terça-feira, 24 de junho de 2025

 

GRAÇAS A JESUS!

“A ciência e a religião tentam explicar o mundo. Para outras coisas incompreensíveis, existe o Botafogo”. É com essa lição de verdadeiro pensador e mágico das palavras, que o cronista esportivo Mauro Beting inicia sua coluna no Estadão, comentando a vitória do alvinegro carioca sobre o Paris Saint-Germain, com gol de Igor Jesus.

Tudo antes do jogo anunciava que o Botafogo teria que jogar o máximo, não para vencer, mas para evitar acachapante derrota. Ou, como diz Mauro Beting, no mesmo texto: “Botafogo parecia o patinho feio do mundial”.

O PSG, atual campeão da Liga dos Campeões da Europa, vinha esbanjando futebol, humilhando seus adversários com goleadas. A Inter de Milão levou 5xO na partida final daquela competição, e o Atlético de Madrid foi massacrado por 4x0, no primeiro jogo do Mundial de Clubes.

Não é de agora a respeitabilidade que o Paris Saint-Germain impõe. Desde que foi adquirido pelo arquibilionário Nasser Al-Khelaifi, do Catar, o clube não tem limites orçamentários que o impeçam de formar quase uma seleção mundial. Messi, Neymar, Kilian Mbappé, entre outros grandes nomes do futebol, já vestiram a camiseta desse clube, que de francês só tem o nome.

Há um ditado que iguala todas as criaturas humanas, colocando no mesmo nível tanto os que mal têm o que comer, como os que botam dinheiro fora: o dinheiro não é tudo.

Sim. O poder do dinheiro, como tudo na vida, tem um limite: a força dos acasos. No tocante ao futebol, o grande Edson Arantes do Nascimento, Pelé, com a autoridade de quem foi um privilegiado como ele, destacou a preponderância dos acasos. Não basta ser craque, saber o que fazer com a bola – disse ele – é preciso também ter sorte.

Realmente. Quem jogou futebol, conhece a única regra que impera em qualquer disputa: a sorte ou, como se diz na gíria futebolística, a liga. Há dias em que tudo dá certo, mas há também aqueles dias, horas ou momentos em que, por mais que se faça, são como malhar em ferro frio.

Essa é a regra: todo o Pelé tem seu dia de perna de pau, e todo o perna de pau tem seu dia de Pelé. Não há Golias que não encontre um David pelo caminho, Sansão que não tope com uma Dalila, nem Internacional sem atropelo de Mazembes da vida... O Botafogo de Manga, Garrincha e Nilton Santos não chegou onde chegou o de Jesus.

O Internacional viveu grande momento em 2006, enfrentando o Barcelona, de Ronaldinho. Esse, o Ronaldinho, compareceu, mas não apareceu, porque foi apagado por um desconhecido, que só era conhecido pelo apelido de Ceará. O grande nome do Inter, Fernandão, padeceu sob o mau acaso de uma lesão. Quem o substituiu, para espanto geral, foi um jogador que só figurava nas convocações, porque se dava bem no banco: Gabiru.

Aproveitando habilidoso passe de Yarlei, Gabiru tocou na bola e essa foi parar onde o goleiro não estava, tornando o Inter Campeão Mundial de Clubes da Fifa.

 

quarta-feira, 18 de junho de 2025

 

DENÚNCIA SEM CRIMES

O processo de Carla Zambelli e Walter Delgatti Neto mostra a realidade nua e cruel da insegurança jurídica no país.

A denúncia assim inicia: “a sra. Carla Zambelli Salgado de Oliveira, de maneira livre, consciente e voluntária, comandou a invasão a sistemas institucionais utilizados pelo Poder Judiciário, mediante planejamento, arregimentação e comando de pessoa de aptidão técnica e meios necessários ao cumprimento de tal mister, com o fim de adulterar informações, sem autorização expressa ou tácita de quem de direito. O sr. Walter Delgatti Neto, de maneira livre, consciente e voluntária, sob o comando de Carla Zambelli Salgado de Oliveira, ao menos no período de agosto de 2022 a janeiro de 2023, invadiu dispositivos informáticos utilizados pelo Poder Judiciário com o fim de adulterar informações, sem autorização expressa ou tácita de quem de direito. Da mesma forma, o sr Walter Delgatti Neto, de maneira livre, consciente e voluntária, sob o comando de Carla Zambelli Salgado de Oliveira, ao menos no período de agosto de 2022 a janeiro de 2023, após a invasão aos sistemas, emitiu documentos ideologicamente falsos, com o fim de prejudicar direitos”.

