DO DEFICIENTE SABER JURÍDICO
E SUAS CIRCUNSTÂNCIAS
João Eichbaum
Leia bem o que está
escrito no art. 43 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal: “ocorrendo
infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente
instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua
jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro”.
Leu? Vamos então
dissecá-lo. Primeiro, do ponto de vista do vernáculo. Infração penal é o ato
que atrai punição prevista no Código Penal e nas leis avulsas que contemplam
matérial criminal. Nesse ato somente se envolve a pessoa ou as pessoas que o
praticam, ou seja, quem comete o delito. Já ocorrência é outra coisa.
Ocorrência penal é um fato do qual fazem parte o autor da infração e sua vítima.
Então, o presidente só
poderá instaurar inquérito, em caso de infração penal ocorrida “na sede ou
dependência do Tribunal”, cometida por “autoridade ou pessoa sujeita à sua
jurisdição”. Se houver “ocorrência penal” de que seja vítima “pessoa sujeita” à
jurisdição da Corte, só resta uma providência: noticiar o fato à autoridade
competente. Viu que diferença faz, no Direito Penal, o conhecimento do
vernáculo?
Mas, tem mais. O delito
deve ser praticado na “sede ou dependência do Tribunal”. Assim, se alguém, de
dentro de sua casa, no computador, ou na rua em frente ao Tribunal, ofender
algum ministro, ou ameaçá-lo com bofetadas, não poderá ser submetido ao
inquérito previsto no art. 43, por duas razões. A primeira delas: como autor do
delito, não está submetido à jurisdição do Tribunal. A segunda: sede ou
dependência é substantivo concreto. Não pode ser substituído por uma ideia, que
é substantivo abstrato. Ah, e aqui uma coisa muito importante. Quando se trata
de matéria penal, o único modo de interpretação permitido é a interpretação
literal. Qualquer estudante do primeiro ano de Direito sabe disso: a analogia
não é permitida como modo de interpretação.
Não sabe o que é
analogia? Analogia é o mesmo que semelhança. E interpretação por analogia é um
faz de conta. Assim: faz de conta que a rua, ou a casa de quem ofendeu e
ameaçou ministros do STF, seja a “sede ou dependência do Tribunal”. Pois um dos
princípios que regulam o Direito Penal em todo mundo é esse: só vale o que está
escrito, e não o que o intérprete acha que está escrito.
Bom, se você não souber
distinguir a diferença entre os substantivos “infração” e “ocorrência”, nem
entendeu nada do que foi dito aí acima, não faça concurso para juiz: será reprovado. Mas, em compensação, você
terá chances melhores. Se tiver um padrinho político, seus deficientes saberes
jurídicos e seu analfabetismo funcional poderão ser aproveitados nos mais altos
cargos da República.
Aí você vai se achar a
quintessência do ótimo: um deus, um intocável, com cuja presença o mundo se
sente honrado. Você vai se considerar acima de tudo e de todos, com direito a
pajens que lhe ajudem a ajeitar na cadeira a abundância de suas partes traseiras,
etc, etc...