terça-feira, 13 de setembro de 2022

 

A RAINHA E O RATO

A rainha morreu. Sim, e daí? Algo fenomenal nisso? Algo fora da série “o animal foi feito para morrer”?

O rato roeu a roupa do rei e a rainha de raiva roeu o resto, diziam, com um risinho maroto, as professoras alfabetizadoras, quando ensinavam a pronúncia correta do “erre” no início da palavra, desatando gargalhadas na criançada.

O rato se escafedeu. Ninguém conseguir pegar o safado. É claro que o rato morreu, não se sabe onde, nem como. Mas, a rainha morreu e a imprensa mundial trata da morte dela como fato incomum, como se ela não fosse feita dessa matéria perecível de que é constituído o animal humano.

A rainha e o rato pertencem ao gênero animal. Só os difere a espécie. Algumas vezes a rainha poderá ter roído qualquer coisa: fosse por raiva, ou por estar nervosa, fez como muita gente, roeu as unhas.

A rainha é da espécie  humana. O rato é da espécie dos roedores. Ele foi feito para roer. A rainha, não. Ela nasceu para viver nababescamente à custa do povo.  Mas, pertencendo ambos ao mesmo gênero, a natureza lhes impôs, no mínimo, três funções biológicas de que não podem abrir mão: aliviar os intestinos, esvaziar a bexiga e atender às exigências da testosterona. As duas primeiras, nada nobres. A terceira, apimentadíssima nas alcovas da família real britânica. O rei sustentado pela colônia brasileira dispunha de pagem de alcova, só para fins de masturbação – conta-nos, com instigante discrição, Laurentino Gomes, no livro -“1808”. Mas, para o rato, nada disso é problema.

Se essas três funções, condicionadas pela natureza à vida, são iguais em duas espécies diferentes de animais, evidentemente elas nivelam todos os humanos,  sem qualquer distinção. Ninguém escapa de suas armadilhas e exigências: naquela hora em que os intestinos entram em serviço, e a bexiga não quer nem saber se seu portador está rezando missa, ou passando em revista as tropas, todos são iguais: do mendigo ao rei, da prostituta à rainha, do coroinha ao papa.

Quem quer que tenha sido aquele que incutiu, em parcela considerável da humanidade, a ideia de que reis e rainhas se distinguem dos demais animais humanos, pouco importa. O certo é que essa futilidade caiu no terreno fértil dos cérebros que dispensam a cognição, porque dão prevalência ao devaneio. O senso natural de carência, que domina grande parte da humanidade, é o que impulsiona à criação de deuses e ídolos de qualquer espécie. Para satisfazer a essa carência bastava, para muitas pessoas, ingleses ou eventuais turistas abobados, as aparições encantadoras de contos de fada da rainha Elisabeth. Para muita gente, ela continuava bela, mesmo depois de ter enveredado pelo  caminho sem volta da decrepitude. O que importava era seu estado invejável de rainha.

Assim é. O léxico das patologias humanas não estará completo, enquanto o homem  não se desprender dos devaneios, em busca de uma dignidade que ele jamais encontrará em si mesmo, porque suas necessidades biológicas não lhe retiram a natureza animal.

 

 

 

 

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