quarta-feira, 25 de outubro de 2023

 

QUESTÕES DE FÉ

Na semana passada o jornal Zero Hora noticiou que desde o dia 4 deste mês “e até o dia 29, a alta cúpula da Igreja Católica e representantes de todo o mundo se reúnem no Vaticano para debater o futuro da fé de 1,3 bilhão de pessoas”.

Como assim, “debater o futuro da fé”? Sabe-se que a fé é uma questão de foro íntimo, como qualquer sentimento, como a esperança, a angústia e dezenas de outras reações emotivas. Por isso a fé de milhões de pessoas não pode ser tomada como um sentimento coletivo. Então, não se pode dizer que ela tem passado, presente ou futuro. Até porque, se se trata de crença numa só divindade, por exemplo, ela sempre será a mesma, independente de tempo e espaço.

Pior ainda será “debater” a fé das pessoas. É uma expressão que soa enigmática. Ou será que a Igreja Católica está querendo mudar o objeto, ou o conteúdo da fé de mais de um bilhão de pessoas? Ou estará imprimindo outro rumo para as crenças?

Nada disso transparece do restante do texto da Zero Hora. O que se colhe dali é que a Igreja quer saber que tipo de resposta poderá dar à fé de seus adeptos, para robustecer ou pelo menos manter viva a crença ou a confiança nela como instituição. Diz-se que consultará os crentes sobre temas como o sacerdócio para as mulheres e a jurisdição clerical para homens casados. Não é segredo para ninguém que está havendo uma grande evasão de crentes católicos para outras religiões. E, no fundo, esse é o motivo do conclave no Vaticano, do qual participarão também pessoas leigas, além de padres, bispos e cardeais.  Será debatido, isso sim, o futuro da Igreja, não da fé.

Mas, por coincidência, ao mesmo tempo que serve de motivos para conclaves promovidos na Igreja Católica, a fé hoje produz selvageria criminosa, mortandade de inocentes, torturas - instrumentos já usados pela mencionada instituição cristã, através da Inquisição.

Os ataques do grupo Hamas, que hoje despertam o horror no mundo inteiro, causando repúdio em pessoas de bom senso, são devidos à fé.  Segundo seus líderes, amigos do Lula e da esquerda brasileira, todo esse furor bélico foi desatado “em defesa da mesquita de Al-Aqsa”. A localização dessa mesquita, em Jerusalém, é o que motiva a interminável tensão entre judeus e maometanos. Ela se situa num local que é objeto de veneração dos judeus, pois ali havia dois templos antigos que foram destruídos. Mas, para os maometanos esse mesmo local é também um objeto de intensa veneração. Domina-os a crença de que foi nessa mesquita que Maomé, vindo de Meca, orou e, logo depois, subiu aos céus.

Pelo que se conhece da história, a violência desde os tempos bíblicos esteve enxertada na fé. Não se sabe como Maomé encarava a paz. Mas, no cristianismo o apóstolo Mateus (10:34) botou na boca de Jesus Cristo essas duras palavras: “não penseis que vim trazer paz à terra, mas a espada”.

 

domingo, 22 de outubro de 2023

 

UM DIREITO TERMINA, ONDE O OUTRO COMEÇA

 

O senhor Miguel Reale Júnior aparece no “Espaço Aberto” do Estadão como advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito de São Paulo (a mais famigerada do que afamada USP), membro da Academia Paulista de Letras e ex-ministro da Justiça. É importante informar que foi ministro da Justiça no governo de seu amigo e correligionário socialista Fernando Henrique Cardoso.

Com base nesse currículo, Miguel Reale é tido e venerado como respeitável jurista pela casta da esquerda. Pois o dito senhor, em seu mais recente artigo, “O STF e a efetividade dos direitos fundamentais”, se põe em defesa do Supremo e da dona Rosa Weber, na questão do aborto.

A frase inicial, por ele construída, trama contra a elegância de estilo que se supõe de caráter acadêmico. Assim: “o STF, na missão de proteção dos direitos fundamentais, pode e deve excluir normas impeditivas de sua efetividade”. “Sua efetividade”. O pronome adjetivo “sua” se refere a qual substantivo: STF, missão de proteção, ou normas?

