segunda-feira, 22 de julho de 2024

 

BAGUNÇA INSTITUCIONAL

 

Raríssimas são as notícias alusivas a decisões do Supremo Tribunal Federal que, se não causam estupefação, produzem amargas críticas àquela Corte. E a razão disso é uma só: de um momento para o outro, parece que seus membros, os ministros, esqueceram regras primárias de hermenêutica jurídica. Ou, talvez, seduzidos pela ambição de participarem como protagonistas principais da história deste país, se aventuraram a iniciativas que não cabem em suas atribuições.

O primeiro passo para que a Constituição fosse colocada em plano inferior ao das ideias dos ministros foi dado por Luiz Fux, quando expungiu a literalidade do artigo 226, § 3º do texto promulgado em 1988. Ali está escrito em palavras inteligíveis, para quem sabe ler: “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

A exegese jurídica exige proficiência e erudição. Ela não permite violar a expressão literal da lei, para dali extrair um juízo de valor que não esteve nas cogitações do legislador, máxime uma acepção evidentemente adversa aos elementos mórficos da palavra.

O STF, nesse caso, não interpretou o texto constitucional, como era de seu dever, mas criou uma ideia não contida na Constituição. Mais ou menos assim: “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre  pessoas de qualquer sexo como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

O texto constitucional continua o mesmo. Nada nele foi modificado. Sem que nenhuma lei alterasse as regras do casamento estatuídas no Código Civil, o CNPJ pegou carona na bagunça institucional, fazendo também o que lhe não cabia: editou normas para permitir o que nem a Constituição, nem o Código permitem.

E como ninguém reclamou, porque essa “reforma” caiu no gosto e nos regalos de muita gente, o STF continuou atropelando o artigo 2º da Constituição Federal, se arrogando uma atribuição que não lhe é outorgada legitimamente: legislando e se intrometendo na administração, da competência do executivo.

No governo Bolsonaro, a oposição, sem número para fazer frente ao Executivo, usou do Supremo Tribunal Federal para impedir até a nomeação de ministro. Agora, enquanto Lula e Janja vivem nababescamente como rei e rainha à custa do contribuinte, e o Legislativo só se interessa por verbas e cargos, o Supremo, à falta de quem lhe apare as unhas, autoriza, através de “normas”, o pagamento de diárias a seguranças a seus ministros, quando esses viajam ao exterior.

Cobrado pela imprensa, Luís Roberto Barroso não menciona lei, mas diz que a hostilidade e a agressividade contra os ministros “justificam” tais pagamentos. Na mesma ocasião, indagado sobre o inquérito sem fim e sem limites que investiga supostas ameaças a ministros, ele se perdeu, tentando explicar o inexplicável: “não gosto da continuidade (de inquéritos no STF), mas é inevitável, é preciso punir”.

Então agora a missão do Supremo Tribunal Federal não é mais a de julgar. Se sua finalidade é só punir. O Tribunal se transformou em cadafalso.

 

quarta-feira, 10 de julho de 2024

 

INDIGESTA APOLOGIA

Sob o título “A Luz de Lisboa”, em artigo publicado no Estadão, o advogado paulista Nicolau da Rocha Cavalcanti se entregou à inglória tarefa de elogiar a realização do tal de “Fórum Jurídico de Lisboa”, aqui apelidado de “Gilmarpalooza”.

Tamanha temeridade só podia colher, como colheu, uma enxurrada de exacerbadas e desairosas críticas ao referido bacharel, que poderia ter dormido sem elas.

O texto do advogado, realmente, soa incomodamente como deboche ao pensamento de todos quantos sabem como, por quem, e em que circunstâncias é realizado aquele evento. Quer como peça literária, quer como juízo de valor, a publicação não resiste à mais perfuntória análise.

O próprio título revela que o autor do artigo não é dotado de respeitável criatividade. “A Luz de Lisboa” é um tema de que se têm ocupado, há muitos anos, poetas, escritores e vários artistas de outros ramos. Movida por tal inspiração, a direção do Museu de Lisboa usou-a para assim denominar grandiosa exposição que reúne obras de pintura, desenho, fotografia, cinema, vídeo, documentário e literatura. Sem dizer que o título não era de sua lavra, fruto de seu talento literário, o advogado Cavalcanti se valeu da poética expressão para ilustrar seu artigo.

É evidente que a deficiência de criatividade dificulta a elaboração de argumentos, de razões deveras convincentes. Então lá veio ele dizer que “sendo um espaço de reflexão e debate, a distância permite ver, com outras luzes, o objeto discutido, o Brasil”.

