quinta-feira, 5 de setembro de 2024

 

HAVERÁ SABER JURÍDICO SEM DOMÍNIO DA LINGUAGEM?

Os gregos foram os primeiros a se dedicar à filosofia; os romanos, ao Direito. Aqueles ensinaram a argumentar e a expor ideias, como expressão de um conhecimento racional e sistemático; esses, lançaram as bases do Direito como ciência, atreladas à dialética.

Dos fundamentos científicos do Direito, elaborados pelos romanos, o mundo jurídico ocidental não abriu mão, durante muitos séculos. Essa foi a base da formação de grandes juristas.

Mas, há cerca de 70 anos, tanto as bases do Direito Romano, como os princípios que norteiam a dialética, começaram a despencar. A exclusão do latim dos currículos escolares desembocou na exclusão do Direito Romano, tal como era administrado nas Faculdades de Direito. As “Facilidades” de Direito, multiplicadas como coelhos pelo Brasil afora, contribuíram para a decadência do ensino jurídico, quando excluíram o latim de seus vestibulares.

Hoje, por exemplo, não haverá, no Supremo Tribunal Federal, um ministro sequer que tenha conhecimento do idioma de Cícero. O máximo a que algum deles se aventura, de vez em quando, é citar qualquer axioma criado pelos jurisconsultos romanos. Os últimos ministros, com sabedoria enriquecida pelo conhecimento do latim, foram João Leitão de Abreu e Antônio Cezar Peluso.

Então, não se pode exigir expressões de impoluta e augusta sabedoria dos atuais ministros do Supremo. E nem de pundonoroso comportamento. Não se pode exigir, por exemplo, que eles conheçam um dos princípios de Direito Processual, que preserva antecipadamente a imparcialidade do juiz, sua equidistância da contenda e dos contendores: ne procedat judex ex officio. Em tradução que, respeitando a letra, se torna mais didática, isso significa: o juiz não pode tomar a iniciativa para a abertura de qualquer procedimento, sobre o qual deva haver pronunciamento judicial.

Os romanos sabiam que a iniciativa é produto de algum impulso e esse, advém de algum sentimento. A imparcialidade do juiz exige que ele não esteja infectado por qualquer sentimento em relação à causa submetida à sua jurisdição. Por mínimo que seja, o sentimento sempre ocupará espaço em operações que exijam raciocínio e domínio de linguagem.

Para provar que, sem latim, a língua portuguesa, único instrumento das operações jurídicas brasileiras, está mais propensa às lições de Paulo Freire do que às de Camões, vai um exemplo. Em sua última decisão, retirando as ameaças a quem usasse o VPN para acessar o X, Alexandre de Moraes escreveu: “em decisão anterior de suspensão do funcionamento do X Brasil Internet Ltda... foi determinado... a intimação...para cumprimento no prazo de 5 (cinco) dias, devendo comunicar imediatamente o juízo, das empresas...”.

“Foi determinado a intimação”. Para regras básicas de concordância não há lugar na cultura do senhor Moraes? E na oração “devendo comunicar imediatamente o juízo”, onde está o sujeito? Ou onde está o objeto, considerando-se que o verbo “comunicar” é transitivo direto e indireto?

Entre candidatos à toga no STF, haverá quem responda, na ponta da língua: o sujeito está em Brasília. E o objeto? A resposta fugidia será: sabe-se lá onde o Moraes meteu o objeto...

 

 

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