sexta-feira, 27 de dezembro de 2019


FELIZ ANO NOVO, DE NOVO

João Eichbaum

Azáfama adoidado, véspera de ano novo. Mercado superlotado, filas de carrinhos junto aos caixas. A mocetona de sólidos traseiros, quadris de sereia, busto de deusa grega, piercing na narina esquerda, bochechas cheias, e o olhar de quem “não tá nem aí”, botou suas  compras na esteira: uma cerveja alemã, uma brasileira, um pote de creme e um pacote de camisinhas Jontex.

Nada muda no ano novo. A vida, como é vulgarmente denominado, do ponto de vista social, esse cruzamento de interesses individuais no grupo dos animais humanos, vai continuar a mesma. Claro que, do ponto de vista biológico, pode haver mudanças na vida de cada um, ou até mesmo dentro do grupo humano, porque a natureza tem suas regras, contra as quais nem sempre a ciência leva vantagem. Mas, nada disso acontecerá simplesmente porque o ano de 2019 está sendo varejado porta a fora.

Do ponto de vista social, nada muda. Entra ano e sai ano, é sempre a mesma lengalenga: a classe média e os pobres, explorados, respectivamente, pelos políticos e pelos ricos. Inflação, desemprego, salário baixo, violência, saúde mais para a morte do que para a vida nos estratos inferiores, enquanto os dos estratos superiores se acomodam no luxo ou, na pior das hipóteses, no Hospital Sírio Libanês.

Apesar dessa eterna mesmice, em véspera de arrancar folhinha de janeiro o povo se enche de esperanças, como se a mudança de calendário fosse capaz de, por si só, fazer milagres, dando um jeito melhor na vidinha de cada um. E as esperanças individuais, engrandecidas, se refletem no grupo. E o espírito festivo do Natal se emenda às esperanças de que o Ano Novo revogue os malfeitos do Ano Velho ou de uma vida inteira cheia de maldades, de insucessos ou de esperanças desfeitas.

 Enfim, assim funciona o mundo, movido a calendário gregoriano: na passagem de um ano para outro, os animais humanos apuram seus instintos de conservação. Querem viver mais e melhor servidos nas coisas da vida, no ano que está por entrar. Para isso, fazem das ruas um labirinto babélico, se acotovelando, se atropelando, se abastecendo, como se fosse tudo a última vez na vida.

Espírito de festa mais esperança, só pode dar outra festa. E cada um festeja a mudança do ano, à meia-noite, como pode. Alguns com fogos de artifício, promovendo artes de luz ou infernizando a vida dos cachorros com estrondos ensurdecedores. Outros, com homéricos porres. Há também os que se entregam a ritos supersticiosos: lentilha, roupa branca, lombinho de porco, calcinha e cueca amarela, etc.

 Há quem prefira coisas mais simples, mais do indivíduo do que do animal social, mesmo que nada implique mudanças, porque há coisas boas na vida, que independem do calendário. Como a moçoila, que se supriu de camisinhas e saiu feliz. Nem podia ser de outra forma. Quem se prepara para emendar um ano no outro com o melhor dos divertimentos a que costumam se entregar os animais humanos, só pode sentir uma feliz entrada de ano novo.





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