quarta-feira, 11 de maio de 2022

 

O ADVOGADO DO SUPREMO

Em duas semanas consecutivas, o Estadão usou seu editorial para defender o STF. Textos jornalísticos, movidos a frenesi pela inglória tarefa de defender o indefensável, atraem não menos frenéticas indagações: quem está precisando de quem? O Estadão precisa do Supremo e nele se agarra para não ser enforcado? Ou o Supremo, vendo que está perdendo a confiança em suas eructações de erudição e seu poder de prender,  se sentindo apequenado, se vale do jornal para defender a moral da pensão?

Na semana retrasada o jornal disse que “cumprindo suas funções constitucionais, o STF julgou uma ação penal proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), que, em função do cargo tem foro privilegiado”.

No mesmo texto, porém, a dialética do editorial mudou de curso, deixando a Constituição para falar em confusão: “mas Jair Bolsonaro viu, no caso, uma oportunidade para criar confusão”.

 O STF teria cumprido “suas funções constitucionais”, ao julgar o deputado Daniel Silveira. Já Bolsonaro, ao conceder indulto para o mencionado réu,  se serviu do caso “para criar confusão”. Supostamente, sem cumprir suas “funções constitucionais”.

Essa abissal diferença, encontrada pelo Estadão, entre as atitudes do Presidente e a do Supremo Tribunal Federal, dá pano para manga, a partir de uma pergunta: há dispositivos constitucionais que só se prestam para provocar confusão?

Qualquer analfabeto funcional que der com os olhos na Constituição, lá encontrará, no inciso XII, como decorrência do disposto no respectivo  artigo 84, os seguintes dizeres: “compete privativamente ao Presidente da República conceder indulto e comutar penas...”

Ora, se, ao conceder o indulto para o deputado Daniel Silveira, o Presidente da República “não cumpriu suas funções constitucionais”, mas só criou confusão, donde lhe adveio a inspiração dessa desfeita para com o Supremo Tribunal Federal?

Em editorial da semana passada, a lengalenga continuou nesse mesmo tom de discurso com premissas falsas. Diz o jornal: “a Constituição, em seu artigo 102, delega sua guarda ao Supremo. Do ponto de vista prático, “guardar” a Constituição significa interpretar o seu texto e ter a palavra final diante de conflitos em torno de nosso pacto social. Quando o Supremo é desqualificado como última instância com poder para dirimir esses conflitos e pacificar a sociedade, rui a própria ideia da Justiça como um avanço civilizatório”.

Aviso aos redatores do Estadão:  o sinônimo não se presta para visões distintas em teoria e prática. “Guardar” nunca foi sinônimo de “interpretar”. E no caso do deputado não se tratava de “conflitos em torno de nosso pacto social”. A denúncia teve como causa o comportamento pessoal do réu, com insultos e ameaças a ministros, além de outras patacoadas. Nada a ver com o “nosso pacto social”.

Nem se tratava, portanto,  de “interpretar” texto constitucional. Bastava conhecer e respeitar escrupulosamente o Código de Processo Penal.

A “ideia da Justiça” ruiu, sim, mas minada por estranho procedimento, desencadeado pelo próprio tribunal julgador, no qual se aninharam duas inextricáveis circunstâncias: o ego ferido dos ministros e a questão por eles examinada.

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