sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

 

OFICIAL DE JUSTIÇA SUBIU AOS CÉUS?

“Justiça manda Espírito Santo garantir a mulher de 37 anos reprodução assistida”. Essa foi a chamada que o jornal Estado de São Paulo fez, em sua edição de sexta-feira passada, para matéria assinada por Samuel Costa e publicada no blog de Fausto Macedo.

Então, vamos debulhar a matéria a partir desse título. O Espírito do Santo, se não está no céu, certamente está em lugar incerto e não sabido. Não é de seu costume aparecer a qualquer hora, em qualquer lugar do mundo. E, quando aparece, vem vestido de pomba ou disfarçado em pequenas chamas de fogo. O caso que aconteceu com a mãe de Jesus Cristo nunca foi contado em detalhes pelos exegetas da bíblia. É um acontecimento meio nebuloso. Uma coisa, porém, é certa: a reprodução não foi assistida por ninguém.

Para encontrá-lo, então, outra coisa não restaria ao oficial de Justiça, senão subir ao céu, como fez Jesus Cristo. Lá, pelo que se conta, é o domicílio do Espírito Santo, onde ele fica sentado à mão esquerda de Javé. Mas, como teria o oficial de Justiça subido ao céu? De corpo e alma?

Sim, senhores, a chamada do jornal Estado de São Paulo é de dar nó em pingo d´agua, de fundir a cuca, porque é impossível imaginar como teria feito o oficial de Justiça para subir ao céu, afim de cumprir o mandado, em cujo verso ler-se-ia: “certifico e dou fé que compareci perante o trono do Altíssimo e lá, no lado esquerdo, intimei o Espírito Santo para garantir que sua próxima reprodução seja assistida”.

Mas a dúvida não fica só nisso. Todo mundo sabe como se reproduz um ser humano. Claro, é do mesmo jeito que qualquer outro animal vertebrado: aquele brinquedinho de pega-pega que fazem óvulos e espermatozoides, e quem chegar primeiro, leva. Só tem um porém: mandam a moral e os bons costumes que tudo seja feito longe das crianças, bem escondidinho, se possível até evitando gemidos e uiuiuius... Um papai e mamãe que comece com suspiros e termine em suor, mas sem aquela impudicícia dos bodes malvados, que pegam ovelhinhas distraídas.

Ora, ora, reprodução assistida... Quem assistirá? Vai acontecer onde? Nas arenas vazias  feitas para a copa dos 7 x 1? Vai passar no Jornal Nacional, no programa do Faustão? Onde?

Não, senhores. Essa não é uma crônica sacrílega. Sacrílegos são os meios de comunicação, principalmente a imprensa escrita, que não escolhe seus redatores entre pessoas que saibam escrever. Sacrílegos são os governos que pospõem a intelectualidade, o ensino do idioma e das ciências, a artifícios facciosos que chamam de educação. Esses são os verdadeiros sacrílegos, que de analfabetos funcionais fazem doutores, porque criam universidades “para todos”, sem ensino fundamental para ninguém.

Só quem não sabe escrever, é incapaz de sintetizar uma ideia, um acontecimento, uma notícia. Só quem não sabe escrever, redige absurdos, como essa chamada do Estadão, que põe o jornal na galeria do ridículo. Burros na frente do espelho nunca enxergam um asno.

 

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

 

SABES LER?

 

Triste o país de cujas instituições, dominadas pelo analfabetismo funcional, alguns se servem para achar que o mundo se compraz em honrá-los.

 

Logo que o Covid 19 começou a causar estragos no emprego e, consequentemente, na economia, Jair Bolsonaro se dispôs a expedir medidas para todo o território nacional, no tocante ao funcionamento de certas atividades. Mas, foi barrado por decisão do Supremo Tribunal Federal, sob o argumento de que cabe aos Estados e Municípios decidir sobre questões de interesse próprio, sendo concorrente a competência para tratar assuntos relativos à saúde.