Ora, o Brasil é um país, simplesmente. Que tipo de discussão exigiria um país? O que pode ser objeto de discussão, sim, é a realidade vivida no país, a realidade política, social, financeira, étnica. Mas a realidade não pode ser vista, ou pintada, “com outras luzes”, como a “luz de Lisboa”, por exemplo, à distância, sob pena de ser tida como uma realidade disfarçada.

Toda a dialética se torna indigente, quando se socorre de presunções como premissas para juízos de valor. Ao afirmar que “nos tempos atuais de embrutecimento, realizar esse fórum no Brasil de forma serena e pacífica tornou-se simplesmente  impossível”, o advogado articulista navega numa afirmação vazia. Embrutecimento? Como assim? Quem está praticando “embrutecimento”?

O advogado faz circunvoluções para não chegar ao ponto crucial do “Gilmarpalooza”: os gastos públicos, as viagens e diárias com guarda-costas pagas com o dinheiro do contribuinte. A imensa comitiva que voou para Lisboa foi composta, por “160 autoridades dos três Poderes e outros 20 assessores”, segundo a UOL Notícias.

Quem pagou isso tudo? O advogado não diz. Quando se trata mandar às favas o artigo 37 da Constituição Federal, é melhor calar, porque não há explicações que possam ser consagradas como argumentos.

Mas há em Portugal jornalistas atentos para os desvios das funções públicas.  O colunista João Carlos Batalha, da revista lisboeta Sábado, em publicação sobre o “Gilmarpalooza”, intitulada “O Festival do arranjinho”, alude à “orgia da promiscuidade” no evento.

Por sorte ele não é brasileiro, nem mora aqui. Senão, já estaria enquadrado no “inquérito do fim do mundo” por crimes antidemocráticos...

 

sexta-feira, 5 de julho de 2024

 

NOTÓRIA INSCIÊNCIA

 

Em matéria publicada sobre a questão das drogas, que esteve em julgamento no STF, a Zero Hora traz a público as principais circunstâncias que cercam a referida causa.

Como diz aquele ditado, o que começa mal, não tem como terminar bem. A ação foi proposta pela Defensoria Pública de São Paulo, questionando a constitucionalidade do art. 28 da Lei das Drogas. Tratava-se da condenação de um homem que portava consigo três gramas de maconha.

O Recurso Extraordinário só pode analisar questões de Direito atinentes à Constituição Federal. A condenação pelo porte de 3 gramas de maconha é uma questão exclusivamente de Direito Penal, que depende de provas. Se houve ofensa foi ao Direito Penal e não ao Constitucional. Extrair a fórceps, desse fato, uma questão de Direito Constitucional, exige um destrinche pior do que separar minhocas entranhadas em prazeroso processo de suruba.

Mas, isso é o que mais se faz nesse país: o que menos se respeita é a lei. Como o STF nada encontrou de inconstitucional, procurou uma saída pior, para remendar o erro de julgar o que não era de sua competência: resolveu modificar o texto do art. 28 da Lei de Drogas, para suprir lacunas ali deixadas pelo legislador.

A ZH entrevistou “especialistas” no assunto, uma professora da UFRGS e um da PUC. Para a professora, a lacuna na lei “colabora para problemas sociais, como o racismo, e dificulta o tratamento de dependentes químicos que, em certos momentos, podem ser enquadrados como traficantes”. Segundo o professor, a lacuna é suprida pela visão subjetiva dos juízes, gerando “uma discricionariedade absurda”. E exemplifica:  um rico, se apanhado com 50 gramas de maconha, é considerado “usuário”. Já um pobre, flagrado com 10 gramas, é condenado traficante.

Nenhuma palavra disseram os professores sobre a competência do STF para julgar a questão. Nenhum mencionou a inconstitucionalidade da lei.

O problema, se assim é, está na interpretação dos fatos. E a Constituição nada tem a ver com isso, porque a questão é de fato e não de Direito, já que o exercício da jurisdição faculta interpretação subjetiva. E se o problema está na lacuna da lei e não na Constituição, compete ao Legislativo resolver e não ao STF.

A errônea interpretação dos fatos não gera inconstitucionalidade nas decisões judiciais. Para isso há os recursos e, além desses, a ação rescisória, instrumento processual próprio para corrigir erros de fato.

Mas, mesmo não sendo o STF competente para julgar a questão, oito de seus ministros a colocaram sob sua jurisdição. De certo, se consideraram escolhidos para lavrar a crônica da humanidade, na condição de arautos do humanitarismo. Agiram como se a toga fosse régua moral para medir a equanimidade, ou alavanca para colocar no mesmo nível todas as diferenças. E quando usaram a balança da justiça para pesar maconha, liberando 40 gramas de alucinógenos para quem quiser, fantasiaram de certeza suas opiniões, sem argumentos científicos.

O julgamento foi certamente festejado pelos traficantes: mais de 50 baseados para cada portador alimentarão consideravelmente seu comércio.