A DECADÊNCIA
Por interesses econômicos, disfarçados com o nome de
políticos ou religiosos, o povão, massa de manobra, é usado como instrumento
para a criação de mitos. Alguns, principalmente os religiosos, passam de
geração em geração, porque o homem, por medo da morte, prefere acreditar na
vida eterna. E bezerros ou cordeiros que rendem ouro se eternizam, por conta
dessa felicidade adiada. O mesmo não acontece com os mitos criados à conta de
interesses políticos. Não são necessárias mais do que duas ou três gerações, para que sejam esquecidos.
Getúlio Vargas foi um desses mitos políticos brasileiros.
Mito em vida e mito na morte. Seu suicídio desencadeou ondas violentas de
fanatismo, atiçou paixões. Bustos, monumentos e toda a sorte de obras que
pudessem reconstruir sua memória como marcos de uma história, surgiram por toda
a parte. A mais famosa dessas obras foi a chamada “carta-testamento”, que ele
teria escrito, antes de se disparar um tiro mortal no coração. Em Porto Alegre,
na praça da Alfândega, foi instalada, com todas as pompas e circunstâncias, uma
réplica dessa carta, em bronze. O troféu ali permaneceu intacto, durante
algumas décadas, enquanto estava viva naquela, e na geração seguinte, a imagem
de mito que Getúlio inspirara no povo. Mas, como a fila anda e a história vai
ficando no esquecimento, algum tempo depois, o traféu desapareceu.
Teria sido furtado por
algum idólatra do ilustre morto, para tê-lo só para si? Ou teria sido obra de
um meliante barato, que só viu nele o alto valor comercial do bronze? Pelo sim,
pelo não, a réplica foi refeita, dessa vez em aço, e recolocada no local que lhe fora destinado. Mas, para
desgosto dos poucos remanescentes do fanatismo por Getúlio Vargas, novamente o
troféu foi parar em mãos alheias. Outra réplica, então, foi criada, para que o
político nascido em São Borja não perdesse o lugar na praça. Dessa feita, o
material usado foi metal de valor pífio, sem qualificação para o mercado. Pois,
não é que, na semana passada, ia se repetindo a subtração da peça?
Não fosse a intervenção de um segurança, a placa teria sido
levada por um meliante sem noção de nada: nem de valor histórico, nem de valor
econômico. Metade dela já estava nas mãos do ladrãozinho, quando o segurança -
que não pertencia ao órgão oficial ao qual incumbe zelar pelo patrimônio
público, mas sim a uma instituição privada - interferiu.
Esse fato serve para revelar que decadência do homem, como
animal racional, parece irreversível. Quando os próprios ladrões perdem a noção
do valor de mercado das coisas, é porque estamos regredindo, em todos os
sentidos. Parece que a imoralidade vem
se impondo como valor maior.
Não raramente nos deparamos com o potencial da imoralidade
nas instituições que representam o braço da soberania. Na axiologia do
Judiciário, por artifícios de hermenêutica, a moralidade é posposta às formas
processuais. E no que toca ao Poder Legislativo, jamais se encontrará um lugar para
o fundo partidário, por exemplo, entre os valores morais.
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