A clareza na exposição de ideias fornece a dimensão da capacidade de expressão de quem as formula. O vocábulo “efetividade”, muito usado por supostos juristas, não é apropriado para a necessária clareza, em razão das variadas significações a que ele se presta. No texto de Reale fica pior ainda, jungido a um adjetivo possessivo perdido no palavrório, criando desairosa ambiguidade.

Mas, críticas ao estilo à parte, o que importa mesmo é a posição do doutor sobre o aborto. Diz ele: “o conflito entre valores – de um lado a proteção da vida desde a concepção e, de outro, a proteção da autonomia e da saúde da mulher – há de ser resolvido por via da regra da proporcionalidade”. A seguir, se reporta ao voto de Rosa Weber, dizendo que para ela “compete à mulher tomar a decisão pela maternidade, sendo uma escolha e não uma obrigação coercitiva, conforme autodeterminação privada, uma das expressões da dignidade humana”. Na mesma linha, Reale passa a usar o modo reflexivo, que deixa dúvidas quanto ao autor do pensamento, se é ele ou dona Rosa: “na ponderação de deveres constitucionais, conclui-se dever preponderar o direito à integridade física e psíquica da mulher e à autonomia no exercício da liberdade reprodutiva”.

Então, fica assim: para Miguel Reale e outros Espíritos Sublimes, entre o direito ao prazer, conferido à mulher, e o direito do nascituro à vida, esse último vale menos do que nada. Esquecem eles que, a partir da concepção, são dois direitos, ou “dois valores” constitucionais distintos, que se separam. Um termina, onde outro começa. A mãe não se torna proprietária desse direito fundamental do nascituro: o direito à vida. Esse direito passa a ser dele. O direito dela se esgota na escolha entre engravidar ou apenas desfrutar das delícias do amor. O “conflito entre valores” somente surge e assim só pode ser visto sob outro prisma ontológico, se a relação sexual for obra de coação, violência, ou se da concepção advierem danos físicos ou psíquicos à mãe.

terça-feira, 10 de outubro de 2023

 

MANDATO PARA MINISTROS DO STF

 

A reanimação do PEC 16/ 2019 pode ser apenas um chamarisco, tipo um pobre lambari no anzol, para atrair a atenção dos peixes grandes, que se acomodam em cargos vitalícios e deles se aproveitam, criando mordomias e privilégios pessoais, como se fossem donos da República. Quem sabe ele sirva apenas como chamada para um exame de consciência, a partir do qual tudo se possa resolver, dentro dos limites do bom senso. Trata-se de um Projeto de Emenda Constitucional, de autoria do senador Plínio Valério, adormecido nas gavetas do senado, que agora vem mexer com o Supremo, sinalizando com o fim da vitaliciedade no cargo de ministro.

Pode ser apenas isso ou, mais do que isso, talvez seja um despertador de sonhos maravilhosos, chamando para a realidade vivida por seres comuns neste país. Seja como for, é uma grande ideia do Senador. E o momento é propício para sua concretização, porque ele aparece quando a maioria parlamentar, insatisfeita com o comportamento do STF, impõe a obstrução de votações, exigindo condições para que se molde o Supremo àquele papel que lhe é destinado num regime verdadeiramente democrático. E o meio encontrado para tal finalidade foi instituir um mandato de oito anos para o exercício no cargo de ministro da Corte.

O primeiro, a quem a notícia do PEC do mandato parece ter feito mal para o fígado, foi Gilmar Mendes. “Agora ressuscitaram a ideia de mandato para o Supremo. Comovente ver o esforço retórico feito para justificar a empreitada. Sonham com as Cortes Constitucionais da Europa, entretanto o mais provável é que acordem com mais uma agência reguladora desvirtuada. Talvez seja esse o objetivo” – escreveu ele no X, como é chamado agora o antigo Twitter.

A resposta do senador Plínio Valério às insinuações de Gilmar Mendes não se fez esperar “eles se sentirão como seres humanos normais”, porque o mandato lhes imporá “o sentimento de que não são semideuses e que estão sujeitos a mudanças, com avaliações e aperfeiçoamentos periódicos”.

