, mulher não me mete medo”. Ele sabia que um toque de pele com o dedo deslizando pelo corpo ou tocando no clitóris da mulher do momento, faz eriçar os pelos de todo o corpo e atiça o tremor do desejo. E esse tremor é o sinal dado pelo cérebro, num caminho sem encruzilhadas que, de um jeito ou de outro, leva ao orgasmo.

O orgasmo, para quem não sabe ou não consegue exprimir, é o ponto extremo, o ápice atingido pela estimulação, pelo processo de excitação, ou pelo exercício da atividade sexual, propriamente dita, seja ela qual for, solitária ou dividida. Trata-se de uma função orgânica, presente em todos os seres da raça animal. Na espécie humana, entra em ação, no processo de excitação, o sistema nervoso simpático e parassimpático.

A natureza humana não faz diferença alguma, entre os seres humanos, para livrar alguns deles desse fenômeno, em razão de sua posição na sociedade, ou de sua profissão. Tanto quem fez votos de castidade, como os liberados desse despropósito, estão sujeitos àquela função fisiológica em que a adrenalina, despejada pelas funções supra-renais provoca a dilatação das artérias para a passagem do sangue que, por seu turno, exige do pulmão a oxigenação necessária. Raras, raríssimas são as pessoas impedidas pelo hipotireoidismo para a produção de hormônios, como a adrenalina.

Se o pensamento excita, imagine-se o toque de pele com pele e especialmente dos lábios mornos e úmidos, no processo de alimentação do desejo, comandado pelo cérebro, a partir do hipotálamo e do neocórtex, que provocam as sensações do corpo no caminho que leva ao orgasmo. Principalmente quando a pele é tocada pela ponta dos dedos, que reúnem a maior densidade de terminações nervosas, transmissoras das ordens do cérebro.

Não é o que vocês estão pensando. Não se trata aqui de um ensaio sobre o mecanismo da libido ou sobre a pungência sexual. O assunto desta crônica foi provocado por uma decisão do Sumo Pontífice da Igreja Católica.

 Sua Santidade neste ano resolveu convidar, ou convocar, como personagens, ou figurantes, da teatralidade litúrgica chamada lava-pés, mulheres que cumprem pena numa penitenciária feminina de Roma. Nessa cerimônia, o celebrante não só lava os pés das pessoas que representam os doze apóstolos, mas os beija também. E aí é que entram em ação os lábios e os dedos.

O papa argentino está muito longe de lembrar um galã, tipo ex-marido da Gisele Bündchen: não tem o encanto pessoal que seduz. Mas a alquimia da celebridade, numa hora dessas, funciona. Com o toque dos dedos do macho e do beijo que umedece os pés da fêmea, as sensações eróticas promovem o eriçamento da pele dela. Aí os estímulos ao prazer são inevitáveis. O papa que, pela idade, anda com a testosterona abaixo de zero, não pensou nisso, mas a liturgia pode ter levado as mulheres ao pecado solitário.