SUPREMA CONTRADIÇÃO
Não é sempre, nem em todo lugar, que a Justiça se destina aos fins
mais nobres. Nem sempre ela emana da axiologia jurídica, porque os aplicadores
da lei podem usar o Direito como patrocinador dos próprios caprichos.
Em mais uma de suas excelentes crônicas, José Roberto Guzzo traça
um impiedoso retrato da Justiça atual no Brasil, tendo como referência tribunais
como do Congo, da Ruanda, de países da África em guerra, do Al-Qaeda, do
Exército Islâmico. Diz ele, na crônica intitulada “A Lei Morreu”: “onde não
existe Justiça em nenhum dos casos o Estado nacional e quem tem a força bruta
respeitam o que está escrito nas leis, ao tomarem suas decisões. Os magistrados
não cumprem o que as leis mandam fazer, ou cumprem para uns e não para outros,
ou cumprem hoje e não cumprem amanhã. Dão sentenças opostas para as mesmas
questões. Não aplicam a lei – usam a lei. Decidem segundo o caso, a pessoa
envolvida e os seus interesses políticos ou financeiros”.
A prova mais viva de que a Justiça no Brasil também cumpre as leis
hoje, mas não as cumpre amanhã, ou aplica decisões que contrariam decisões
anteriores em questões idênticas, está no paralelo “Lava jato” e “Inquérito do
Fim do Mundo”.
Na operação Lava Jato foram criados caminhos sinuosos para que desembocassem
na jurisdição do juiz Sérgio Moro, em Curitiba, casos de corrupção ocorridos na
Petrobrás, mas costurados e avençados em Brasília. Tais casos acabaram levando
Lula, Marcelo Odebrecht e outros figurões para a cadeia.
Mas, aí apareceu Luiz Fachin, escrevendo: “trata-se
de questão que agora vem de ser exposta no habeas corpus impetrado
em 3.11.2020 em favor de Luiz Inácio Lula da Silva, no qual se aponta como ato
coator o acórdão proferido pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça
nos autos do Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.765.139, no ponto em
que foram refutadas as alegações de incompetência do Juízo da 13ª Vara Federal
da Subseção Judiciária de Curitiba para o processo e julgamento da Ação Penal
n. 504651294.2016.4.04.7000, indeferindo-se, por conseguinte, a pretensão de
declaração de nulidade dos atos decisórios nesta praticados”.
Se alguém tentar decifrar o sentido que se
esconde nesse palavrório, perderá o fôlego e acabará não entendendo patavina. Mas
foi com ele, um período de noventa e seis palavras e arrematado com
estupefaciente erro de sintaxe, que começou o fim da Lava Jato.
Essa redação coleante, vergastada por erros de
vernáculo, é um excerto do relatório do acórdão de Fachin que, arredando a
competência do foro de Curitiba, anulou o também coleante processo que botou
Lula, corruptos e corruptores para a cadeia.
Mas, para pasmo geral da nação, o mesmo STF que
anulou a competência criada a fórceps em Curitiba, agora está usando o
Inquérito do Fim do Mundo, como Foro competente para qualquer questão que o
bestunto dos ministros assopre.
Ah, e a “prova” mais usada, nos processos com
jurisdição fisgada pelo STF, também é a mesma da Lava Jato: a língua do
alcaguete.