NINGUÉM É MELHOR DO QUE NINGUÉM
Dias atrás, em Jaboatão dos Guararapes, na grande
Recife, foi encontrado morto, ferido na cabeça, a 300 metros de sua casa, um
juiz de Direito. A polícia ficou diante de um enigma, não só com relação à
autoria do fato, como quanto aos motivos que levaram à morte dessa pessoa. Nada
seria descartado, segundo a delegada que preside as investigações. Isso quer
dizer que a morte poderia ter ocorrido por questões pessoais, por engano, por
encomenda, ou em razão do exercício profissional da vítima. De imediato, tratava-se
de mistério, um labirinto de hipóteses, do tipo que serviria muito bem para os
enredos de Agatha Christie, sem descartar a regra das investigações policiais
francesas: “cherchez la femme”.
Mas, do fundo dessa nebulosidade, desse baralho de
indagações, já se adiantaram algumas manifestações que fornecem assunto para
crônicas nada policiais.
Em nota, disse o Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul: “O uso da violência contra integrantes do sistema de Justiça é
inadmissível. As instituições constituídas estão firmes e vigilantes em defesa
do Estado Democrático de Direito e prontas para, dentro de suas esferas de
atuação, apurar os responsáveis e aplicar as punições cabíveis aos envolvidos
neste crime bárbaro”.
Só é “inadmissível” a violência praticada contra os
integrantes do sistema de Justiça? Como assim? Só os juízes são providos de
valores? A violência praticada contra o cidadão comum, aquele de cujo salário
ou rendimento, é descolada a grana para pagar juízes, desembargadores e
ministros de tribunais, é admissível? A violência praticada contra os pobres
diabos que morrem, esperando por uma Justiça que não lhes faz justiça, é
admissível? Não são todos iguais perante
a lei?
Ah, e aproveitando o infeliz ensejo, o Tribunal de
Justiça dos gaúchos mostrou que não desafina no estribilho da cantilena “Estado
Democrático de Direito”, regida pelo Supremo Tribunal Federal, em cujas
encenações procuram fazer performances vários solistas de toga.
Então, as “instituições constituídas” só estão
“firmes e vigilantes” na defesa desse “Estado Democrático de Direito”. Será em
razão dessa limitada vigilância que, volta e meia, “integrantes do Sistema de
Justiça” soltam bandidos, por sentirem pena deles, coitadinhos, na audiência de
custódia? Ou será também por isso, por estarem só “firmes e vigilantes na
defesa do Estado Democrático de Direito,” eles prendem inocentes, abdicando da
aplicação do devido processo legal?
A pressa é inimiga da perfeição. O Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul devia partir desse axioma, para se pronunciar,
seja sobre o que for. Prejulgamentos não sentam bem para juízes. As
circunstâncias da morte do juiz de Direito ainda não tinham sido apuradas pela
única “instituição constituída” competente, que é a polícia, quando saiu a nota.
A nenhuma outra “instituição constituída” o bom senso permite opiniões
apaixonadas, movidas a espírito de corpo. “Ninguém será considerado culpado
antes do trânsito em julgado da sentença”. E a adjetivação, como “crime
bárbaro”, só fica bem entre baforadas de cigarro e tinir de copos de chope, na
mesa de um bar.
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