O INQUÉRITO ILEGAL DO STF
João Eichbaum
A atividade do médico
pressupõe conhecimento de uma das áreas mais complicadas: a anatomia do ser
humano. A do engenheiro, o domínio da intrincadíssima matemática. Mas, para ser
bacharel, mestre, doutor em direito, juiz, desembargador e ministro de
tribunais, basta conhecer a linguagem. Basta saber ler e escrever.
Entretanto, por incrível
que pareça, há gente que, sem ter o pleno domínio desse instrumento, chega aos
píncaros da glória com o diploma de bacharel ou doutor na mão, só porque sabe
pronunciar palavras, ou seja, só porque sabe falar.
Está assim redigido o
art. 43 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal: “ocorrendo infração à
lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará
inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou
delegará esta atribuição a outro Ministro.
Baseado nesse artigo,
Dias Toffoli instaurou inquérito para apurar “fake news”, ofensas ao STF,
calúnias e ameaças contra ministros e
seus familiares.
Quem sabe ler, não terá
dificuldade em interpretar a expressão do artigo 43: “se envolver autoridade ou
pessoa sujeita à sua jurisdição”. A conjunção “ou” tem dois sentidos. Um, de
alternância, outro de exclusão. No caso, só pode ser de alternância. E isso, em
outras palavras, quer dizer o seguinte: ocorrendo infração penal que atraia,
para julgamento, a jurisdição do STF, o presidente da corte instaurará inquérito.
O vocábulo “autoridade” é
uma excrescência que beira o absurdo. É como se “autoridade” não fosse uma
pessoa como qualquer outra. Então, se for suprimida a palavra “autoridade” não
mudará o sentido do texto. Basta que qualquer pessoa sujeita à jurisdição do
STF, autoridade ou não, esteja envolvida em infração penal ocorrida “na sede ou
dependência” daquele tribunal, para permitir que o presidente instaure o
inquérito.
E isso já basta para
desnudar a inconstitucionalidade do famigerado artigo 43, por uma simples
razão: ele afronta o “caput” do artigo 5º da Constituição Federal, segundo o
qual “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”
Acontece que a
competência para “apurar infrações penais” é atribuída, no § 4º do art. 144 da
Constituição Federal, às polícias civis. E a única exceção prevista naquele
dispositivo é a das infrações penais militares. Absurdo dos absurdos, infame
heresia jurídica, seria admitir que o Regimento Interno do STF pudesse alterar
a Constituição Federal, incluindo outra exceção nela não prevista.
Mas, não é só isso. Quem
é que “se envolve” em “infração penal”? Ora, só quem dela participa como autor.
Portanto, o autor de infração penal é que teria de ser “pessoa sujeita à
jurisdição do Tribunal”.
O inquérito das “fake
news”, presidido por Alexandre de Moraes persegue pessoas que “não estão
sujeitas à jurisdição” do STF e, se praticaram alguma infração, não o fizeram
“na sede ou dependência do Tribunal”.
O STF extraiu o Direito
do seu avesso, e isso só tem uma explicação: o mal-estar causado pelos
impropérios ao Tribunal é bem maior do que a capacidade de seus membros para
interpretação de textos.
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