CRIME
IMPOSSÍVEL
Está na hora de
botar em pratos limpos o tão comentado assunto dos “atos antidemocráticos”
ocorridos em 8 de janeiro em Brasília. Comecemos pela Constituição Federal. Ali
está escrito com todas as letras, no inciso XLIV do artigo 5º, que “constitui
crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou
militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de direito”.
Mas, a
Constituição não é a sede adequada para decidir sobre a tipicidade e a punição
de fatos tidos como crimes. Se está escrito na Constituição que isso ou aquilo
é crime, de nada valerá a norma constitucional, se não houver lei penal
descrevendo a ação delituosa e as respectivas penas.
Quando foi
promulgada a Constituição do senhor Ulysses Guimarães, em 1988, vigorava a Lei
nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983, cujo artigo 17 descrevia como crime
“tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime
vigente, ou o Estado de Direito”. Era a Lei de Segurança Nacional do governo João
Figueiredo.
Essa Lei vigorou
sob os auspícios da Constituição de 1988 durante 33 anos, só sendo revogada
pela Lei 14.197/21, cuja sanção traz, por ironia do destino, as assinaturas de
Jair Bolsonaro e Anderson Torres. Ela passou a integrar o Código Penal, nele incluindo o Título XII:
“DOS CRIMES CONTRA O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO”. Entre esses crimes figura,
no artigo 359 L, o de “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir
o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos
poderes institucionais”.
Consta em diversos
noticiários da imprensa que no dia 8 de janeiro do corrente ano “houve ataques
à sede dos três Poderes e à democracia, com terroristas quebrando vidraças e
móveis, vandalizando obras de arte e objetos históricos, invadindo gabinetes de
autoridades, rasgando documentos e roubando até comida”.
Com base nesses
fatos assim noticiados, foram presas centenas de pessoas e algumas delas até já
condenadas em processo instaurado e julgado pelo STF.
A hermenêutica
existe para evitar que a leitura isolada de um dispositivo legal, como esse
artigo 359 L, sirva à desincumbência dos encargos judiciários. Ora, ele integra
um conjunto legal orgânico, do qual faz parte outro dispositivo, o artigo 17 do
Código Penal, indispensável na exegese criminal: “não se pune a tentativa
quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do
objeto, é impossível consumar-se o crime”.
Seria o Estado
Democrático de Direito tão frágil, tão insignificante, desamparado de qualquer
sustentáculo, a ponto de ser abolido mediante vidraças e obras de arte quebradas, invasões de
gabinetes institucionais, supressão de documentos...?
Não é necessário
ser altamente letrado, nem possuir o máximo de QI, para concluir que tais patacoadas
não são dotadas de potencial ínsito, capaz de anular regimes de Estado,
quaisquer que eles sejam.
Gente
destrambelhada, sem juízo, iludida, embriagada por delírios, merece punição por
danos causados ao patrimônio público; mas, não através de decisões que se aproveitem
da cegueira da Justiça, para usá-la como justiceiro de cadafalso.