sexta-feira, 27 de setembro de 2024

 

UM CONTRASTE ABISSAL

 A humanidade está dividida em dois grandes grupos: os imprescindíveis e os dispensáveis. Naturalmente, essa divisão comporta inumeráveis subdivisões. Entre os dispensáveis, por exemplo, há os indesejáveis.

No Legislativo do Brasil hoje, a maioria tem seu umbigo como o centro do mundo. Legislam em causa própria, presenteiam-se com benefícios imoralmente legais. Pouco se lhes dá o povo, que serve apenas para apelidar de democracia a grande mamata que só sustenta os poderosos. O Executivo só faz discursos e esbanja dinheiro público nas viagens internacionais de luxo do casal Lula-Janja. O Judiciário, além dos mesmos defeitos explícitos do Legislativo, agora está tomando para si as funções dos outros Poderes. Mas unicamente através de ordens, emitidas por ministros postados com poses de príncipes, dispondo de pajens só para lhes ajustar a toga ou empurrar a cadeira.

O país está há várias semanas com as florestas em fogo, devastando a fauna, a flora, e intoxicando o povo. Mas só agora, por uma ordem não autorizada pela Constituição, um ministro do STF determinou a tomada das providências, até então ignoradas por Lula e pela cambada das FG, CC e dos altos salários.

Agora, em ritmo de eleições, ofensas e agressões substituem argumentos. A animalidade se sobrepõe à racionalidade. São os candidatos, ajeitando seus umbigos para mamarem deitados, nas tetas do erário.

Mas, nem tudo está perdido, porque temos pessoas imprescindíveis. Muita sorte teve, nesse sentido, quem leu a crônica do doutor José J. Camargo, na ZH do dia 17. Colunista em fins de semana, ele teve espaço extraordinário, para comemorar os 25 anos do primeiro transplante de pulmão intervivos, por ele realizado.

É uma crônica pungente, obra de quem sabe escrever. Um menino de  treze anos, atormentado por grave deficiência respiratória, tinha no transplante sua única chance de sobrevivência. Para isso era indispensável a extração parcial dos pulmões de seus pais. No dia do procedimento “relutei em sair da cama, como se fosse possível adiar o medo que me aguardava lá fora”, escreve Camargo.

Nem os deuses resistiriam sem lágrimas à pungência da cena, na entrada do bloco cirúrgico: “o menino ajoelhado na maca e gritando por falta de ar, a mãe chorando porque filho chorava, e o pai tentando, sem conseguir, acalmar os dois”. E continua o colunista: “foi só naquele momento que tive a exata noção do tamanho da empreitada: íamos operar três pessoas da mesma família... e então, perdida a chance de recuar, fomos em frente... Começada a operação, o nível de concentração sobe, e a adrenalina do medo é substituída pela endorfina que brota espontaneamente da pretensa certeza de que, calma lá, essa cirurgia nós sabemos fazer”.

Na peroração, segue uma confissão que poucos ousariam fazer: “sete horas depois, aliviado e exausto, sentei-me no chão, um jeito pessoal de tratar o cansaço. Quando o Felicetti, parceiro de todas as horas, sentou-se ao meu lado, choramos abraçados”.

Aí está a grandeza duma profissão, embutida na pequenez do homem, provando que, por sorte, há criaturas imprescindíveis para a humanidade.

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

 

RIO GRANDE DO SUL JÁ NÃO RIMA COM CÉU AZUL

 

Quem deu de olhos no título “De quem é a culpa por queimadas amazônicas”, na coluna GPS da Economia, na edição do jornal Zero Hora do dia 11, certamente não conteve a curiosidade. A fumaça, que tem apagado o tão decantado céu azul, fornecedor de inspiração aos poetas para a rima com o Rio Grande do Sul, está não só enfeiando a paisagem, como causando estragos à saúde do povo, empestando o ar.

Mas, maior do que a curiosidade foi a decepção, com a leitura do texto. Quem esperava pelo menos uma notícia boa sobre o governo petista, com o anúncio de que a polícia e o exército do Lula haviam ganhado a batalha, deitando mão dos incendiários criminosos, se deu mal. Quem se deu bem, foi o mal, que continuará sem castigo, mas castigando, impune, escondido atrás da incompetência do governo federal.