E mais adiante: “os acusados buscavam obter vantagem de ordem midiática e política, que adviria do projeto de desmoralização da justiça, bem como causar danos ao funcionamento da máquina administrativa judiciária”.

Depois das cópias e colas de adjetivos inúteis, são narradas as ações de Walter Delgatti Netto que, invadindo o sistema informático do CNJ, ali inseriu alvarás de soltura, mandado para prender Alexandre de Moraes, assinado pelo próprio, e ordens de bloqueios de valores do magistrado.

Essa narrativa desemboca na imputação dos delitos descritos nos artigos 154 A e 299 do CP a Carla e Walter. O primeiro artigo pune a invasão de dispositivo informático alheio, “com o fim de... adulterar ou destruir informações...para obter vantagem ilícita”. O segundo define como crime a inserção, em documento público ou particular, “de declaração falsa...com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.

A regra básica em Direito Penal é a seguinte: o fato deve corresponder literalmente à conduta penal definida na lei.

Portanto, nenhuma conduta atribuída a Carla e Walter é criminosa.  A do art. 154 A, porque nem na cabeça de um ignorante cabe a certeza de que “vantagem de ordem midiática e política” é coisa ilícita. A do art. 299, porque só constitui crime “inserir declaração falsa em documento público ou particular, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.

Ora, segundo a própria denúncia, eles só queriam “obter vantagem de ordem midiática e política, que adviria do projeto de desmoralização da justiça, bem como causar danos ao funcionamento da máquina administrativa judiciária”. E não foram denunciados por crime de danos.

Resumindo: a denúncia, além de maltratar o vernáculo, não relatou crimes definidos em lei. A intenção dos acusados era provar a insegurança do sistema informático judiciário, e o fizeram, mostrando que ele se presta inclusive à ridicularização.

 

quarta-feira, 11 de junho de 2025

 

 A DIATRIBE DO ESTADÃO

“Condenada pela justiça por violar a lei, a sra. Zambelli honra a tradição bolsonarista ao fugir do país, atacar os tribunais e posar de vítima de um regime de exceção que não existe”. Assim inicia o texto intitulado “A Vítima da Quermesse”, um dos editoriais do Estadão, publicado no dia 5 último.

Se o jornal pensa que tem poder e outras qualidades excepcionais para submeter as noções e condutas dos brasileiros a seus conceitos e preceitos, está muito enganado. A pobreza de suas premissas, na diatribe que ele apelida de “opinião”, não lhe empresta virtudes e talento suficientes para se apresentar como preceptor, no império da razão. Faltam-lhe, em primeiro lugar, conhecimentos mínimos de semântica.

O inapropriado emprego da palavra “tradição” é sinal de indigência nesse ramo da linguística e, consequentemente, na arte de organizar o discurso. Como ato gerador de transmissão, o mencionado vocábulo exige, para sua acepção verdadeira, um decurso de tempo capaz de atingir, no mínimo, duas gerações. Não é o caso do “bolsonarismo”.

Jair Messias Bolsonaro foi um fenômeno eleitoral produzido pela maioria da sociedade brasileira. Marcada pelo cansaço de ser enganada por políticos semialfabetizados, mal intencionados, mas dotados de uma carga demagógica capaz de seduzir a imprensa decadente, já a caminho do abismo da falência, significativa parte do povo brasileiro não via nessa política fraudulenta chance alguma de mudanças. Então escolheu Bolsonaro, homem vinculado a um partido político quase desconhecido, sem tradição para colocar alguém na Presidência da República.

A imprensa decadente nunca se servira da carreira política de Bolsonaro como tema para vender jornal. Tratava-o como integrante do “baixo clero”, um escalão ignorado, de postura desimportante.

Bolsonaro só começou a despertar para esse tipo de imprensa quando, surgido do nada, da desimportância do “baixo clero”, deu as primeiras mostras de milagroso fenômeno eleitoral. Aí ela se deu conta de que aquele indivíduo, ignorado por ela, encarnava um inimigo potencial, que poderia lhe secar as fontes de sobrevivência. Mas essa imprensa, embriagada pelo sustento que lhe propiciava o poder político, foi incapaz de eviscerar da maioria do povo, a ansiedade pela mudança dos maus costumes, da má administração, dos discursos vazios, corrompidos pelo vício insanável da demagogia.

