HAVERÁ SABER JURÍDICO SEM DOMÍNIO DA
LINGUAGEM?
Os gregos foram os primeiros a se
dedicar à filosofia; os romanos, ao Direito. Aqueles ensinaram a argumentar e a
expor ideias, como expressão de um conhecimento racional e sistemático; esses, lançaram
as bases do Direito como ciência, atreladas à dialética.
Dos fundamentos científicos do
Direito, elaborados pelos romanos, o mundo jurídico ocidental não abriu mão,
durante muitos séculos. Essa foi a base da formação de grandes juristas.
Mas, há cerca de 70 anos, tanto as
bases do Direito Romano, como os princípios que norteiam a dialética, começaram
a despencar. A exclusão do latim dos currículos escolares desembocou na
exclusão do Direito Romano, tal como era administrado nas Faculdades de Direito.
As “Facilidades” de Direito, multiplicadas como coelhos pelo Brasil afora,
contribuíram para a decadência do ensino jurídico, quando excluíram o latim de
seus vestibulares.
Hoje, por exemplo, não haverá, no
Supremo Tribunal Federal, um ministro sequer que tenha conhecimento do idioma
de Cícero. O máximo a que algum deles se aventura, de vez em quando, é citar
qualquer axioma criado pelos jurisconsultos romanos. Os últimos ministros, com
sabedoria enriquecida pelo conhecimento do latim, foram João Leitão de Abreu e
Antônio Cezar Peluso.
Então, não se pode exigir expressões
de impoluta e augusta sabedoria dos atuais ministros do Supremo. E nem de
pundonoroso comportamento. Não se pode exigir, por exemplo, que eles conheçam
um dos princípios de Direito Processual, que preserva antecipadamente a
imparcialidade do juiz, sua equidistância da contenda e dos contendores: ne
procedat judex ex officio. Em tradução que, respeitando a letra, se torna
mais didática, isso significa: o juiz não pode tomar a iniciativa para a
abertura de qualquer procedimento, sobre o qual deva haver pronunciamento
judicial.
Os romanos sabiam que a iniciativa é
produto de algum impulso e esse, advém de algum sentimento. A imparcialidade do
juiz exige que ele não esteja infectado por qualquer sentimento em relação à
causa submetida à sua jurisdição. Por mínimo que seja, o sentimento sempre
ocupará espaço em operações que exijam raciocínio e domínio de linguagem.
Para provar que, sem latim, a língua
portuguesa, único instrumento das operações jurídicas brasileiras, está mais
propensa às lições de Paulo Freire do que às de Camões, vai um exemplo. Em sua
última decisão, retirando as ameaças a quem usasse o VPN para acessar o X,
Alexandre de Moraes escreveu: “em decisão anterior de suspensão do
funcionamento do X Brasil Internet Ltda... foi determinado... a
intimação...para cumprimento no prazo de 5 (cinco) dias, devendo comunicar
imediatamente o juízo, das empresas...”.
“Foi determinado a intimação”. Para
regras básicas de concordância não há lugar na cultura do senhor Moraes? E na
oração “devendo comunicar imediatamente o juízo”, onde está o sujeito? Ou onde
está o objeto, considerando-se que o verbo “comunicar” é transitivo direto e
indireto?
Entre candidatos à toga no STF, haverá
quem responda, na ponta da língua: o sujeito está em Brasília. E o objeto? A
resposta fugidia será: sabe-se lá onde o Moraes meteu o objeto...
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