Eis o que disse Alexandre de Moraes, deferindo liminar, confirmada mais tarde pelo pleno, segundo o site do STF: “a Constituição Federal (incisos II e IX do artigo 23) consagra a existência de competência administrativa comum entre União, Estados, Distrito Federal e municípios em relação à saúde e assistência pública, inclusive quanto à organização do abastecimento alimentar. O texto constitucional (inciso XII do artigo 24) também prevê competência concorrente entre União e Estados/Distrito Federal para legislar sobre proteção e defesa da saúde, permitindo, ainda, aos municípios possibilidade de suplementar a legislação federal e a estadual, desde que haja interesse local (inciso II, artigo 30)”.

Só que a principal preocupação do presidente Bolsonaro eram os serviços e atividades que afetavam a economia. Alexandre de Moraes começou a citar a Constituição a partir do artigo 23, quando as atribuições da União estão definidas já no artigo 21. E lá, no inciso IX, consta: “elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”.

Agora querem responsabilizar Bolsonaro pelo que acontece em Manaus. Esquecem a competência concorrente de União, Estados e Municípios, estabelecida no artigo 23, inc. II: “cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência...”.

A redação capenga desse dispositivo, descomprometido com a gramática e com a linguagem jurídica, é ignorada, mas usada para extrair dele a responsabilidade exclusiva do presidente da República.

O presidente da República não se confunde com a União. Ele tem sua competência definida no artigo 84 da Constituição, enquanto a  da União está nos artigos 21 a 24. Essa consideração é de suma serventia na exegese de temas constitucionais.

Mas, a dificuldade de interpretação dos ministros do STF chega ao ponto de lhes obscurecer o sentido do inciso VII do artigo 30. Ali é atribuída à União apenas “a cooperação técnica e financeira”, para que os municípios “prestem serviços de atendimento à saúde da população”. Atrelam-se eles às atribuições e não as ligam às disposições específicas sobre a saúde, instituídas pelo art. 198.

A dificuldade de interpretar remonta à escassez no domínio do vernáculo. Quem não entende o sentido do verbo “interpretar”, jamais conseguirá ser um exegeta sequer de pequeno porte. A interpretação da Constituição não se reduz à leitura de um artigo. Pescar não é sinônimo de interpretar. Todo e qualquer artigo da Constituição tem que ser lido em função de seu conteúdo programático. O problema é saber ler.

 

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

 

E O LULA, NEM AÍ

Conforme notícia do Jornal de Brasília, o juiz plantonista da 10ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal foi “intimado” pelo ministro Lewandowski a “compartilhar com a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) as mensagens obtidas na Operação Spoofing contra o grupo de hackers que invadiu celulares de autoridades...”

Quem conhece Direito Processual sabe que o juiz, não sendo parte no processo, não pode ser “intimado”, para coisa nenhuma. Qualquer ordem vinda da instância superior deve ser cumprida através de “determinação” e não através de “intimação”.

Não se sabe em que faculdade o senhor Lewandowski conseguiu seu diploma de “bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais”. Autorizando as circunstâncias a suposição de que se trata de um estabelecimento sem bons professores na área processual, não deve ser recomendado para quem quiser dominar o Direito como ciência.

Entretanto, para alunos desassistidos de inteligência lá matriculados, convém esclarecer o que é “intimação”, antes que desperdicem seu tempo em aulas de processo civil, e a faculdade lhes confira diploma.  Não precisa ser bacharel em direito, nem doutor. Basta saber ler. Está escrito no artigo 269 do CPC: “Intimação é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e dos termos do processo”.

Dar ciência significa “comunicar”, simplesmente isso. E “comunicar” nunca foi sinônimo de “determinar”. Então, quem recebe “intimação” não está obrigado a coisa nenhuma.

Pelo que se vê, tudo começou com uma “Reclamação”, instituto regulado no artigo 988 e seguintes do Código de Processo Civil. A notícia do jornal não usa esse termo, mas isso se depreende do texto. Ora, a Reclamação, nos termos do § 1º do artigo 988 “pode ser proposta perante qualquer tribunal, e seu julgamento compete ao órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir”. E o § 2º ordena que Reclamação seja “... dirigida ao presidente do tribunal”.

A competência para o julgamento da Reclamação, conforme se vê acima, é do Tribunal e não do relator. Por isso deve ser “dirigida ao presidente do Tribunal”. Recebendo o processo, ao relator compete somente “requisitar informações” à autoridade responsável pelo ato reclamado (art. 989, inc.I). E ainda, “se for necessário” determinar a supensão do processo ou de ato lesivo, para evitar “dano irreparável” (989, II).