Considere-se que os senadores, por não serem profissionais atuantes da advocacia, não conhecem a metade da missa. Certamente, eles ignoram que o STF cria súmulas vinculantes inconstitucionais, não só interpretando restritivamente a legislação processual, como impedindo que recursos estribados nos direitos fundamentais tenham curso. Em outras palavras, viola o art. 5º, inc. LV da Constituição, limitando o direito de defesa, ao negar seguimento recursal.

Claro, muita coisa mudará, a partir da conduta pessoal de quem vestir a toga de ministro, se for aprovado o PEC. Se a finalidade projeto é a de fazer os ministros se sentirem “como seres humanos normais”, no dizer do Senador Plínio Valério, os togados supremos não se outorgarão genialidade, nem usarão o poder como poção que desoprime o peito e os pulmões, traz graça e felicidade. Suas noções e opiniões sobre a Constituição Federal não mais serão transformadas em lei, mas voltarão a ocupar a sede merecida dos juízos de valor. Só assim se livrará o Supremo da pecha de “agência reguladora”.

  

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

 

SÓ AGORA?

De um momento para outro, alguns deputados descobriram que o Supremo Tribunal Federal está usurpando as funções legislativas. Quem tomou a iniciativa de denunciar esse comportamento foi a Frente Parlamentar da Agropecuária. No levante contra indevida intromissão do Judiciário, ela arrastou consigo as da Segurança Pública, dos Produtores de Leite, dos Contra as Drogas, dos Evangélicos e dos Católicos.

Nunca, na história brasileira, a sociedade havia se dado conta de que existe um tribunal superior, composto por pessoas com larga experiência de vida mas que, apesar de toda essa bagagem, não são conduzidas por regras primárias de exegese, que evitariam a incrustação de atividade legiferante em suas decisões.

O ato de julgar exige meditação, análise, silêncio e solidão. Tais requisitos estão muito longe de quem se entrega à exposição pública e se torna personagem de noticiários da imprensa. O juiz que assim se comporta, acaba sendo julgado pela opinião pública. E esse julgamento a que se expuseram os ministros do Supremo Tribunal Federal não ficou em segredo de Justiça. As primeiras críticas apareceram nas redes sociais com ironias, ataques diretos e humor escaldante. A imprensa que, de um modo geral, costumava tratar o STF como entidade intocável, merecedora de mesuras e genuflexões, só se manifestou, quando a desilusão com a Justiça já era um assunto que enchia a boca do povo e se tornava pauta para corajosos colunistas que não temem toga. Recentemente até editoriais de grandes órgãos da imprensa se deram o direito de ingressar no coro das críticas, pondo de lado seu temor reverencial.

Não foram poucas as vezes em que, servindo de eco para as manifestações contra a fria indiferença do Parlamento, diante de decisões do STF que ultrapassavam a linha divisória das atribuições dos Poderes, a imprensa denunciava o silêncio omisso da Câmara e do Senado.

Mas agora, quando algumas decisões daquele Tribunal passaram a mexer nos interesses de certos grupos, deixando transparecer que o grito de guerra dos caciques e rezas dos pajés soam melhor nos ouvidos da Justiça do que o discurso do agronegócio, parece que o Parlamento se acordou. Agronegócio é dinheiro e quem patrocina muitos mandatos parlamentares é esse dinheiro. Mandatários que não atendem aos interesses dos mandantes se arriscam a perder os mandatos. O mesmo raciocínio vale para a Frente Parlamentar dos Produtores de Leite.

Ao demarcar o território indígena, restringindo a área utilizada por agricultores e pecuaristas, o Supremo Tribunal Federal mexeu num abelheiro. A imediata resposta do campo e da lavoura foi firme, decidida: paralisar o Congresso, para que ele trate de preservar sua independência.

Os representantes do povo, que clama por segurança, vendo, na perspectiva da liberação das drogas, um reforço para o crime, aderiram à rebeldia.

Com seu voto, Rosa Weber revolveu o estômago dos cristãos, despertando neles a lembrança de Herodes, o matador de criancinhas. Foi a vez dos religiosos aderirem à exigência de respeito à competência do Legislativo.

A maioria parlamentar, representando o povo, está advertindo o STF: aprendam a interpretar, sem legislar.