sexta-feira, 23 de agosto de 2024

 

O PODER DOS HACKERS

Levantada pelo jornal Folha de São Paulo, uma notícia surgiu como bomba, na semana passada. O gabinete do ministro do STF Alexandre de Moraes, segundo o jornal, teria usado mensagens de modo “não oficial”, para que a Justiça Eleitoral produzisse relatórios sobre a atuação de aliados de Jair Bolsonaro. Esses documentos teriam servido para embasar decisões do referido ministro no famigerado inquérito das fake News, levado a efeito no Supremo Tribunal Federal.

O texto jornalístico pareceu meio receoso, usando uma expressão amena, ao afirmar que os assessores teriam usado mensagens “de modo não oficial”.

No mundo de hoje, graças à tecnologia e ao domínio dos hackers, é muito difícil tapar o sol com a peneira: falou ao telefone ou escreveu em computador, o sujeito estará exposto a chuvas e trovoadas. Como está agora o tal ministro, numa situação que se assemelha a excremento de passarinho sobre a careca.

O Gilmar Mendes, aquele que, para o senhor Barroso, “é uma mistura do mal com o atraso”, em sessão do STF, cuja pauta principal parece ter sido a plena defesa do espírito de corpo, disse que “a censura que se tem dirigido ao ministro Alexandre, na sua grande maioria, parte de setores que buscam enfraquecer a atuação do Poder Judiciário... e qualquer tentativa deliberada e infundada de intimidar ou desacreditar um ministro do Supremo deve ser veementemente repudiada”

Ora, o Poder Judiciário não precisa ser “enfraquecido”, ninguém consegue deixá-lo mais fraco do que já está. Que o diga quem precisa de Justiça, quem morre esperando por ela. E mais: ninguém precisa tentar “desacreditar” ministros daquela Corte. A Corte é que deve se fazer acreditar, operando justiça dentro da lei, seguindo o devido processo legal, e não deixando margem para supor parcialidade, favorecimentos. Se quiserem se tornar juízes respeitáveis, os ministros devem se desatrelar da ambição de serem personagens da história como figuras públicas intocáveis, donos absolutos da verdade, imunes a críticas.

Por seu turno, Barroso, o acima mencionado senhor, que até para xingar faz poesia, apresentou, ao distinto público, certificado de seus conhecimentos de Direito Eleitoral. Na referida sessão em que se levantavam vozes para engrossar o espírito de corpo, (“de corpo”, não pensem outra coisa) Barroso atribuiu a Moraes o “poder de polícia”, constante do artigo 41 da Lei nº 9.504/97.

Melhor seria que Sua Excelência tivesse calado, para não enfraquecer o Judiciário. No § 1º do artigo 41, a Lei 9.504/97 estabelece: “o poder de polícia sobre a propaganda eleitoral será exercido pelos juízes eleitorais e pelos juízes designados pelos Tribunais Regionais Eleitorais. E o § 2º: “o poder de polícia se restringe às providências necessárias para inibir práticas ilegais, vedada a censura prévia”...

O “poder de polícia” tem limites: seus detentores são os juízes eleitorais, com a finalidade de “inibir práticas ilegais” na propaganda. O presidente do TSE não é juiz eleitoral. Na instância colegiada, as funções do “juiz eleitoral” são cometidas ao Tribunal. E “inibir” nunca foi sinônimo de punir, ou instruir inquéritos criminais.

 

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

 

        A MORTE SORRATEIRA

A mudez da caixa preta do avião tristemente despedaçado em Vinhedo, provavelmente dirá tudo: não houve comunicação de pouso de emergência. A tragédia não se fez anunciar. A trama dos acasos, que urdem fatalidades, não permitiu qualquer tentativa de salvação.

Ninguém teve tempo, nem consciência, para sofrer a pressão torturante do pavor, a gélida agonia do fim. A morte chegou sorrateira, de improviso. Veio para colocar um ponto final inesperado em histórias de amor ou de ódio. Nem ela, a morte, se concedeu o tempo de aguçar em suas vítimas o terror diante de uma dor física inevitável e da certeza de que estava tudo acabando.

Ninguém teve tempo, nem consciência, para se desfazer de todas as preocupações, traumas, carências, culpas e medos porque, antes desses, o que os levara para aquela viagem tinham sido sentimentos impulsionados pela razão de viver.  E foram esses sentimentos que os acasos reuniram numa viagem, cujo ponto final seria a morte.

Ninguém teve tempo, nem consciência, para notar que a razão começava a se embotar, ao impulso de uma vertigem. Ninguém teve tempo, nem consciência, para se sentir asfixiado. Ninguém teve tempo, nem consciência de se sentir entorpecido com a indiferença pela vida ou pela morte.

Todos, até aquele momento, só se ocupavam de alegrias, expectativas, sonhos, planos, desejos e esperanças. Como a menina, de apenas três aninhos, embalada na alegria de ficar ao lado do pai, no dia dele. Como o menino que viajava com a mãe, a avó e o cachorrinho. Como as médicas, que ali estavam, seduzidas pelo aperfeiçoamento em pesquisas para escorraçar a morte de pacientes seus, que depositavam nelas a esperança de viver. Eram médicas especializadas em oncologia, o mais temível e terrível anúncio do fim da vida. Todos estavam no mesmo avião, mas cada qual com o seu destino, seu objetivo e suas razões para fazer da vida um instrumento de alegria.

O avião, aquela potência metálica gerada pela inteligência humana para encurtar distâncias na busca de conhecimentos científicos, negócios, encontros sentimentais e tantas outras necessidades humanas, se transformara, num átimo, em mísera folha de papel que, desgovernada pelo vento, girava em torno de si mesma, envolta em chamas, destruindo vidas, das quais sobraram apenas saudades que só as lágrimas conseguem descrever.

A súbita mudança de posição da aeronave, de horizontal para vertical, em altíssima velocidade, despencando em parafuso na direção do solo, deve ter desencadeado vertigem em todos seus ocupantes, independentemente da despressurização. A consciência de estarem vivos deve tê-los abandonado, desaparecendo em frações de segundos, sem lhes dar tempo para qualquer sensação física ou psíquica.

Ninguém teve tempo de pedir perdão ou de dizer adeus. Ninguém teve medo e nem consciência, para recitar sequer uma oração suplicante, resumida em duas palavras, ainda que fossem ditadas mais pelo impulso do desespero do que por fé: “meu Deus”!

Ninguém teve tempo e nem consciência para saber que estava morrendo. Esse é o único consolo, que a dor de quem os perdeu para sempre deixa escapar.