O RAP SEM REBOLADO DA JUSTIÇA ELEITORAL
Sob o slogan “na
hora da verdade, a democracia fala mais alto”, a Justiça Eleitoral agora está
aparecendo na televisão em ritmo de “rap”. Para quem não sabe: “rap” é um
discurso com trilha sonora, coalhado de insatisfações e antíteses, inventado
por afrodescendentes nos Estados Unidos. No “rap” da Justiça eleitoral, porém,
não aparece a deslumbrante paisagem de traseiros rebolando ao ritmo dos quadris.
E, embora o discurso seja sobre “democracia e respeito de diferenças” lá também
não aparecem loiras de cabelos compridos, soltos, sacudidos pelo embalo forte
da percussão.
O discurso é cantado
por atores cujo rosto estampa uma expressão fechada, onde não há espaço para um
sorriso, porque a cena do vídeo expedido pela Justiça Eleitoral sugere
desavença entre um casal e soa como um “justiciamento de las brujas”: “liberdade
de expressão não é licença pra espalhar mentira, ódio, golpe, desavença; democracia
é conquista, não é sorte; pode recuar que a consciência aqui é forte”.
Além de não
transmitir, quer por expressões cênicas, quer no seu conteúdo, uma conclamação
à concórdia, ao apaziguamento dos ânimos, o discurso da Justiça Eleitoral
investe na força dos mais poderosos: “democracia é conquista: pode recuar que a
consciência aqui é forte”. Da expressão “pode recuar” soa um sentido de
imposição, de autoridade, de força. Aliada ao substantivo “conquista”, a
referida expressão sugere guerra, domínio, e não paz.
E toda essa toada
fora de lugar se explica pela simples razão de que a Justiça Eleitoral não tem
competência legal para fazer o que fez. O vídeo divulgado como se fosse da Justiça
Eleitoral outra coisa não é senão obra do Tribunal Superior Eleitoral. Esse tem
sua competência definida no artigo 22 do Código Eleitoral, instituído pela Lei
nº 4737, de 15 de julho de 1965, e nessa competência se ressaltam os verbos
“processar e julgar”, no que diz respeito à função jurisdicional. No artigo 23 do mesmo Código estão definidas suas
funções administrativas, atinentes à organização e ao desenvolvimento dos
serviços exigidos pela finalidade principal do tribunal que é somente
“processar e julgar”.
O dispositivo que
permite interpretação extensiva da competência do TSE é o inciso XVIII do referido
artigo 23: “tomar quaisquer outras providências que julgar convenientes à
execução da legislação eleitoral”. Mas, nenhum artigo da “legislação eleitoral”
confere ao referido Tribunal a faculdade de usar dinheiro do povo, para pagar
publicidade arvorada em intérprete dos direitos desse mesmo povo.
A obediência aos “princípios
da legalidade e da moralidade” é imposição do artigo 37 da Constituição Federal
à “administração pública de qualquer dos Poderes da União, dos Estados e dos
Municípios”. O que legal não é, não pode ser patrocinado pelos cofres públicos.
A democracia que fala
mais alto é essa: o povo escolheu seus representantes, os constituintes, e
esses, em nome dele, promulgaram uma Constituição que, “comprometida com a
solução pacífica das controvérsias”, lhe concede liberdade, não lhe tapa a
boca, não o amordaça. Diante dessa Constituição, o rap do TSE perde o rebolado.
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