quinta-feira, 11 de junho de 2020


O ARTIGO 142 (II)
João Eichbaum

O finado Ulisses Guimarães e a sua turma escreveram, no artigo 142 da Constituição: “as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Usada indevidamente para ligar a oração principal a uma oração explicativa, a conjunção aditiva “e” (“e destinam-se”) agride as vistas e os ouvidos de quem tem intimidade com a língua portuguesa.

Do Direito mal escrito não se pode extrair raciocínio depurado pela lógica. As impropriedades gramaticais tiram a clareza da expressão. E aí cada jurista toma o rumo que lhe convém, ou que calha no tamanho de sua cultura.

Em artigo publicado no jornal Valor, as jornalistas Isadora Peron e Luíza Martins transcrevem trechos de uma entrevista com Gilmar Mendes. Segundo elas “o ministro não vê como papel das Forças Armadas avaliar quando um Poder invade a competência do outro. Ele rebateu uma declaração recente do procurador-geral da República, Augusto Aras, que defendeu que o artigo 142 da Constituição prevê que, em caso de interferência, os militares devem garantir o “funcionamento dos Poderes constituídos”. E mais disse o loquaz Gilmar: “Acho que se instalou no país uma grande loucura, uma grande confusão. Recentemente eu disse que essa tese é uma tese de lunáticos. É uma viagem de lunáticos. O artigo 142 tem uma discussão muito importante que é a missão das Forças Armadas para proteger poderes constitucionais e assegurar a lei e a ordem a pedido de um dos Poderes, mas é só isso”.

O que Gilmar Mendes não disse, mas deveria dizer, se conhece a fundo o Direito Constitucional, é que o artigo 142 não é autoexecutável. Ele precisa de uma lei que o  torne exequível, se e quando necessário for. E aí  se apresenta com tal finalidade a Lei Complementar nº 97.

No artigo 15 ela estabelece: “o emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República...”

E no §2º: “ a atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal”.

Lógico, sendo o Presidente da República a “autoridade suprema” das Forças Armadas, compete-lhe decidir sobre a atuação delas. Portanto, para  a garantir o exercício constitucional do Poder Executivo, que está sendo solapado acintosamente por decisões do Judiciário, cabe ao Presidente convocar seus comandados. Basta uma voz de comando máscula, intimorata, para mostrar que nos poderes constitucionais não há dança de cadeiras.

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