sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019


DIPLOMA NÃO CONFERE TALENTO
João Eichbaum
Ricardo Boechat nasceu na época em que o jornalismo brasileiro estava atingindo seu ápice. Tribuna da Imprensa, Correio da Manhã, Diário Carioca, Diário de Notícias, O Globo, Jornal do Brasil, entre outros, reuniam o que de melhor havia entre os que dominavam a arte de escrever. Vinicius de Morais, Sérgio Porto, Rubem Braga, Fernando Sabino são alguns das dezenas que poderiam ser citados. Mas, pela sua excelência, pontificava a revista O Cruzeiro, seduzindo os leitores com as magníficas reportagens de David Nasser e Justino Martins.
Celeiro de escritores, a imprensa do Rio de Janeiro, sobretudo, deve ter influenciado a infância e a adolescência de Ricardo Boechat: naquele tempo, crianças e adolescentes liam. Lançada em terreno fértil, a semente dá bons frutos. E foi o que aconteceu com Ricardo Boechat. Seu talento nato assimilou as lições dos grandes jornalistas.
Premido por necessidades em razão do desemprego de seus pais, ele teve que deixar a escola. Foi vender livros de porta em porta, para auxiliar na sobrevivência da família. Em suas andanças nessa lida, visitava os jornais. Logo deixou transparecer suas qualidades: sabia se expressar, tinha desenvoltura, dominava o vernáculo. E por conta dessas habilidades foi convidado a trabalhar no Diário de Notícias, iniciando sua carreira como jornalista.Tinha então dezessete anos.
Por esse tempo já havia faculdades de jornalismo, operando o negócio dos diplomas que iludem sonhadores. Mas, o jornal preferiu apostar no talento comprovado de Boechat. Era a qualidade do jornalista que importava, e não o diploma, que hoje mais se presta para a estatística do desemprego do que para o sucesso.
Nessa semana a morte veio buscar o menino que vendia livros, e deixou o país inteiro mergulhado em consternação. Seu talento, sua expressão distante do corriqueiro, sua riqueza de vocabulário, sua precisão na narrativa do fato, seu humor venenoso, construíram em torno dele essa unanimidade brasileira na hora do adeus. Boechat foi o último jornalista duma geração sem formação universitária. Mas, deixou como legado uma certeza: nessa profissão, o diploma é dispensável; não, porém, o talento.


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