sexta-feira, 22 de outubro de 2021

 

VIDA DE PRÍNCIPES

Existe gente que ganha um salário de três mil mensais, para não fazer coisíssima nenhuma em proveito da humanidade. Você sabia disso?

Salário para fazer nada? Como assim? Isso não existe. Então aqueles três mil limpinhos, sem imposto de renda, sem desconto para a previdência, porque só desconta para a previdência quem trabalha, não pode ser chamado de “salário”.

Não tem problema. Arranja-se outro nome: representação. Isso, “representação”, um nome que não diz nada. E o nada, nesse caso, tem lógica: se os três mil são pagos para os caras fazerem nada, então senta bem o nome “representação”, que nada significa também.

Mas, não é só essa mísera representação. Tem mais: além dos três mil, aquela gente ganha mais mil e quinhentos por semana, para fazer sabem o quê?

Não riam, por favor, nem digam que este texto é mentiroso, que isso é obra de quem não tem o que fazer e fica inventando coisas. Os caras ganham mais mil e quinhentos por semana, para tomarem chá. Sim, senhores, repito: para tomarem chá e jogarem conversa fora.

E não é qualquer chá, não. Olhem só o cardápio e digam se alguma vez na vida vocês sonharam com uma merenda assim: mingau, bolinhos de bacalhau, empadinhas, frutas, bolos, sanduíches edwardianos, pães de forma sem casca e recheados com frios. Ah, e para regar esse luxo, sucos e chá preto da marca Royal Blend ou Twinings. Tudo servido em finíssima louça com ornamentos azuis e talheres de prata.

O quê? É brincadeira? É gozação? É uma pegadinha?

Muita gente, ao ler esse texto até aqui, não poderá evitar tais perguntas. Isso pode acontecer em contos de fadas, na Suíça, na Suécia, em qualquer país riquíssimo, que tenha dinheiro de sobra para proporcionar o paraíso em vida a determinados e privilegiadíssimos cidadãos – pensarão.

Não. Isso acontece aqui, nesse país de população predominantemente pobre, sem cultura, sem um mínimo daquilo que é essencialmente humano, gente que vive em barracos pendurados nos morros,  ganhando salário mínimo para arriscar a vida em andaimes, gente enganchada em postes, varrendo ruas, recolhendo lixo, madrugando na fila do SUS, para tentar uma consulta médica... Sim, isso acontece no Brasil, e quem pratica essa liturgia da insensibilidade social são os  “imortais” da Academia Brasileira de Letras...

Assim é a Academia Brasileira de Letras de um país que está na rabeira da educação no mundo, com escolas caindo aos pedaços, mas proporciona um sonho, que nem as fadas têm, para alguns privilegiados em amizades. Lá só há lugar para acomodarem seus traseiros imortais, em cadeiras de príncipe, seres que se despojam de um requisito essencial em qualquer arte: a sensibilidade.

Para quem não sabe: outra coisa não se exige de quem se candidata àquele paraíso, senão ter amigos lá dentro. Nem precisa ser escritor, mostrar intimidade com as letras. Lá só entra quem os “acadêmicos” querem. É o “Panelão das Amizades”, o templo onde o deus incensado é o ego, em rituais que debocham de quem passa fome.

 

sábado, 16 de outubro de 2021

 

MAU USO DA FÉ

Não fosse a saliva do padre nos olhos delas e o sal em suas boquinhas ainda sem dentes, as trezentas mil crianças submetidas a vilipêndios sexuais por religiosos, entre 1950 e 2020 na França, poupar-se-iam daqueles males, pois não seriam cristãs.

Salvo raríssimas exceções, foi da mãe que elas ouviram, pela primeira vez, a palavra “Deus”. Graças  ao carinho e à dedicação maternos, tal palavra e os respectivos consectários acabaram criando fundas raízes em seus comandos cerebrais.

Mal sabiam as mães que estavam tecendo armadilhas para seus filhos. Elas acreditavam numa divindade poderosa, onipotente, onipresente, justa e misericordiosa. Jamais lhes passaria pela cabeça que essa entidade divina caísse no descuido de botar bandidos mascarados de santos a seu serviço. E a essas perversas criaturas as mães confiaram os frutos amados de seus ventres, porque queriam o melhor para eles: uma fé genetriz de virtudes.

Mas as crianças, atraídas pela esperança na vida eterna, acabaram caindo na armadilha da fé.  Mal sabiam que assim, protegidas pelo tênue véu da inocência, eram exatamente a presa desejada por homens que haviam jurado castidade, segundo os ritos da Igreja de Roma.

Não é segredo que alta hierarquia da Igreja Católica sempre tratou de esconder os abomináveis crimes . Para ela, mais importante é a aparência de entidade divina em que se arvora. Paga bilionárias indenizações, condicionadas ao silêncio das vítimas, mas remove os criminosos, que vão praticar as mesmas atrocidades em outras paróquias ou dioceses.

Não existe vida sem sexo, nem sexo sem vida. Mas essa regra fundamental da natureza é desprezada pela Igreja, para manter um insustentável celibato eclesiástico, que é a causa primeira desses crimes contra inocentes. Os safados sabem que,  cantando a “mulher do próximo” arriscam a pele, e se a desejada for uma serigaita, ela vai espalhar na paróquia: “dei pro padre”. Mas a criança, por timidez, silenciará.

Para a Igreja o que vale é o boneco de barro da mitologia judaico-cristã. Contraditoriamente, ela despreza os versículos 18, do capítulo 2 do Gênesis, “não é bom que o homem esteja só”, e 28 do capítulo 1: “frutificai e multiplicai-vos”...