Atentem para a redação da matéria: “faz quase um mês que a fumaça das queimadas na Amazônia – e agora também no Pantanal e em São Paulo – chega ao sul do Brasil. O que gera esse acúmulo raras vezes visto de focos de incêndio é, outra vez, a mudança do clima, provocada por ação humana”.

De todo o dito acima escorre a seguinte conclusão, escrita com todas as letras: “por extensão, todos nós temos responsabilidade nesse drama”.

Sim, é isso mesmo que está ali escrito: nós somos os culpados explícitos. Não há uma palavra sequer sobre os criminosos que atiçam o fogo. É como se os “focos de incêndio” que se alastram desde a Amazônia viessem do nada, como se ninguém os tivesse atiçado, senão a “mudança do clima”, provocada “por todos nós”. Nenhuma palavra sobrou também para o órgão encarregado de zelar pelo Meio Ambiente. O nome de Marina Silva ficou resguardado como se merecesse respeitável silêncio.

Observem: as consequências dos atos incendiários são usadas como premissas de um raciocínio que conclui pela culpa de “todos nós”.  Silogismo assim, mal armado, não compõe juízo de valor, desandando em mera conjectura.

E como soaria estranho culpar exclusivamente o povo, a redação da matéria ainda se submete à inclemência da obscuridade, para pegar Lula apenas de refilão: “essa culpa coletiva não tira o peso da outra acepção da palavra: a de quem tem obrigação jurídica de responder sobre o que ocorre em seu território. O governo Lula prometeu dar o tratamento necessário. Mudou o descaso que havia antes, mas ainda não o suficiente”.

A culpa tem quatro formas: ativa, omissiva, voluntária ou involuntária. Mas, tem um sentido só. Agora a gente fica sabendo que, em se tratando do Lula, ela tem “outra acepção”...

Ah, e como não podia deixar de ser, para Bolsonaro sobrou o substantivo “descaso”.

É assim: para quem não consegue resistir aos “encantos” do Lula, Bolsonaro será sempre o culpado pelos males do país, desde abril de 1.500, mesmo que, no governo dele, o céu azul não tenha deixado de rimar com Rio Grande do Sul.

 

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

 

SEXO NA POLÍTICA

A notícia de que o ministro Sílvio Almeida quis gozar indevidamente de seus direitos humanos com Anielle Franco, da Identidade Racial, estourou no dia do sexo.

Não sabiam? Pouca gente sabe da existência dessa data, destinada a lembrar aquele corcoveado sob lençóis, indispensável à perpetuação da espécie “homo sapiens”. Talvez tenham pulado muros, chegando aos ouvidos do pessoal do portal “Metrópoles”, os cochichos apimentados numa reunião de integrantes do governo Lula. Anielle Franco, que é flamenguista até em avião da FAB, teria aproveitado a referida reunião para informar que Sílvio Almeida era maluco por perna de moça. A notícia vazada pelo “Metrópoles”, apareceu no dia 6.

O Dia do Sexo foi criado em 2008 por José Araújo, dono da Inaltex, a que está ligado o preservativo chamado Olla. A ele se juntou Carlos Domingos, da Age, Agência de Publicidade. A data comemorativa serviria muito bem, tanto ao produto, quanto à sua divulgação. E o seis de setembro, ou seja 6/9, não foi escolhido ao acaso. Ele teve o propósito de juntar o número 6 com o 9, em alusão àquela horizontalidade de cabeças inversamente emborcadas nas partes subalternas de um e de outro.

Outra coincidência: os cargos exercidos por Sílvio e Anielle Franco. Ele, à testa dos Direitos Humanos. Ela, regendo a Igualdade Racial. Quer dizer, tudo a mesma coisa. A Igualdade Racial faz parte dos Direitos Humanos. Ou seja, não há Direitos Humanos, sem reconhecimento de Igualdade Racial. Essa interrelação de raiz deve ter mexido com a cabeça e outras partes do ministro, em cujo currículo consta o grau de doutor em Filosofia. Ele não se deu conta de que os dois ministérios só servem como uso do dinheiro dos contribuintes, para pagar alianças eleitoreiras. E se deu mal, querendo juntar as duas pastas em assunto sem o qual não haveria os Direitos Humanos: o sexo.

Nada a estranhar. Foi a filosofia sem lógica do sexo que levou o STF a mudar o gênero das palavras no art. 226, § 3º da Constituição.

