quinta-feira, 6 de agosto de 2020

QUANDO O ARGUMENTO É O SENTIMENTO 

 João Eichbaum

Não se sabe se Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski tiveram, alguma vez na vida, pruridos de sobriedade, sensatez, equilíbrio e circunspecção, que os ajudassem a distinguir os argumentos dos sentimentos. O que se sabe é o que todo mundo espera: que todos os juízes sejam senhores desses qualificativos. É pena que tais virtudes não sejam exigidas dos candidatos a ministro do Supremo Tribunal Federal.

Sim, porque, não lhes tendo sido exigidas essas qualidades de seres provectos, certamente aqueles dois senhores se dispensam da obrigação de exibí-las quando, vestidos de toga e recobertos de pompas e circunstâncias, comparecem perante as câmeras da TV Justiça para emitir juízos de valor.

Certamente por se sentirem assim desobrigados, até porque nunca tinham sido juízes antes do apadrinhamento para o Supremo, saíram completamente fora do tom ao emitirem seus votos, no julgamento da última terça-feira. Tratava-se de um pedido da defesa do Lula, para o desentranhamento da delação de Pallocci, no processo sobre o Instituto Lula. A delação teria sido juntada por determinação do então juiz Sérgio Moro, de ofício.

A sentença do processo nem foi proferida por Moro. Mas, Lewandowski e Gilmar Mendes se aproveitaram da ocasião para alfinetar o ex-juiz. Para Lewandowski, houve “inequívoca quebra de imparcialidade”. Para Gilmar Mendes, indicativos de “quebra de imparcialidade” de Sérgio Moro.

Isso quer dizer que eles já adiantaram publicamente seus votos, quando for julgado o pedido, propriamente, de suspeição daquele magistrado.

Ora, se a questão se limitava a desentranhar o documento, por ter sido ele juntado no processo ex-officio, era só mostrar a ilegalidade. Nada mais que isso. Acontece, porém, que não houve ilegalidade. A lei não proíbe que o juiz aja de ofício no processo penal. Pelo contrário, o art. 156 do Código Penal a admite, até antes mesmo de ser desencadeada a ação penal.

Longe dos focos da lei andaram, sim, os votos de Lewandowski e Gilmar Mendes, pelo menos nessa parte que os levou para as manchetes do jornal Estado de São Paulo. Mas parece que, a essa altura dos acontecimentos, o desconhecimento ou o desprezo da lei já faz parte da rotina dos julgamentos do Supremo. Ou a pobreza da hermenêutica leva a confundir sentimentos com argumentos.

Seja como for, porém, mais uma vez ministros do STF dão vazão para o descrédito na instituição. E isso, sim, faz mal para a democracia, porque nada é pior do que a insegurança jurídica, numa nação que mal se equilibra à beira de um abismo político, social e econômico.

 

 

 


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