A BALANÇA DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO
Não
poderia haver símbolo melhor para o Judiciário brasileiro do que a balança. Simplesmente
porque ele balança mesmo, ora para um lado, ora para o outro. Não temos
segurança jurídica. Às vezes vem à lembrança um programa cômico da Rádio
Nacional, que fazia o Brasil inteiro morrer de rir: o edifício “Balança, mas
não cai”. A comparação, porém, tem uma diferença: no caso do Judiciário, a
gente só ri, para não chorar.
Na
semana passada uma decisão chamou muita atenção, porque revela exatamente isso:
a falta de segurança jurídica.
Tratava-se
das “desistências” do Procurador Geral da República, Augusto Aras. A palavra
“desistência”, usada no blog do Fausto Macedo, do jornal Estado de São Paulo, é
inapropriada para o caso. Não é um termo jurídico próprio do Processo Penal.
Augusto Aras tem “desistido”, segundo aquele
blog, de algumas denúncias oferecidas por seus antecessores. Sendo matéria de
jornal, se tolera, porque os jornalistas não são obrigados a conhecer o
Direito, a usar os termos técnicos, a dominar a linguagem jurídica. Mas,
intolerável é ouvir da boca de ministro do STF um substantivo que é até pior do
que “desistência”: arrependimento.
Foi
o que fez Alexandre de Moraes, em sessão na qual se discutia o tema. Segundo o
blog, são palavras textuais do ministro: “O Ministério Público é titular da
ação, não do processo. De tempos para cá, nós estamos vendo vários
arrependimentos de denúncias ofertas anteriormente”...
Primeiro
vamos ao vernáculo do ministro. Arrependimento é sentimento íntimo. O que está
no íntimo do indivíduo é invisível. O
que se pode é deduzir, imaginar, sentir, notar, não no indivíduo, mas na ação
dele, ou da ação dele, inferir seu arrependimento.
Quem conhece o Código
de Processo Penal sabe que o Ministério Público, titular da ação penal, tem a faculdade
de oferecer ou não a denúncia. Se entender que não deve promover a ação penal,
o que lhe cabe é enviar o inquérito para o Judiciário, pedindo seu arquivamento.
O arquivamento compete ao Judiciário, não ao Ministério Público. O titular da
ação não pode simplesmente engavetar o inquérito.
Do
caso examinado pela Segunda Turma do STF, se infere, pela notícia, que se
tratava de ação penal contra Arthur Lira. O presidente da Câmara respondia a
processo, ou seja, já tinha sido denunciado, sob a acusação do recebimento de
propinas da Companhia Brasileira de Transportes Urbanos. A Turma deferiu o
pedido de “desistência” da ação penal, como já havia deferido em favor de Aécio
Neves. Mas, agora avisou que não vai aceitar mais “desistências” ou
“arrependimentos”.
Aí
está a balança do Judiciário: hoje pode, amanhã não pode mais. Acontece, porém,
que a lei jamais autorizou a “desistência” de denúncia. “A representação será
irretratável após o oferecimento da denúncia” (art. 25 do CPP). Ora, se é
proibida a “desistência” em ação privada, como seria possível havê-la em ação
pública, que é de interesse público? Ou alguém imagina que o Ministério Público
pudesse “desistir” da denúncia, por exemplo, no caso da Boate Kiss?
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