quinta-feira, 18 de junho de 2020


O INQUÉRITO ILEGAL DO STF
João Eichbaum

A atividade do médico pressupõe conhecimento de uma das áreas mais complicadas: a anatomia do ser humano. A do engenheiro, o domínio da intrincadíssima matemática. Mas, para ser bacharel, mestre, doutor em direito, juiz, desembargador e ministro de tribunais, basta conhecer a linguagem. Basta saber ler e escrever.

Entretanto, por incrível que pareça, há gente que, sem ter o pleno domínio desse instrumento, chega aos píncaros da glória com o diploma de bacharel ou doutor na mão, só porque sabe pronunciar palavras, ou seja, só porque sabe falar.

Está assim redigido o art. 43 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal: “ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro.

Baseado nesse artigo, Dias Toffoli instaurou inquérito para apurar “fake news”, ofensas ao STF, calúnias e  ameaças contra ministros e seus  familiares.

Quem sabe ler, não terá dificuldade em interpretar a expressão do artigo 43: “se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição”. A conjunção “ou” tem dois sentidos. Um, de alternância, outro de exclusão. No caso, só pode ser de alternância. E isso, em outras palavras, quer dizer o seguinte: ocorrendo infração penal que atraia, para julgamento, a jurisdição do STF, o presidente da corte instaurará inquérito.

O vocábulo “autoridade” é uma excrescência que beira o absurdo. É como se “autoridade” não fosse uma pessoa como qualquer outra. Então, se for suprimida a palavra “autoridade” não mudará o sentido do texto. Basta que qualquer pessoa sujeita à jurisdição do STF, autoridade ou não, esteja envolvida em infração penal ocorrida “na sede ou dependência” daquele tribunal, para permitir que o presidente instaure o inquérito.

E isso já basta para desnudar a inconstitucionalidade do famigerado artigo 43, por uma simples razão: ele afronta o “caput” do artigo 5º da Constituição Federal, segundo o qual “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”

Acontece que a competência para “apurar infrações penais” é atribuída, no § 4º do art. 144 da Constituição Federal, às polícias civis. E a única exceção prevista naquele dispositivo é a das infrações penais militares. Absurdo dos absurdos, infame heresia jurídica, seria admitir que o Regimento Interno do STF pudesse alterar a Constituição Federal, incluindo outra exceção nela não prevista.

Mas, não é só isso. Quem é que “se envolve” em “infração penal”? Ora, só quem dela participa como autor. Portanto, o autor de infração penal é que teria de ser “pessoa sujeita à jurisdição do Tribunal”.

O inquérito das “fake news”, presidido por Alexandre de Moraes persegue pessoas que “não estão sujeitas à jurisdição” do STF e, se praticaram alguma infração, não o fizeram “na sede ou dependência do Tribunal”.

O STF extraiu o Direito do seu avesso, e isso só tem uma explicação: o mal-estar causado pelos impropérios ao Tribunal é bem maior do que a capacidade de seus membros para interpretação de textos.


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