FELIZ ANO NOVO, DE NOVO
João Eichbaum
Azáfama adoidado, véspera de ano novo.
Mercado superlotado, filas de carrinhos junto aos caixas. A mocetona de sólidos
traseiros, quadris de sereia, busto de deusa grega, piercing na narina
esquerda, bochechas cheias, e o olhar de quem “não tá nem aí”, botou suas compras na esteira: uma cerveja alemã, uma
brasileira, um pote de creme e um pacote de camisinhas Jontex.
Nada muda no ano novo. A vida, como é
vulgarmente denominado, do ponto de vista social, esse cruzamento de interesses
individuais no grupo dos animais humanos, vai continuar a mesma. Claro que, do
ponto de vista biológico, pode haver mudanças na vida de cada um, ou até mesmo
dentro do grupo humano, porque a natureza tem suas regras, contra as quais nem
sempre a ciência leva vantagem. Mas, nada disso acontecerá simplesmente porque o
ano de 2019 está sendo varejado porta a fora.
Do ponto de vista social, nada muda.
Entra ano e sai ano, é sempre a mesma lengalenga: a classe média e os pobres,
explorados, respectivamente, pelos políticos e pelos ricos. Inflação,
desemprego, salário baixo, violência, saúde mais para a morte do que para a
vida nos estratos inferiores, enquanto os dos estratos superiores se acomodam
no luxo ou, na pior das hipóteses, no Hospital Sírio Libanês.
Apesar dessa eterna mesmice, em véspera
de arrancar folhinha de janeiro o povo se enche de esperanças, como se a
mudança de calendário fosse capaz de, por si só, fazer milagres, dando um jeito
melhor na vidinha de cada um. E as esperanças individuais, engrandecidas, se
refletem no grupo. E o espírito festivo do Natal se emenda às esperanças de que
o Ano Novo revogue os malfeitos do Ano Velho ou de uma vida inteira cheia de
maldades, de insucessos ou de esperanças desfeitas.
Enfim, assim funciona o mundo, movido a
calendário gregoriano: na passagem de um ano para outro, os animais humanos
apuram seus instintos de conservação. Querem viver mais e melhor servidos nas
coisas da vida, no ano que está por entrar. Para isso, fazem das ruas um
labirinto babélico, se acotovelando, se atropelando, se abastecendo, como se
fosse tudo a última vez na vida.
Espírito de festa mais esperança, só pode
dar outra festa. E cada um festeja a mudança do ano, à meia-noite, como pode.
Alguns com fogos de artifício, promovendo artes de luz ou infernizando a vida
dos cachorros com estrondos ensurdecedores. Outros, com homéricos porres. Há
também os que se entregam a ritos supersticiosos: lentilha, roupa branca,
lombinho de porco, calcinha e cueca amarela, etc.
Há quem prefira coisas mais
simples, mais do indivíduo do que do animal social, mesmo que nada implique
mudanças, porque há coisas boas na vida, que independem do calendário. Como a
moçoila, que se supriu de camisinhas e saiu feliz. Nem podia ser de outra
forma. Quem se prepara para emendar um ano no outro com o melhor dos
divertimentos a que costumam se entregar os animais humanos, só pode sentir uma
feliz entrada de ano novo.
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