O
PODER EMANA DO POVO, MINISTRO!
João
Eichbaum
“Todos
são iguais perante a lei”: art. 5º da Constituição Federal. “É livre a
manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”: inc. IV do referido
artigo 5º, da mesma Constituição Federal. “Ninguém é obrigado a fazer ou a
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”: inciso II do acima
mencionado art. 5º, também da Constituição Federal. “Salvo disposição
constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões
serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus
membros”: o art. 47 da Constituição Federal.
Se
todos são iguais perante a lei, não pode haver diferença para os senadores.
Sendo vedado o anonimato, eles têm a obrigação de mostrar para o povo quem
escolhem para presidir aquela casa. Voto secreto é voto anônimo. E isso está vedado
na Constituição.
Se
ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
de lei, os senadores não poderiam ser obrigados a votar em segredo, porque não
existe lei alguma, que a tal os obrigue. E não existindo norma constitucional
que estabeleça votação secreta para a eleição do presidente do Senado, essa
resultará da maioria dos votos, pura e simplesmente, conforme estabelece o art.
47 da Constituição.
E
você, aí, doutor em Direito, mestre em Direito Constitucional, advogado de
porta de cadeia, ou servindo cafezinho e varrendo a sala porque seu diploma de
bacharel em ciências jurídicas e sociais ainda não lhe deu chance de conseguir
um emprego na área, certamente está se perguntando: de que argumento se serviu
o Toffoli, na calada da noite, para determinar voto secreto na eleição do presidente
do Senado?
Ah,
sabe onde? No Regimento Interno do Senado. Sim senhor, no regimento, porque lá
está escrito, no artigo 60, que a votação deve ser secreta. Então o Toffoli
disse, num tom acadêmico, a mesma coisa que diz o Arnaldo Cezar Coelho,
comentando futebol: “a regra é clara”.
Para
quem não sabe: regimento, na terminologia jurídica, é mero conjunto de normas
procedimentais. Não é lei, porque lhe falta a propriedade intrínseca da lei,
que é a coerção. Essa, a coerção, é o que distingue a lei de outras normas,
porque somente a ela o inc. II do art. 5º
da Constituição Federal empresta o caráter imperativo.
Na
ausência de lei, ao invés do regimento interno, a lacuna deve ser preenchida,
ou a dúvida deve ser resolvida, pela lei maior, que é a Constituição Federal, e
não por normas meramente procedimentais. No caso, a Constituição não dá o
mínimo sinal de que possa ser secreto o voto para a escolha do presidente do
Senado ou da Câmara.
O
voto do cidadão é secreto, por ser direito próprio e não delegado, mas os
legisladores, como mandatários, não podem esconder do mandante, que é o povo, o
que fazem em nome dele. O parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal é
o filtro pelo qual deve passar toda a hermenêutica constitucional: “todo o
poder emana do povo...” Se não passar por esse filtro, o Regimento pode ir
direto para a lata de lixo.