quarta-feira, 28 de setembro de 2022

 

A DECADÊNCIA

Por interesses econômicos, disfarçados com o nome de políticos ou religiosos, o povão, massa de manobra, é usado como instrumento para a criação de mitos. Alguns, principalmente os religiosos, passam de geração em geração, porque o homem, por medo da morte, prefere acreditar na vida eterna. E bezerros ou cordeiros que rendem ouro se eternizam, por conta dessa felicidade adiada. O mesmo não acontece com os mitos criados à conta de interesses políticos. Não são necessárias mais do que duas  ou três gerações, para que sejam esquecidos.

Getúlio Vargas foi um desses mitos políticos brasileiros. Mito em vida e mito na morte. Seu suicídio desencadeou ondas violentas de fanatismo, atiçou paixões. Bustos, monumentos e toda a sorte de obras que pudessem reconstruir sua memória como marcos de uma história, surgiram por toda a parte. A mais famosa dessas obras foi a chamada “carta-testamento”, que ele teria escrito, antes de se disparar um tiro mortal no coração. Em Porto Alegre, na praça da Alfândega, foi instalada, com todas as pompas e circunstâncias, uma réplica dessa carta, em bronze. O troféu ali permaneceu intacto, durante algumas décadas, enquanto estava viva naquela, e na geração seguinte, a imagem de mito que Getúlio inspirara no povo. Mas, como a fila anda e a história vai ficando no esquecimento, algum tempo depois, o traféu desapareceu.

 Teria sido furtado por algum idólatra do ilustre morto, para tê-lo só para si? Ou teria sido obra de um meliante barato, que só viu nele o alto valor comercial do bronze? Pelo sim, pelo não, a réplica foi refeita, dessa vez em aço, e recolocada  no local que lhe fora destinado. Mas, para desgosto dos poucos remanescentes do fanatismo por Getúlio Vargas, novamente o troféu foi parar em mãos alheias. Outra réplica, então, foi criada, para que o político nascido em São Borja não perdesse o lugar na praça. Dessa feita, o material usado foi metal de valor pífio, sem qualificação para o mercado. Pois, não é que, na semana passada, ia se repetindo a subtração da peça?

Não fosse a intervenção de um segurança, a placa teria sido levada por um meliante sem noção de nada: nem de valor histórico, nem de valor econômico. Metade dela já estava nas mãos do ladrãozinho, quando o segurança - que não pertencia ao órgão oficial ao qual incumbe zelar pelo patrimônio público, mas sim a uma instituição privada - interferiu.

Esse fato serve para revelar que decadência do homem, como animal racional, parece irreversível. Quando os próprios ladrões perdem a noção do valor de mercado das coisas, é porque estamos regredindo, em todos os sentidos. Parece que a imoralidade  vem se impondo como valor maior.

Não raramente nos deparamos com o potencial da imoralidade nas instituições que representam o braço da soberania. Na axiologia do Judiciário, por artifícios de hermenêutica, a moralidade é posposta às formas processuais. E no que toca ao Poder Legislativo, jamais se encontrará um lugar para o fundo partidário, por exemplo, entre os valores   morais.

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