UM DIREITO TERMINA, ONDE O OUTRO COMEÇA
O senhor Miguel Reale Júnior aparece no “Espaço
Aberto” do Estadão como advogado, professor titular sênior da Faculdade de
Direito de São Paulo (a mais famigerada do que afamada USP), membro da Academia
Paulista de Letras e ex-ministro da Justiça. É importante informar que foi
ministro da Justiça no governo de seu amigo e correligionário socialista
Fernando Henrique Cardoso.
Com base nesse currículo, Miguel Reale é tido e
venerado como respeitável jurista pela casta da esquerda. Pois o dito senhor,
em seu mais recente artigo, “O STF e a efetividade dos direitos fundamentais”,
se põe em defesa do Supremo e da dona Rosa Weber, na questão do aborto.
A frase inicial, por ele construída, trama contra a
elegância de estilo que se supõe de caráter acadêmico. Assim: “o STF, na missão
de proteção dos direitos fundamentais, pode e deve excluir normas impeditivas
de sua efetividade”. “Sua efetividade”. O pronome adjetivo “sua” se refere a
qual substantivo: STF, missão de proteção, ou normas?
A clareza na exposição de ideias fornece a dimensão
da capacidade de expressão de quem as formula. O vocábulo “efetividade”, muito
usado por supostos juristas, não é apropriado para a necessária clareza, em
razão das variadas significações a que ele se presta. No texto de Reale fica
pior ainda, jungido a um adjetivo possessivo perdido no palavrório, criando
desairosa ambiguidade.
Mas, críticas ao estilo à parte, o que importa mesmo
é a posição do doutor sobre o aborto. Diz ele: “o conflito entre valores – de
um lado a proteção da vida desde a concepção e, de outro, a proteção da
autonomia e da saúde da mulher – há de ser resolvido por via da regra da
proporcionalidade”. A seguir, se reporta ao voto de Rosa Weber, dizendo que
para ela “compete à mulher tomar a decisão pela maternidade, sendo uma escolha e
não uma obrigação coercitiva, conforme autodeterminação privada, uma das
expressões da dignidade humana”. Na mesma linha, Reale passa a usar o modo
reflexivo, que deixa dúvidas quanto ao autor do pensamento, se é ele ou dona
Rosa: “na ponderação de deveres constitucionais, conclui-se dever preponderar o
direito à integridade física e psíquica da mulher e à autonomia no exercício da
liberdade reprodutiva”.
Então, fica assim: para Miguel Reale e outros
Espíritos Sublimes, entre o direito ao prazer, conferido à mulher, e o direito
do nascituro à vida, esse último vale menos do que nada. Esquecem eles que, a
partir da concepção, são dois direitos, ou “dois valores” constitucionais
distintos, que se separam. Um termina, onde outro começa. A mãe não se torna
proprietária desse direito fundamental do nascituro: o direito à vida. Esse
direito passa a ser dele. O direito dela se esgota na escolha entre engravidar
ou apenas desfrutar das delícias do amor. O “conflito entre valores” somente
surge e assim só pode ser visto sob outro prisma ontológico, se a relação
sexual for obra de coação, violência, ou se da concepção advierem danos físicos
ou psíquicos à mãe.
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