A guerra movida contra o político desimportante, sem projeto útil para vender jornal, foi águas abaixo. Bolsonaro venceu o pleito, contra a vontade do Estadão. Mas o vencido não aceitou essa condição humilhante e partiu para a revanche: a guerra contra o bolsonarismo.

Quem quer que seja bolsonarista sempre será levado ao cadafalso moral, como Carla Zambelli. Mesmo que, para isso, sejam usados pífios argumentos, como o que insinua que Bolsonaro é fujão ou o de que vivemos sob um regime inatacável: como se não houvesse gente morrendo nas prisões, idosos doentes encarcerados, mãe de família condenada por uso de batom contra uma estátua, e um povo ameaçado de mordaça institucional.

Com sua diatribe, o Estadão certamente espera o reconhecimento do autor daquele pícaro brado que o jornal, como eco, reverbera: “derrotamos o bolsonarismo”!

 

quinta-feira, 5 de junho de 2025

 

SONIDOS E ARRULHOS DESAFINADOS DA CONSTITUIÇÃO

Para ser CEO de uma multinacional, considerando-se a finalidade da empresa, que outra não é, senão a de forrar as burras, se supõe que o sujeito deva ser esperto, mostrando perícia nas artes da sedução. Mas, essa qualidade não pode deixar de ser atrelada à sovinice, quando se trata de remunerar aqueles que movimentam as operações, garantindo o dinamismo do empreendimento: os trabalhadores.

A iFood que, como todas empresas, necessita de mão de obra, se utiliza da prestação serviços de terceiros para suas operações, sem compromisso com a legislação trabalhista. Mas, nem todos os prestadores de serviço aguentam o repuxo, sem a garantia que o vínculo empregatício lhes daria: vão para a Justiça.

Até agora, em alguns dos casos levados ao STF, esse vínculo não tem sido reconhecido. Mas, são casos cercados por circunstâncias específicas e, por isso mesmo, o Supremo ainda não firmou jurisprudência abrangente.

Mas como um CEO bem qualificado, o senhor Diego Barreto, que preside a iFood no Brasil, saltou na frente da Jurisprudência, movido pelo espírito cristão de Francisco de Assis: é dando, que se recebe. Sabendo que o CNJ anda à cata de doações para um programa humanitário na formação de juízes, organizou um jantar em sua casa, bem ao gosto do presidente daquele órgão judiciário, o senhor Barroso, que aprecia um microfone para expelir bemóis e sustenidos, seguidos de aplausos. Para abrilhantar a performance do togado, o anfitrião convidou também a cantora Paula Lima, além de uma plateia convenientemente selecionada para a ocasião.

No dia seguinte, vários órgãos de comunicação publicaram a foto da dupla Barroso e Barreto, esforçados em afinar um sambinha com a cantora.

Como não poderia ser, o festivo jantar deu pano pra manga: o Presidente do STF se juntando ao CEO de uma empresa que tem processos a serem julgados.

Barroso não gostou da crítica e se saiu com essa: “a incultura é um problema difícil de sanar no Brasil. Os que criticaram foi para “vender jornal, falando bobagem”. E esclareceu: “nós realizamos um jantar para obtenção de recursos para o nosso programa de Bolsas”.

A irritação com a crítica é própria de quem não tem argumentos. 

 

No dia 30 de abril o CNJ havia publicado um edital, buscando empresas e instituições privadas interessadas em contribuir para bolsas no valor de R$ 3.000,00 mensais, por dois anos, em favor de negros, deficientes físicos e indígenas, para equalizar as condições de ingresso na magistratura. Uma questão social, demográfica, alheia às atribuições do CNJ.

Será que o edital previa o jantar na casa de pessoa interessada em julgamentos pelo STF, abrilhantado com a voz romântica do seu presidente?

As bobagens correm por conta de quem as pratica, e não de quem as publica. Não há lei que privilegie o CNJ, órgão do Judiciário, como exceção, no cumprimento do art. 95, parágrafo único, inc. IV da CF, que veda aos juízes “receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas...”.