Não consta das notícias que Almeida tenha apalpado os avantajados da moça, com seus dedos de doutor em Filosofia e mestre em Direito. Parece que o fraco dele não é a abundância traseira. Segundo a imprensa, o assédio à colega teria consistido em “beijos inapropriados”, com as mãos dele sumindo por debaixo do vestido dela.

Mas, não foi no Ministério que Sílvio Almeida inaugurou sua carreira de alisador de pernas de mulher. Uma organização chamada Me Too já sabia das desvergonhas, mas só referiu denúncias de várias mulheres contra as bandalheiras do doutor, depois que o assunto veio a público,

Uma candidata a vereadora pegou o barco das denúncias andando, para revelar que Sílvio, de quem era aluna, havia apalpado não só suas pernas como as partes adjacentes.

Das preliminares o ministro não tirou proveito. Fez papel de galo que só cisca, cacareja e nada mais. Como seria ele no jogo principal, na coreografia por entre lençóis e travesseiros, mulher nenhuma quis saber.

 

 

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

 

HAVERÁ SABER JURÍDICO SEM DOMÍNIO DA LINGUAGEM?

Os gregos foram os primeiros a se dedicar à filosofia; os romanos, ao Direito. Aqueles ensinaram a argumentar e a expor ideias, como expressão de um conhecimento racional e sistemático; esses, lançaram as bases do Direito como ciência, atreladas à dialética.

Dos fundamentos científicos do Direito, elaborados pelos romanos, o mundo jurídico ocidental não abriu mão, durante muitos séculos. Essa foi a base da formação de grandes juristas.

Mas, há cerca de 70 anos, tanto as bases do Direito Romano, como os princípios que norteiam a dialética, começaram a despencar. A exclusão do latim dos currículos escolares desembocou na exclusão do Direito Romano, tal como era administrado nas Faculdades de Direito. As “Facilidades” de Direito, multiplicadas como coelhos pelo Brasil afora, contribuíram para a decadência do ensino jurídico, quando excluíram o latim de seus vestibulares.

Hoje, por exemplo, não haverá, no Supremo Tribunal Federal, um ministro sequer que tenha conhecimento do idioma de Cícero. O máximo a que algum deles se aventura, de vez em quando, é citar qualquer axioma criado pelos jurisconsultos romanos. Os últimos ministros, com sabedoria enriquecida pelo conhecimento do latim, foram João Leitão de Abreu e Antônio Cezar Peluso.

Então, não se pode exigir expressões de impoluta e augusta sabedoria dos atuais ministros do Supremo. E nem de pundonoroso comportamento. Não se pode exigir, por exemplo, que eles conheçam um dos princípios de Direito Processual, que preserva antecipadamente a imparcialidade do juiz, sua equidistância da contenda e dos contendores: ne procedat judex ex officio. Em tradução que, respeitando a letra, se torna mais didática, isso significa: o juiz não pode tomar a iniciativa para a abertura de qualquer procedimento, sobre o qual deva haver pronunciamento judicial.

Os romanos sabiam que a iniciativa é produto de algum impulso e esse, advém de algum sentimento. A imparcialidade do juiz exige que ele não esteja infectado por qualquer sentimento em relação à causa submetida à sua jurisdição. Por mínimo que seja, o sentimento sempre ocupará espaço em operações que exijam raciocínio e domínio de linguagem.

Para provar que, sem latim, a língua portuguesa, único instrumento das operações jurídicas brasileiras, está mais propensa às lições de Paulo Freire do que às de Camões, vai um exemplo. Em sua última decisão, retirando as ameaças a quem usasse o VPN para acessar o X, Alexandre de Moraes escreveu: “em decisão anterior de suspensão do funcionamento do X Brasil Internet Ltda... foi determinado... a intimação...para cumprimento no prazo de 5 (cinco) dias, devendo comunicar imediatamente o juízo, das empresas...”.

“Foi determinado a intimação”. Para regras básicas de concordância não há lugar na cultura do senhor Moraes? E na oração “devendo comunicar imediatamente o juízo”, onde está o sujeito? Ou onde está o objeto, considerando-se que o verbo “comunicar” é transitivo direto e indireto?

Entre candidatos à toga no STF, haverá quem responda, na ponta da língua: o sujeito está em Brasília. E o objeto? A resposta fugidia será: sabe-se lá onde o Moraes meteu o objeto...