SABES LER?
Triste o país de cujas instituições,
dominadas pelo analfabetismo funcional, alguns se servem para achar que o mundo
se compraz em honrá-los.
Logo que o Covid 19 começou a causar
estragos no emprego e, consequentemente, na economia, Jair Bolsonaro se dispôs
a expedir medidas para todo o território nacional, no tocante ao funcionamento
de certas atividades. Mas, foi barrado por decisão do Supremo Tribunal Federal,
sob o argumento de que cabe aos Estados e Municípios decidir sobre questões de
interesse próprio, sendo concorrente a competência para tratar assuntos
relativos à saúde.
Eis o que disse Alexandre de Moraes, deferindo liminar, confirmada
mais tarde pelo pleno, segundo o site do STF: “a Constituição Federal (incisos II e IX
do artigo 23) consagra a existência de competência administrativa comum entre
União, Estados, Distrito Federal e municípios em relação à saúde e assistência
pública, inclusive quanto à organização do abastecimento alimentar. O texto
constitucional (inciso XII do artigo 24) também prevê competência concorrente
entre União e Estados/Distrito Federal para legislar sobre proteção e defesa da
saúde, permitindo, ainda, aos municípios possibilidade de suplementar a
legislação federal e a estadual, desde que haja interesse local (inciso II,
artigo 30)”.
Só que a principal preocupação do presidente
Bolsonaro eram os serviços e atividades que afetavam a economia. Alexandre de
Moraes começou a citar a Constituição a partir do artigo 23, quando as
atribuições da União estão definidas já no artigo 21. E lá, no inciso IX,
consta: “elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do
território e de desenvolvimento econômico e social”.
Agora querem responsabilizar Bolsonaro pelo que
acontece em Manaus. Esquecem a competência concorrente de União, Estados e
Municípios, estabelecida no artigo 23, inc. II: “cuidar da saúde e assistência
pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência...”.
A redação capenga desse dispositivo,
descomprometido com a gramática e com a linguagem jurídica, é ignorada, mas
usada para extrair dele a responsabilidade exclusiva do presidente da
República.
O presidente da República não se confunde com a
União. Ele tem sua competência definida no artigo 84 da Constituição, enquanto a da União está nos artigos 21 a 24. Essa
consideração é de suma serventia na exegese de temas constitucionais.
Mas, a dificuldade de interpretação dos
ministros do STF chega ao ponto de lhes obscurecer o sentido do inciso VII do
artigo 30. Ali é atribuída à União apenas “a cooperação técnica e financeira”,
para que os municípios “prestem serviços de atendimento à saúde da população”.
Atrelam-se eles às atribuições e não as ligam às disposições específicas sobre
a saúde, instituídas pelo art. 198.
A dificuldade de interpretar remonta à escassez
no domínio do vernáculo. Quem não entende o sentido do verbo “interpretar”,
jamais conseguirá ser um exegeta sequer de pequeno porte. A interpretação da
Constituição não se reduz à leitura de um artigo. Pescar não é sinônimo de
interpretar. Todo e qualquer artigo da Constituição tem que ser lido em função
de seu conteúdo programático. O problema é saber ler.
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