quinta-feira, 20 de agosto de 2020

 

A GANGORRA DA JUSTIÇA

Os homens criam seus deuses, elegendo as próprias tendências e engenhos como modelo do caráter dessas divindades. A mitologia, gerada por crenças e religiões, tem suas balizas nas limitações do animal humano. Como esse não conhece deuses, só pode imaginá-los dentro dos limites de suas fantasias.

A deusa Têmis, criada pela mitologia grega, tinha ascendência divina. Seu pai era o deus Urano, com o qual a mãe-terra, Gaia, se envolvera, para criar o lar eterno dos deuses. Mas Gaia também teve casos com Ponto e Éter. E Urano, um deus lascivo, acabou sendo castrado pelo filho Kronos e teve os testículos jogados no mar.  Têmis, crescida dentro dessa família intrincada e ricamente fantasiosa da mitologia grega, casou-se com o sobrinho Zeus, filho do malvado Kronos.

Essa foi a deusa adotada no mundo inteiro como símbolo da Justiça. Em Brasília lá está, esculpida em pedra, vendada, com os escondidos de cima meio à mostra, estabelecida na frente do Supremo Tribunal Federal. Logo ela, que não teve modelos de convivência com equilíbrio, está servindo de paradigma para a justiça. Resultado: mais é usada sua espada para castrar, do que a balança para equilibrar direitos, dando a cada o que é seu. É dentro de si que, atiçado por suas inclinações e tendências, por impulsos momentâneos de conveniência, cada juiz busca razões para decidir.

Vejam o caso do Queiroz e a mulher dele. O Ministério Público instaurou inquérito a partir de movimentações bancárias “atípicas” de Fabrício Queiroz. Quis interrogá-lo, mas Queiroz não compareceu ao interrogatório. Então oferecida denúncia, ao que parece, por crime de “rachadinha”, foi decretada a prisão não só do Queiroz como de sua mulher. Com relação a essa, não se tem a menor ideia de que crime tenha ela cometido.

O juiz Flávio Nicolau, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, usando do poder que a lei lhe concede, gastou quarenta e seis páginas, copiando a denúncia oferecida pelo Ministério Público para decretar a prisão de Fabrício Queiroz e da mulher dele.

Luiz Otávio Noronha, presidente do STJ, concedeu Habeas Corpus a Fabrício Queiroz, em razão das condições de saúde do paciente, alegamente precárias, outorgando-lhe a prisão domiciliar. Na carona, a mulher de Queiroz foi para casa também.

Mas, recebendo os autos, o ministro relator original da causa, Félix Fischer, como diz a imprensa, “derrubou a prisão domiciliar” do casal.

Por último, Gilmar Mendes, “derrubando” a ordem de prisão determinada por Fischer, concedeu ao casal a graça inconcebível de permanecer no remanso do lar com tornozeleira. Para isso, meteu o dedo na fragilidade dos argumentos unilaterais do Ministério Público, usados pelo juiz Flávio Nicolau.

Hoje, no Brasil, a justiça não passa de um repositório de vaidades, cujo agente é o poder. No espetáculo forense, os réus servem como gangorra para a deusa: um juiz ora está por cima, ora está por baixo. E quem necessita dessa justiça precisa suportar a certeza de que o ego deles, juízes, é o filtro pelo qual passa a lei.

 

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