BAIXOU O ESPÍRITO DE LUÍS XIV?
A megalomania é uma excrescência do ego. É um distúrbio da personalidade social do
indivíduo. Um distúrbio que consiste na projeção do ego para além do espaço que
a convivência social, mercê da natureza gregária do animal homem, comporta.
Mais do que em qualquer outro campo de ação é no exercício de
múnus públicos que a megalomania se revela. Quer com o esbanjamento do dinheiro
do contribuinte, quer com o uso do poder exacerbado, a megalomania dá vasão aos
impulsos da projeção do ego. É o ponto alto da egolatria, o espelho no qual o
indivíduo se contempla, se admira a si próprio. Despojado de escrúpulos, pouco
se lhe dá o mal que possa causar ao grupo social como um todo, ou a uma parcela
dele.
Nem sempre, porém, a megalomania pode ser qualificada totalmente
como um mal. Admiráveis obras de arte que revelam o engenho, a capacidade do
ser humano, se devem à mania de grandeza. Mas, é claro que alguém pagou por
elas, seja pelo emprego da mão de obra escrava, seja pelos meios coercitivos,
impostos ao grupo social pelo custeio da obra. Tudo para, em primeiro lugar,
satisfazer a fantasia de um megalomaníaco.
Pior é quando essa fantasia governa exclusivamente o ego do perturbado
social. Exemplo clássico desse tipo foi Luís XIV, rei de França e Navarro. Nascido em 5 de setembro de 1638, recebeu pelo batismo o
nome de Louis-Dieudonné.
Dieudonné significa “presente de Deus”. Mas, um presente que fez de seu
portador um megalomaníaco conhecido mundialmente. De certo, se achando um
“presente divino”, governou a França durante sete anos, dizendo que o fazia pelo
poder recebido de Deus.
Je suis la Loi, Je suis l'État; l'État c'est moi. Eu sou a
Lei, eu sou o Estado; o Estado sou eu. Foi dizendo isso perante o parlamento francês,
em abril de 1655, que Luís XIV encarnou o protótipo do megalomaníaco.
Coisa parecida aconteceu no STF. Seja por descuido;
seja por impulsos emocionais como figura central do processo que está julgando
um golpe de Estado, até hoje não comprovado; seja por desconhecimento da
história, o ministro Alexandre de Moraes repetiu, em outras palavras, o cerne
do pensamento de Luís XIV: “não vou permitir circo no meu tribunal”.
Estaria aí a razão de serem ignorados
determinados dispositivos processuais e distorcidos alguns princípios gerais do
Direito, na condução do famigerado “inquérito do fim do mundo”? Sendo o STF um
Poder da República, poderia ele ser propriedade dos ministros, ou sociedade
privada, composta por onze juízes?
Não. O que houve foi um lapsus linguae. Mas,
não há lapso judicial perdoável. Para que a justiça não seja trapaça da sorte, ou
ilusão perdida pela negação da verdade, o Judiciário deve manter postura que
inspire confiança. Lapsos não combinam com sabedoria, serenidade, circunspecção
e outras virtudes que a dignidade do cargo cobra do juiz.
O Tribunal do senhor Moraes pode não ser circo,
mas há quem dele se sirva como terreiro para incorporar o Poder Absoluto...