A RAINHA E O RATO
A rainha morreu. Sim, e daí? Algo fenomenal nisso? Algo fora
da série “o animal foi feito para morrer”?
O rato roeu a roupa do rei e a rainha de raiva roeu o resto,
diziam, com um risinho maroto, as professoras alfabetizadoras, quando ensinavam
a pronúncia correta do “erre” no início da palavra, desatando gargalhadas na
criançada.
O rato se escafedeu. Ninguém conseguir pegar o safado. É
claro que o rato morreu, não se sabe onde, nem como. Mas, a rainha morreu e a
imprensa mundial trata da morte dela como fato incomum, como se ela não fosse
feita dessa matéria perecível de que é constituído o animal humano.
A rainha e o rato pertencem ao gênero animal. Só os difere a
espécie. Algumas vezes a rainha poderá ter roído qualquer coisa: fosse por
raiva, ou por estar nervosa, fez como muita gente, roeu as unhas.
A rainha é da espécie
humana. O rato é da espécie dos roedores. Ele foi feito para roer. A
rainha, não. Ela nasceu para viver nababescamente à custa do povo. Mas, pertencendo ambos ao mesmo gênero, a
natureza lhes impôs, no mínimo, três funções biológicas de que não podem abrir
mão: aliviar os intestinos, esvaziar a bexiga e atender às exigências da
testosterona. As duas primeiras, nada nobres. A terceira, apimentadíssima nas
alcovas da família real britânica. O rei sustentado pela colônia brasileira
dispunha de pagem de alcova, só para fins de masturbação – conta-nos, com
instigante discrição, Laurentino Gomes, no livro -“1808”. Mas, para o rato,
nada disso é problema.
Se essas três funções, condicionadas pela natureza à vida,
são iguais em duas espécies diferentes de animais, evidentemente elas nivelam
todos os humanos, sem qualquer
distinção. Ninguém escapa de suas armadilhas e exigências: naquela hora em que
os intestinos entram em serviço, e a bexiga não quer nem saber se seu portador
está rezando missa, ou passando em revista as tropas, todos são iguais: do
mendigo ao rei, da prostituta à rainha, do coroinha ao papa.
Quem quer que tenha sido aquele que incutiu, em parcela
considerável da humanidade, a ideia de que reis e rainhas se distinguem dos
demais animais humanos, pouco importa. O certo é que essa futilidade caiu no
terreno fértil dos cérebros que dispensam a cognição, porque dão prevalência ao
devaneio. O senso natural de carência, que domina grande parte da humanidade, é
o que impulsiona à criação de deuses e ídolos de qualquer espécie. Para satisfazer
a essa carência bastava, para muitas pessoas, ingleses ou eventuais turistas
abobados, as aparições encantadoras de contos de fada da rainha Elisabeth. Para
muita gente, ela continuava bela, mesmo depois de ter enveredado pelo caminho sem volta da decrepitude. O que
importava era seu estado invejável de rainha.
Assim é. O léxico das patologias humanas não estará completo,
enquanto o homem não se desprender dos
devaneios, em busca de uma dignidade que ele jamais encontrará em si mesmo,
porque suas necessidades biológicas não lhe retiram a natureza animal.
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