ERA UMA VEZ UMA DEUSA
A pobreza
intelectual, entalada em certas decisões judiciais, só surpreende a quem não
sabe como são feitas as leis, a salsicha e as indicações para os cargos de
ministro dos tribunais superiores.
Esse fenômeno tem
origem numa mudança de costumes que vem
se operando na sociedade, não da forma lenta e gradual que é própria da
evolução humana, mas pela força da tecnologia. As chamadas “redes sociais” são as
principais responsáveis por essa rapidez de mudanças que alcançam várias
gerações ao mesmo tempo. E foi assim, graças à força de uma comunicação sem
limites, que a clausura da Justiça, onde se abrigavam provectos senhores
antigamente, foi aberta.
Foi o próprio Supremo
Tribunal Federal que, por primeiro, deu ouvido a certos clamores, para dar
impulso às mudanças no próprio sistema de governo, usurpando as funções do
Legislativo. Sustentado em arremedos de filosofia importada por um juiz gaúcho,
o ministro Luiz Fux lançou mão de um expediente não reconhecido no Direito como
modo de interpretação: ignorou o sentido das palavras “homem e mulher” no §3º
do artigo 226 da Constituição Federal, para permitir a união estável a pessoas
do mesmo sexo. Ou seja, reformou Constituição, função que é exclusiva do Poder
Legislativo. Foi uma decisão de natureza política, porque a ciência do Direito
não a autorizava.
A apatia do Poder
Legislativo foi um dos fatos que promoveram a transformação da clausura do
Judiciário em palco de cortinas levantadas, com apresentações imunes à censura
e à proibição para “menores”. Mas, o surgimento do então juiz Sérgio Moro como
figura pública foi, provavelmente, o ponto de partida mais palpável para a popularização
do Judiciário, transformando-o em assunto preferido para manchetes na imprensa
e tema para mesas de bar, comentários de taxistas e barbeiros.
Não foi preciso
muito tempo para que o então magistrado fosse guindado ao posto de herói
nacional, munido de escudo e espada para atacar a corrupção na política brasileira.
Era tudo o que o povo via nele: o seu representante para materializar o desejo
de botar na cadeia políticos que enriquecem com o dinheiro do contribuinte. A
fama e o poder do ídolo criado pelo imaginário popular lhe emprestaram coragem
para ultrapassar limites na interpretação da lei, como fizera Fux. E a chamada
operação “Lava Jato” passou a ser usada como forma coercitiva de obter provas,
através da delação premiada. Eram presos supostos corruptores, para entregarem
os corrompidos.
Arrastado pelo
caudal da “Lava Jato”, Lula foi parar na cena judiciária, como o anti-herói que
alimentava a fama crescente de Sérgio Moro. E esse acabou embretado: se
absolvesse Lula, despencaria para o abismo da repulsa popular; se o condenasse,
teria consolidada sua imagem como ídolo. Um drama que juiz nenhum gostaria de
viver.
A condenação
sobreveio como um trançado inextricável, entretecido com fios de delação. Desde
então o Brasil se dividiu, porque a trança, não podendo ser desenleada na forma
da lei, foi decepada pela espada da Justiça. E a deusa Têmis perdeu sua
divindade em Brasília.
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