CENAS
DE UM DEFLORAMENTO
O Direito, como ciência, está sumindo
do Brasil. A Constituição do Ulysses está sendo violada. O devido processo
legal já não existe. A tipificação de crimes já não depende de lei: está sendo
criada por jurisprudência. O Supremo Tribunal Federal se dá o direito de
reformar a Constituição. E não fica só nisso: arvora-se também no direito de
determinar ao Poder Executivo o que ele deve ou o que ele não deve fazer, se
atribui competência para estabelecer normas que a Constituição reserva
exclusivamente para o Poder Legislativo.
E tudo começou, sabem com quem? Com
dois senhores que, por terem feito algum cursinho em Harvard e aprendido alguma
coisa com a operação “mãos limpas” na Itália, acharam que tinham poder e
capacidade para erradicar a corrupção que mina a política brasileira. Em outras
palavras: acharam que os fins justificam os meios.
Várias pessoas foram levadas para a
cadeia por força desse lema, e lá deixadas, como se não houvesse lei que
condiciona e limita a supressão da liberdade. E lá ficaram, enquanto não
abriram o bico, delatando e vomitando culpa, em troca de uma pena branda ou da
liberdade imediata. Por um milagre, ainda não devidamente explicado, até
dinheiro havido em corrupção foi devolvido.
Só que esse dinheiro, saído do bolso
ou das contas do corrupto para o corrompido, teve um curso de muitas voltas e
mãos várias, que lhe subtraíram a face linear de fato concreto, com
circunstâncias próprias, definidas, destrincadas, libertas de qualquer sombra
de dúvida. Então, a denúncia do Ministério Público, sob a batuta de um
procurador da República chamado Deltan Dallagnol, não conseguiu a clareza, a
objetividade e a simplicidade do art. 41 do Código de Processo Penal:
necessitou de um complicado “power point”. Assim, embora desprendida das rédeas
do referido art. 41, foi recebida, levando à condenação dos réus, entre os
quais Lula, por sentença de Sérgio Moro.
Dos condenados, só o Lula não se
conformou. E, com seu poder de sedução, arrastou muitos poderosos para o seu
lado. E aí começaram as variações sobre o mesmo tema: os fins justificam os
meios. Um inquérito instaurado no STF, cuja injuridicidade lhe valeu, por parte
de um ministro daquela Corte, o apelido de “inquérito do fim do mundo”, tomou o
mesmo rumo da Lava Jato. E serviu como um modelo ajeitado para cassar o mandato
de Deltan Dallagnol. Agora, as mesmas bases desse Direito por linhas tortas
parece apontar o guante da cassação de mandato parlamentar para Sérgio Moro, o
juiz que condenou Lula.
Sim, senhores: ontem a Lava Jato substituiu
os rigores do Direito pela força dos fins; hoje impera o apocalíptico
“inquérito do fim do mundo”. E quem conhece a lei e a Bíblia vê o inverso do
Juízo Final, descrito no livro do Apocalipse: na fila da direita os maus, que
são contra o Estado Democrático de Direito sem direitos, e na fila da esquerda
os bons, os que imolam, no altar da deusa Democracia, o hímen da Constituição.
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