terça-feira, 5 de setembro de 2023

 

        O RAP SEM REBOLADO DA JUSTIÇA ELEITORAL

Sob o slogan “na hora da verdade, a democracia fala mais alto”, a Justiça Eleitoral agora está aparecendo na televisão em ritmo de “rap”. Para quem não sabe: “rap” é um discurso com trilha sonora, coalhado de insatisfações e antíteses, inventado por afrodescendentes nos Estados Unidos. No “rap” da Justiça eleitoral, porém, não aparece a deslumbrante paisagem de traseiros rebolando ao ritmo dos quadris. E, embora o discurso seja sobre “democracia e respeito de diferenças” lá também não aparecem loiras de cabelos compridos, soltos, sacudidos pelo embalo forte da percussão.

O discurso é cantado por atores cujo rosto estampa uma expressão fechada, onde não há espaço para um sorriso, porque a cena do vídeo expedido pela Justiça Eleitoral sugere desavença entre um casal e soa como um “justiciamento de las brujas”: “liberdade de expressão não é licença pra espalhar mentira, ódio, golpe, desavença; democracia é conquista, não é sorte; pode recuar que a consciência aqui é forte”.

Além de não transmitir, quer por expressões cênicas, quer no seu conteúdo, uma conclamação à concórdia, ao apaziguamento dos ânimos, o discurso da Justiça Eleitoral investe na força dos mais poderosos: “democracia é conquista: pode recuar que a consciência aqui é forte”. Da expressão “pode recuar” soa um sentido de imposição, de autoridade, de força. Aliada ao substantivo “conquista”, a referida expressão sugere guerra, domínio, e não paz.

E toda essa toada fora de lugar se explica pela simples razão de que a Justiça Eleitoral não tem competência legal para fazer o que fez. O vídeo divulgado como se fosse da Justiça Eleitoral outra coisa não é senão obra do Tribunal Superior Eleitoral. Esse tem sua competência definida no artigo 22 do Código Eleitoral, instituído pela Lei nº 4737, de 15 de julho de 1965, e nessa competência se ressaltam os verbos “processar e julgar”, no que diz respeito à função jurisdicional.  No artigo 23 do mesmo Código estão definidas suas funções administrativas, atinentes à organização e ao desenvolvimento dos serviços exigidos pela finalidade principal do tribunal que é somente “processar e julgar”.

O dispositivo que permite interpretação extensiva da competência do TSE é o inciso XVIII do referido artigo 23: “tomar quaisquer outras providências que julgar convenientes à execução da legislação eleitoral”. Mas, nenhum artigo da “legislação eleitoral” confere ao referido Tribunal a faculdade de usar dinheiro do povo, para pagar publicidade arvorada em intérprete dos direitos desse mesmo povo.

A obediência aos “princípios da legalidade e da moralidade” é imposição do artigo 37 da Constituição Federal à “administração pública de qualquer dos Poderes da União, dos Estados e dos Municípios”. O que legal não é, não pode ser patrocinado pelos cofres públicos.

A democracia que fala mais alto é essa: o povo escolheu seus representantes, os constituintes, e esses, em nome dele, promulgaram uma Constituição que, “comprometida com a solução pacífica das controvérsias”, lhe concede liberdade, não lhe tapa a boca, não o amordaça. Diante dessa Constituição, o rap do TSE perde o rebolado.

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