sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

 

SABES LER?

 

Triste o país de cujas instituições, dominadas pelo analfabetismo funcional, alguns se servem para achar que o mundo se compraz em honrá-los.

 

Logo que o Covid 19 começou a causar estragos no emprego e, consequentemente, na economia, Jair Bolsonaro se dispôs a expedir medidas para todo o território nacional, no tocante ao funcionamento de certas atividades. Mas, foi barrado por decisão do Supremo Tribunal Federal, sob o argumento de que cabe aos Estados e Municípios decidir sobre questões de interesse próprio, sendo concorrente a competência para tratar assuntos relativos à saúde.

Eis o que disse Alexandre de Moraes, deferindo liminar, confirmada mais tarde pelo pleno, segundo o site do STF: “a Constituição Federal (incisos II e IX do artigo 23) consagra a existência de competência administrativa comum entre União, Estados, Distrito Federal e municípios em relação à saúde e assistência pública, inclusive quanto à organização do abastecimento alimentar. O texto constitucional (inciso XII do artigo 24) também prevê competência concorrente entre União e Estados/Distrito Federal para legislar sobre proteção e defesa da saúde, permitindo, ainda, aos municípios possibilidade de suplementar a legislação federal e a estadual, desde que haja interesse local (inciso II, artigo 30)”.

Só que a principal preocupação do presidente Bolsonaro eram os serviços e atividades que afetavam a economia. Alexandre de Moraes começou a citar a Constituição a partir do artigo 23, quando as atribuições da União estão definidas já no artigo 21. E lá, no inciso IX, consta: “elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”.

Agora querem responsabilizar Bolsonaro pelo que acontece em Manaus. Esquecem a competência concorrente de União, Estados e Municípios, estabelecida no artigo 23, inc. II: “cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência...”.

A redação capenga desse dispositivo, descomprometido com a gramática e com a linguagem jurídica, é ignorada, mas usada para extrair dele a responsabilidade exclusiva do presidente da República.

O presidente da República não se confunde com a União. Ele tem sua competência definida no artigo 84 da Constituição, enquanto a  da União está nos artigos 21 a 24. Essa consideração é de suma serventia na exegese de temas constitucionais.

Mas, a dificuldade de interpretação dos ministros do STF chega ao ponto de lhes obscurecer o sentido do inciso VII do artigo 30. Ali é atribuída à União apenas “a cooperação técnica e financeira”, para que os municípios “prestem serviços de atendimento à saúde da população”. Atrelam-se eles às atribuições e não as ligam às disposições específicas sobre a saúde, instituídas pelo art. 198.

A dificuldade de interpretar remonta à escassez no domínio do vernáculo. Quem não entende o sentido do verbo “interpretar”, jamais conseguirá ser um exegeta sequer de pequeno porte. A interpretação da Constituição não se reduz à leitura de um artigo. Pescar não é sinônimo de interpretar. Todo e qualquer artigo da Constituição tem que ser lido em função de seu conteúdo programático. O problema é saber ler.

 

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