QUANDO O ARGUMENTO É O SENTIMENTO
Não se sabe se Gilmar
Mendes e Ricardo Lewandowski tiveram, alguma vez na vida, pruridos de
sobriedade, sensatez, equilíbrio e circunspecção, que os ajudassem a distinguir
os argumentos dos sentimentos. O que se sabe é o que todo mundo espera: que
todos os juízes sejam senhores desses qualificativos. É pena que tais virtudes
não sejam exigidas dos candidatos a ministro do Supremo Tribunal Federal.
Sim, porque, não lhes
tendo sido exigidas essas qualidades de seres provectos, certamente aqueles
dois senhores se dispensam da obrigação de exibí-las quando, vestidos de toga e
recobertos de pompas e circunstâncias, comparecem perante as câmeras da TV
Justiça para emitir juízos de valor.
Certamente por se
sentirem assim desobrigados, até porque nunca tinham sido juízes antes do
apadrinhamento para o Supremo, saíram completamente fora do tom ao emitirem
seus votos, no julgamento da última terça-feira. Tratava-se de um pedido da
defesa do Lula, para o desentranhamento da delação de Pallocci, no processo
sobre o Instituto Lula. A delação teria sido juntada por determinação do então
juiz Sérgio Moro, de ofício.
A sentença do processo
nem foi proferida por Moro. Mas, Lewandowski e Gilmar Mendes se aproveitaram da
ocasião para alfinetar o ex-juiz. Para Lewandowski, houve “inequívoca quebra de
imparcialidade”. Para Gilmar Mendes, indicativos de “quebra de imparcialidade”
de Sérgio Moro.
Isso quer dizer que eles
já adiantaram publicamente seus votos, quando for julgado o pedido, propriamente,
de suspeição daquele magistrado.
Ora, se a questão se
limitava a desentranhar o documento, por ter sido ele juntado no processo
ex-officio, era só mostrar a ilegalidade. Nada mais que isso. Acontece, porém,
que não houve ilegalidade. A lei não proíbe que o juiz aja de ofício no
processo penal. Pelo contrário, o art. 156 do Código Penal a admite, até antes
mesmo de ser desencadeada a ação penal.
Longe dos focos da lei
andaram, sim, os votos de Lewandowski e Gilmar Mendes, pelo menos nessa parte que
os levou para as manchetes do jornal Estado de São Paulo. Mas parece que, a
essa altura dos acontecimentos, o desconhecimento ou o desprezo da lei já faz
parte da rotina dos julgamentos do Supremo. Ou a pobreza da hermenêutica leva a
confundir sentimentos com argumentos.
Seja como for, porém,
mais uma vez ministros do STF dão vazão para o descrédito na instituição. E
isso, sim, faz mal para a democracia, porque nada é pior do que a insegurança jurídica,
numa nação que mal se equilibra à beira de um abismo político, social e
econômico.
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