A GANGORRA DA JUSTIÇA
Os homens criam seus
deuses, elegendo as próprias tendências e engenhos como modelo do caráter
dessas divindades. A mitologia, gerada por crenças e religiões, tem suas balizas
nas limitações do animal humano. Como esse não conhece deuses, só pode
imaginá-los dentro dos limites de suas fantasias.
A deusa Têmis, criada
pela mitologia grega, tinha ascendência divina. Seu pai era o deus Urano, com o
qual a mãe-terra, Gaia, se envolvera, para criar o lar eterno dos deuses. Mas
Gaia também teve casos com Ponto e Éter. E Urano, um deus lascivo, acabou sendo
castrado pelo filho Kronos e teve os testículos jogados no mar. Têmis, crescida dentro dessa família intrincada
e ricamente fantasiosa da mitologia grega, casou-se com o sobrinho Zeus, filho
do malvado Kronos.
Essa foi a deusa adotada no
mundo inteiro como símbolo da Justiça. Em Brasília lá está, esculpida em pedra,
vendada, com os escondidos de cima meio à mostra, estabelecida na frente do
Supremo Tribunal Federal. Logo ela, que não teve modelos de convivência com
equilíbrio, está servindo de paradigma para a justiça. Resultado: mais é usada
sua espada para castrar, do que a balança para equilibrar direitos, dando a
cada o que é seu. É dentro de si que, atiçado por suas inclinações e
tendências, por impulsos momentâneos de conveniência, cada juiz busca razões
para decidir.
Vejam o caso do Queiroz e
a mulher dele. O Ministério Público instaurou inquérito a partir de
movimentações bancárias “atípicas” de Fabrício Queiroz. Quis interrogá-lo, mas
Queiroz não compareceu ao interrogatório. Então oferecida denúncia, ao que
parece, por crime de “rachadinha”, foi decretada a prisão não só do Queiroz
como de sua mulher. Com relação a essa, não se tem a menor ideia de que crime
tenha ela cometido.
O juiz Flávio Nicolau, da
27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, usando do poder que a lei lhe concede, gastou
quarenta e seis páginas, copiando a denúncia oferecida pelo Ministério Público
para decretar a prisão de Fabrício Queiroz e da mulher dele.
Luiz Otávio Noronha,
presidente do STJ, concedeu Habeas Corpus a Fabrício Queiroz, em razão das
condições de saúde do paciente, alegamente precárias, outorgando-lhe a prisão
domiciliar. Na carona, a mulher de Queiroz foi para casa também.
Mas, recebendo os autos,
o ministro relator original da causa, Félix Fischer, como diz a imprensa,
“derrubou a prisão domiciliar” do casal.
Por último, Gilmar Mendes,
“derrubando” a ordem de prisão determinada por Fischer, concedeu ao casal a
graça inconcebível de permanecer no remanso do lar com tornozeleira. Para isso,
meteu o dedo na fragilidade dos argumentos unilaterais do Ministério Público, usados
pelo juiz Flávio Nicolau.
Hoje, no Brasil, a
justiça não passa de um repositório de vaidades, cujo agente é o poder. No
espetáculo forense, os réus servem como gangorra para a deusa: um juiz ora está
por cima, ora está por baixo. E quem necessita dessa justiça precisa suportar a
certeza de que o ego deles, juízes, é o filtro pelo qual passa a lei.
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