sexta-feira, 22 de setembro de 2023

 

                                                      ERA UMA VEZ UMA DEUSA

A pobreza intelectual, entalada em certas decisões judiciais, só surpreende a quem não sabe como são feitas as leis, a salsicha e as indicações para os cargos de ministro dos tribunais superiores.

Esse fenômeno tem origem numa mudança de costumes que  vem se operando na sociedade, não da forma lenta e gradual que é própria da evolução humana, mas pela força da tecnologia. As chamadas “redes sociais” são as principais responsáveis por essa rapidez de mudanças que alcançam várias gerações ao mesmo tempo. E foi assim, graças à força de uma comunicação sem limites, que a clausura da Justiça, onde se abrigavam provectos senhores antigamente, foi aberta.

Foi o próprio Supremo Tribunal Federal que, por primeiro, deu ouvido a certos clamores, para dar impulso às mudanças no próprio sistema de governo, usurpando as funções do Legislativo. Sustentado em arremedos de filosofia importada por um juiz gaúcho, o ministro Luiz Fux lançou mão de um expediente não reconhecido no Direito como modo de interpretação: ignorou o sentido das palavras “homem e mulher” no §3º do artigo 226 da Constituição Federal, para permitir a união estável a pessoas do mesmo sexo. Ou seja, reformou Constituição, função que é exclusiva do Poder Legislativo. Foi uma decisão de natureza política, porque a ciência do Direito não a autorizava.

A apatia do Poder Legislativo foi um dos fatos que promoveram a transformação da clausura do Judiciário em palco de cortinas levantadas, com apresentações imunes à censura e à proibição para “menores”. Mas, o surgimento do então juiz Sérgio Moro como figura pública foi, provavelmente, o ponto de partida mais palpável para a popularização do Judiciário, transformando-o em assunto preferido para manchetes na imprensa e tema para mesas de bar, comentários de taxistas e barbeiros.

Não foi preciso muito tempo para que o então magistrado fosse guindado ao posto de herói nacional, munido de escudo e espada para atacar a corrupção na política brasileira. Era tudo o que o povo via nele: o seu representante para materializar o desejo de botar na cadeia políticos que enriquecem com o dinheiro do contribuinte. A fama e o poder do ídolo criado pelo imaginário popular lhe emprestaram coragem para ultrapassar limites na interpretação da lei, como fizera Fux. E a chamada operação “Lava Jato” passou a ser usada como forma coercitiva de obter provas, através da delação premiada. Eram presos supostos corruptores, para entregarem os corrompidos.

Arrastado pelo caudal da “Lava Jato”, Lula foi parar na cena judiciária, como o anti-herói que alimentava a fama crescente de Sérgio Moro. E esse acabou embretado: se absolvesse Lula, despencaria para o abismo da repulsa popular; se o condenasse, teria consolidada sua imagem como ídolo. Um drama que juiz nenhum gostaria de viver.

A condenação sobreveio como um trançado inextricável, entretecido com fios de delação. Desde então o Brasil se dividiu, porque a trança, não podendo ser desenleada na forma da lei, foi decepada pela espada da Justiça. E a deusa Têmis perdeu sua divindade em Brasília.

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