Em suma, nem aquilo que Deus “achou muito bom” (Gen.1:31) a Igreja acha.

 

 

sábado, 9 de outubro de 2021

 

SUBSTÂNCIA NA CPI?

Pessoas de certo nível intelectual, ou pessoas que não tenham tempo a perder com conversa fiada, porque precisam trabalhar para pagar os impostos que sustentam a boa vida de senadores e deputados, jamais iriam se aboletar à frente da TV para assistir a sessões de CPI do congresso nacional, ou para olhar os paspalhões da TV Globo lendo notícias adredemente selecionadas para domar burros.

Mas, há profissionais, os  jornalistas. Esses precisam engolir aquelas cenas, para transformá-las em notícias ou para usá-las como comentário.

A “Coluna do Estadão” do dia 28 de setembro cita um certo Roberto Podva que, segundo ela, é um criminalista “fora da política” e “vê substância na CPI”.

O colunista não diz a qual CPI se refere. Mas supõe-se, por falar em “vacinas”, que se trate da Comissão Parlamentar de Inquérito do Barroso. Por que Barroso? Ah, não se lembram?

Barroso. Assim é conhecido o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso. Pois sua excelência, atendendo a pedido de partidos políticos opositores de Jair Bolsonaro, determinou ao presidente do Senado, em decisão individual, a instalação de uma CPI para averiguar fatos ligados à pandemia do Covid, ou coisa que o valha. Em razão do tema, essa CPI é conhecida também como “CPI do Covid”. 

No dia 29 foi ouvido na tal CPI o empresário Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan. Dessa vez tocou ao jornalista Cláudio Humberto comentar: “Chamado de ‘bobo da corte’, Luciano Hang acabou demonstrando, em 5 horas de interrogatório, que nada tem de bobo. Ao contrário. Aproveitou para fazer propaganda gratuita de suas lojas Havan, nas emissoras que transmitiam ao vivo a sessão da CPI, e ainda contou sua história de filho de operários, que prosperou até comprar a fábrica onde os pais trabalharam por 40 anos”.

Sim, senhores, o relator da famigerada CPI, Renan Calheiros, incapaz de produzir florilégios retóricos, escreveu um discurso para achincalhar  um brasileiro que dá emprego a muita gente e faz girar a roda da economia, recolhendo os impostos que sustentam as mordomias da classe política.

Ninguém ignora que os políticos se aproveitam dessas tais de CPI para aparecerem, para se mostrar, para serem vistos por seus eleitores.  Mas acabam exibindo o lado pior do bicho homem e mostrando que o mau espetáculo da política vale menos do que as partes íntimas de uma égua. Gente que, sem preparo, assume o papel de autoridade investigadora, dá nisso. Depoentes são tratados com menoscabo, vistos como entes de classe inferior, porque há políticos iguais aos peixes: só são orientados pelo rabo.

Onde o Estadão encontrou um criminalista que acha “substância” em CPI”, formada por gente que legisla em causa própria, come, bebe, dorme, se diverte à custa do dinheiro do contribuinte, não se sabe. Mas, Cláudio Humberto mostrou o retrato de um brasileiro que só viveu de uma coisa que poucos políticos conhecem, e que leva milhões de brasileiros ao sacrifício, para pagar a boa vida de deputados, senadores, ministros do STF, etc.: o trabalho.

 

sábado, 2 de outubro de 2021

QUEREM A VERDADE?

Em editorial do dia 22 último, atribuindo a Bolsonaro “meias-verdades e mentiras completas” ao discursar na ONU, o jornal Estadão diz, entre outras coisas, que “Bolsonaro desrespeita a Constituição praticamente desde que tomou posse”.

A verdade é que o presidente está interpretando o  sentido do artigo 2º da referida Constituição, segundo as regras do vernáculo: “são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

A redação desse artigo não tem teor imperativo. Dela decorre simplesmente uma afirmação. Não é uma ordem; ela não exige terminantemente a “independência” e a “harmonia”. Se os constituintes pretendiam impor alguma coisa através desse artigo, erraram, porque não conhecem o vernáculo. Os adjetivos “independentes e harmônicos”, predicados nominais, apenas se prestam para dar qualidade ao sujeito “poderes”. O emprego do verbo no presente do modo indicativo é descomprometido com qualquer ordem. O mandamento, a ordem, a imposição exigem o modo imperativo ou, em teor mais ameno, o futuro. Jamais o presente.

A “independência” decorre das atribuições que a Constituição confere a cada um poder. E a “harmonia” é um corolário disso. Se cada um dos poderes faz o que lhe compete, a harmonia tem sua presença garantida. Mas, se um avança na seara do outro, vira bagunça institucional. Aí se vai o boi com a corda e com a harmonia.

A bagunça foi desatada pelo STF. Se a “independência”, fosse imperativa, a Corte Judiciária teria respeitado a competência do Executivo, deixando-o nomear seus ministros. Mas, não. Na mão grande, chamada de “decisão monocrática”, Alexandre de Moraes, impediu a posse de um ministro da Justiça. Alguns entenderam como aceno do STF para melar o governo Bolsonaro.

Desde então, partidos derrotados nas urnas começaram a fazer do STF um prolongamento da bancada oposicionista. Poucos foram os atos de competência do Executivo que não precisaram do carimbo da Justiça para valer. Até uma CPI lhe meteram goela abaixo. Essa é a intromissão vedada pela Constituição, a que tira a “independência” de algum dos poderes.

A verdade aí está. Uma verdade que o jornal Estado de São Paulo nunca publicou em suas páginas.