sexta-feira, 16 de junho de 2023

 

A BALANÇA DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO 

Não poderia haver símbolo melhor para o Judiciário brasileiro do que a balança. Simplesmente porque ele balança mesmo, ora para um lado, ora para o outro. Não temos segurança jurídica. Às vezes vem à lembrança um programa cômico da Rádio Nacional, que fazia o Brasil inteiro morrer de rir: o edifício “Balança, mas não cai”. A comparação, porém, tem uma diferença: no caso do Judiciário, a gente só ri, para não chorar.

Na semana passada uma decisão chamou muita atenção, porque revela exatamente isso: a falta de segurança jurídica.

Tratava-se das “desistências” do Procurador Geral da República, Augusto Aras. A palavra “desistência”, usada no blog do Fausto Macedo, do jornal Estado de São Paulo, é inapropriada para o caso. Não é um termo jurídico próprio do Processo Penal.

 Augusto Aras tem “desistido”, segundo aquele blog, de algumas denúncias oferecidas por seus antecessores. Sendo matéria de jornal, se tolera, porque os jornalistas não são obrigados a conhecer o Direito, a usar os termos técnicos, a dominar a linguagem jurídica. Mas, intolerável é ouvir da boca de ministro do STF um substantivo que é até pior do que “desistência”: arrependimento.

Foi o que fez Alexandre de Moraes, em sessão na qual se discutia o tema. Segundo o blog, são palavras textuais do ministro: “O Ministério Público é titular da ação, não do processo. De tempos para cá, nós estamos vendo vários arrependimentos de denúncias ofertas anteriormente”...

Primeiro vamos ao vernáculo do ministro. Arrependimento é sentimento íntimo. O que está no íntimo do indivíduo é invisível.  O que se pode é deduzir, imaginar, sentir, notar, não no indivíduo, mas na ação dele, ou da ação dele, inferir seu arrependimento.

Quem conhece o Código de Processo Penal sabe que o Ministério Público, titular da ação penal, tem a faculdade de oferecer ou não a denúncia. Se entender que não deve promover a ação penal, o que lhe cabe é enviar o inquérito para o Judiciário, pedindo seu arquivamento. O arquivamento compete ao Judiciário, não ao Ministério Público. O titular da ação não pode simplesmente engavetar o inquérito.

Do caso examinado pela Segunda Turma do STF, se infere, pela notícia, que se tratava de ação penal contra Arthur Lira. O presidente da Câmara respondia a processo, ou seja, já tinha sido denunciado, sob a acusação do recebimento de propinas da Companhia Brasileira de Transportes Urbanos. A Turma deferiu o pedido de “desistência” da ação penal, como já havia deferido em favor de Aécio Neves. Mas, agora avisou que não vai aceitar mais “desistências” ou “arrependimentos”.

Aí está a balança do Judiciário: hoje pode, amanhã não pode mais. Acontece, porém, que a lei jamais autorizou a “desistência” de denúncia. “A representação será irretratável após o oferecimento da denúncia” (art. 25 do CPP). Ora, se é proibida a “desistência” em ação privada, como seria possível havê-la em ação pública, que é de interesse público? Ou alguém imagina que o Ministério Público pudesse “desistir” da denúncia, por exemplo, no caso da Boate Kiss?

 

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