VIDA DE PRÍNCIPES
Existe gente que ganha um salário de três mil
mensais, para não fazer coisíssima nenhuma em proveito da humanidade. Você
sabia disso?
Salário para fazer nada? Como assim? Isso não
existe. Então aqueles três mil limpinhos, sem imposto de renda, sem desconto
para a previdência, porque só desconta para a previdência quem trabalha, não
pode ser chamado de “salário”.
Não tem problema. Arranja-se outro nome:
representação. Isso, “representação”, um nome que não diz nada. E o nada, nesse
caso, tem lógica: se os três mil são pagos para os caras fazerem nada, então
senta bem o nome “representação”, que nada significa também.
Mas, não é só essa mísera representação. Tem
mais: além dos três mil, aquela gente ganha mais mil e quinhentos por semana,
para fazer sabem o quê?
Não riam, por favor, nem digam que este texto
é mentiroso, que isso é obra de quem não tem o que fazer e fica inventando
coisas. Os caras ganham mais mil e quinhentos por semana, para tomarem chá.
Sim, senhores, repito: para tomarem chá e jogarem conversa fora.
E
não é qualquer chá, não. Olhem só o cardápio e digam se alguma vez na vida
vocês sonharam com uma merenda assim: mingau, bolinhos de bacalhau, empadinhas,
frutas, bolos, sanduíches edwardianos, pães de forma sem casca e recheados com
frios. Ah, e para regar esse luxo, sucos e chá preto da marca Royal
Blend ou Twinings. Tudo servido em finíssima louça com
ornamentos azuis e talheres de prata.
O quê? É brincadeira? É gozação? É uma
pegadinha?
Muita gente, ao ler esse texto até aqui, não
poderá evitar tais perguntas. Isso pode acontecer em contos de fadas, na Suíça,
na Suécia, em qualquer país riquíssimo, que tenha dinheiro de sobra para
proporcionar o paraíso em vida a determinados e privilegiadíssimos cidadãos –
pensarão.
Não. Isso acontece aqui, nesse país de
população predominantemente pobre, sem cultura, sem um mínimo daquilo que é
essencialmente humano, gente que vive em barracos pendurados nos morros, ganhando salário mínimo para arriscar a vida
em andaimes, gente enganchada em postes, varrendo ruas, recolhendo lixo,
madrugando na fila do SUS, para tentar uma consulta médica... Sim, isso
acontece no Brasil, e quem pratica essa liturgia da insensibilidade social são
os “imortais” da Academia Brasileira de
Letras...
Assim é a Academia Brasileira de Letras de um
país que está na rabeira da educação no mundo, com escolas caindo aos pedaços,
mas proporciona um sonho, que nem as fadas têm, para alguns privilegiados em
amizades. Lá só há lugar para acomodarem seus traseiros imortais, em cadeiras
de príncipe, seres que se despojam de um requisito essencial em qualquer arte:
a sensibilidade.
Para quem não sabe: outra coisa não se exige
de quem se candidata àquele paraíso, senão ter amigos lá dentro. Nem precisa
ser escritor, mostrar intimidade com as letras. Lá só entra quem os
“acadêmicos” querem. É o “Panelão das Amizades”, o templo onde o deus incensado
é o ego, em rituais que debocham de quem passa fome.