No caso, nada havia a “suspender”, porque o objetivo era a realização de um ato. A Reclamação que tenha em mira objetivo desse gênero só pode ser recebida restritivamente, mercê de interpretação por analogia, senão, uma vez praticado o ato, nada mais resta ao Tribunal.

Além de confundir determinação com “intimação”, Lewandowski revelou sérias dificuldades com a hermenêutica, se arrogando o julgamento de uma causa, que é da competência do Tribunal. Mesmo que fosse ordem emanada do STF, não caberia sua execução, no recesso judiciário. O beneficiário dela, Lula, não carecia de urgências por “dano irreparável”. De mulher nova a tiracolo, ele estava entregue aos desígnios da felicidade no Caribe, naquele paraíso dos ricos e inferno dos pobres, chamado Cuba.

 

 

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

 

ANO NOVO, VELHOS VÍCIOS

 

Justiça é um substantivo abstrato, que deveria ser transformado numa sensação real, movida por um amontoado de juízes, chamado Judiciário. Ela devia ser ubíqua e onipresente, porque é o verdadeiro pão da alma de quem dela necessita. Mas é operada com lentidão de lesma, ornada de adjetivos e advérbios, e destratada com agressões ao vernáculo. Entre dezembro e janeiro, é travada com nome de “recesso”: um eufemismo, usado para disfarçar a verdade. A maioria dos juízes, com esse “recesso”, goza noventa dias de férias anuais.

 

Pouco importa o número de processos que deveriam ter sido julgados há muito tempo, mas servem para afofar traseiros escondidos sob a toga; pouco importa o número de processos que adormecem em arquivos de computadores, e que são responsáveis por essa pastosa lentidão. Quem precisa de Justiça, que espere. É preciso comemorar o aniversário de Jesus Cristo e o Ano Novo.

 

Mas, nesse ano, durante o período festivo do aniversário de Cristo que, para a Justiça, começa antes do Natal, passa pelo ano novo, e segue janeiro a dentro, alguns ministros do Supremo Tribunal Federal resolveram “trabalhar”.  Mas, não porque o descanso seja uma vergonha, já que o povo paga por uma justiça que não recebe. Nem pela “suprema virtude” de amarem eles de paixão o batente.

 

Isso deu o que falar e o que pensar. E já circulam fuxicos pela imprensa, anunciando que eles querem deixar Fux, o presidente do STF, nu e de mão no bolso, para não despachar liminares. Por isso teriam renunciado ao recesso. Ah, sim, esse “trabalhar” outra coisa não significa senão despachar liminares...

 

Acontece que, no “recesso judiciário”, as medidas de urgência são despachadas pelo presidente do Tribunal, na ausência dos ministros para os quais elas tenham sido distribuídas. Então alguns ministros vão ficar de plantão, aguardando processos.

 

Más línguas, porém, é o que não falta. Dessas desistências do recesso, o Estadão concluiu que tudo não passa de ajuste de contas. Para ele, há ministros que estão pê da cara com o Fux, porque o voto dele impediu a reeleição de Maia e Alcolumbre. E todo mundo sabe que há pedidos de impeachment de ministros, engavetados no gabinete do Alcolumbre...

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Um dos que ficam de plantão é o Marco Aurélio. Esse não esconde suas mágoas, por ter Fux cassado a ordem de libertar o traficante milionário André do Rap. 

 

A teoria das conspirações, intrigas, picuinhas e pontos obscuros, é ainda apimentada, segundo o Estadão, com um habeas corpus gestado por advogados, com a finalidade de liberar a função do “juiz das garantias”, sustada por Luiz Fux.

 

Nada que o diabo não goste. Nada que não aconteça numa Instituição onde as façanhas dos indivíduos que a compõem suplanta o espírito do colegiado.

 

Sendo assim, ó: infeliz ano novo. Pelo visto não houve propósitos de melhorar a honra da Corte Suprema, empanada, no ano passado, pelo declínio na postura e nos conhecimentos jurídicos, e pela egolatria, em nível pouco comum em quem não tem ascendência divina.