CAINDO NA REAL
Parece que o Estadão começou a retroceder, em seus propósitos de
defender o Supremo Tribunal Federal. Antes havia conclamado “a sociedade
brasileira” a “se erguer contra esses ataques à autoridade do Supremo”.
Mas, alguém deve ter soprado nos ouvidos dos editorialistas
algumas questões. A primeira delas: a sociedade não apita coisa nenhuma, o povo
não passa de um joão-ninguém e só tem um direito, neste país, que é a obrigação
de votar. O povo, chamado de sociedade, essa coisa amorfa, que na realidade não
passa de um substantivo abstrato, pode berrar, que nunca será ouvido pelas
autoridades, a menos que seja tempo de eleição. Outra: o povo não ta nem aí pro
Supremo, a maioria não sabe que ele existe, ou para quê ele existe. Só se lembra
do Supremo quem tem alguma causa lá, mas lá só chegam causas de ricos,
políticos e famosos, e o povo não é nada disso.
Sem o povo não existe “sociedade”. A menos que se considere
“sociedade” a casta que vive bem às custas do povo: as autoridades e aqueles
que detêm o poder econômico e podem comprar os seus direitos, venham eles donde
vierem.
É verdade que, de uns tempos para cá, uma porção do povo faz uso
do “facebook” e de outros instrumentos oferecidos pela internet, para dizer o
que pensa. Mas não é todo o povo. Apenas uma parte dele usa a internet para
falar sobre a vergonheira da política e das autoridades que, embora não devam
ser políticas, usam de seus altos cargos como se políticos fossem. Nessa parte
do povo se incluem aqueles que sentam a lenha no STF, sem dó nem piedade,
achincalham os ministros, debocham das decisões da chamada Suprema Corte. E
parece que ninguém se atreve a elogiar.
É de se supor que o quadro pintado aí acima tenha passado
pela cabeça dos editorialistas do jornal Estado de São Paulo. Depois daquela
conclamação à “sociedade”, o jornal mudou de tom: “O Supremo tem enfrentado um
cenário inédito de resistência e oposição em amplos setores da sociedade.
Todos, especialmente os ministros do STF, devem zelar pela autoridade da Corte”.
Então, já não é mais a “sociedade”, mas “amplos setores” dela
que vociferam contra o STF. E o respeito pela referida instituição deve começar
pelos próprios ministros.
Caiu
na real”, como diz o povo. Ao abandonar a ópera na qual assumira o papel de
Joãozinho do Passo Certo, o jornal deixa escapar severa repreensão aos membros
da Suprema Corte brasileira. “No caso dos ministros do STF cumpre-se esse dever observando as obrigações
próprias de juiz: ser o primeiro cumpridor da lei, falar apenas nos autos, ser
consciencioso com os limites de sua jurisdição, não buscar os holofotes, não
usar do cargo para promover ideias e convicções pessoais” – diz o editorial.
Mudando
sua retórica, o jornal falou às claras para aqueles senhores que vestiram a
toga por serem, supostamente, cidadãos de “ilibada conduta”, e não por serem
deuses de seletas inspirações, que precisam de incenso.